Neste domingo, a Igreja inicia mais um ano litúrgico,
convidando-nos a, mais uma vez, percorrer o caminho de Jesus Cristo e
contemplar o mistério da sua vida, morte e ressurreição. Advento é a palavra
que designa a primeira etapa do ano litúrgico, cujo significado literal é
“vinda” ou “visita”; trata-se de um tempo especial que a Igreja dedica à
preparação para a magnífica celebração do Natal do Senhor.
Com o início do novo ano litúrgico, iniciamos também a leitura do
Evangelho segundo Mateus, porém, não do início, mas do seu final, exatamente do
seu discurso escatológico. Por isso, o texto proposto para hoje é Mateus
24,37-44. O discurso escatológico está presente nos três evangelhos sinóticos
(Mateus, Marcos e Lucas), porém é mais amplo em Mateus, uma vez que é aquele
que faz questão de apresentar o ensinamento de Jesus em forma de discursos mais
prolongados; é um discurso sobre as realidades últimas e finais da história, antecedendo
as narrativas da paixão, morte e ressurreição de Jesus, na estrutura dos
evangelhos mencionados.
À primeira vista, parece paradoxal que a preparação para o Natal
seja iniciada com palavras sobre as realidades últimas. Porém, é necessário ver
o advento como uma oportunidade de preparação para a vinda constante do Senhor
na vida de cada pessoa, tornando essa vinda uma presença, ao invés de apenas
alimentar uma expectativa futurista e preparar para uma apenas uma data ou
evento.
O primeiro passo para uma compreensão do texto é colocá-lo no seu
devido contexto, como faremos aqui. Ora, como já adiantamos, trata-se de um
trecho do discurso escatológico de Jesus. Esse discurso nasceu como resposta à
indagação dos discípulos a respeito da sentença sobre a destruição do templo de
Jerusalém. Ora, quando Jesus afirmou que daquela belíssima construção “não
restaria pedra sobre pedra” (cf. Mt 24,2), seus discípulos, certamente
escandalizados, perguntaram-lhe “como” e “quando” tudo isso aconteceria (cf. Mt
24,3). O amplo discurso escatológico é, portanto, a resposta de Jesus a essa
pergunta.
Em relação à dimensão temporal, ao seja, ao “quando”, disse Jesus:
“Quanto àquele dia e hora, ninguém sabe, nem os anjos do céu nem o Filho, mas
unicamente o Pai” (Mt 24,36). Essa confissão de ignorância do Filho parece
estranha, uma vez que Ele mesmo já tinha expressado sua intimidade com o Pai:
“Tudo me foi entregue por meu Pai” (cf. Mt 11,27a). Antes, é um alerta para não
nos deixarmos levar por falsos anúncios de muitos destinatários de visões e
aparições. Quanto ao “como”, também Ele não apresenta muitos detalhes, embora
seja menos ambíguo que na resposta ao “quando”. É, portanto, nesse contexto que
o nosso texto de hoje está inserido.
É nítido o interesse de Jesus em ponderar as expectativas e
curiosidade dos discípulos. Portanto, melhor que procurar descrever uma
realidade desconhecida é estar preparado para acolher a novidade da vinda do
Filho do Homem. E, a melhor forma de preparar-se para tal evento é olhar com
atenção para a história e perceber os sinais dos tempos. Por isso, Jesus cita o
exemplo do tempo de Noé (v. 37) para apresentar a imprevisibilidade da sua
vinda, mostrando que a única coisa a ser feita é prevenir-se a partir do
cotidiano. Por isso, Ele diz que “nos dias antes do dilúvio” (v. 38a), todos
levavam uma vida normal, aparentemente, e muitos foram surpreendidos.
O dilúvio, em grego kataklusmoj – kataklismós, é
apresentado como exemplo de como Deus pode surpreender a humanidade e como essa
costuma não se prevenir para uma questão tão fundamental como a sua relação com
Deus. Por isso, na continuação do versículo, Ele descreve o que acontecia antes
do dilúvio: “todos comiam e bebiam, casavam-se e davam-se em casamento” (v.
38b); ora, fazia-se o que era normal e consumia-se todas as energias nessas
coisas efêmeras, embora necessárias.
As atividades de “comer, beber e casar-se”
representam o cotidiano, as coisas que sustentam a vida em sua rotina e
normalidade. Jesus quer nos chamar a atenção para nãos nos contentarmos com a
normalidade das coisas, pois foi por isso que muitos perderam-se na história.
Noé é apresentado como exemplo de prudência, aquele que percebeu os sinais dos
tempos que são os sinais pelos quais Deus se comunica com a humanidade.
Devido a sua prudência, “Noé entrou na arca”
(v. 38c), enquanto os outro “nada perceberam, até que veio o dilúvio e arrastou
a todos” (v. 39a). Mais que um alerta, esse exemplo é um chamado à
responsabilidade. Ora, consideremos que o discurso escatológico é direcionado
aos discípulos e, portanto, é inadmissível que esses não saibam perceber os
sinais dos tempos. Por isso, Jesus não lhes dá respostas prontas, mas
convida-os a, inseridos no mundo, perceberem como Deus age na história.
De um exemplo do passado, Jesus parte para o
presente e percebe que também no seu tempo as coisas estão acontecendo da mesma
forma, ou seja, as atividades do cotidiano continuam distraindo as pessoas. Por
isso, Ele cita duas atividades típicas do seu tempo para o homem e a mulher: o
trabalho no campo e a atividade doméstica (vv. 40-41). Afirmando que um(a) será
levado(a) e outro(a) deixado(a), Jesus não está antecipando a condenação nem a
salvação de ninguém, mas está lamentando que, novamente, a humanidade está
desperdiçando a oportunidade de renovar-se. O Reino de Deus não é excludente,
mas é a própria humanidade que está rejeitando inserir-se nele. Enquanto alguns
estão se esforçando para entrar nele, outros simplesmente o ignoram.
As atividades agrária e doméstica nesse
contexto representam também o fechamento do homem e da mulher a uma mentalidade
antiga. Quem contentar-se somente em fazer estas coisas, sem preocupar-se com
nada além disso, obviamente não está interessado no Reino. Estar atentos à
vinda do Filho do Homem é estar disposto a lutar e trabalhar pela instauração
do Reino, e isso não se faz sem uma mudança de mentalidade. O Filho já veio; o
discípulo e a discípula são desafiados, hoje, a reconhecer a sua presença e,
assim, dar um novo sentido ao seu cotidiano, sobretudo, transformando-o.
O último exemplo usado para alertar os
discípulos sobre a imprevisibilidade da vinda do Filho do Homem é aquele, tão
conhecido, do dono da casa que não sabe a que hora pode ser surpreendido por um
ladrão (v. 43). Com certeza, essa imagem ajudou a criar um certo medo e
angústia entre os primeiros cristãos, levando-os até a distorcerem o sentido da
vigilância. No entanto, o que importa é o convite feito aos discípulos para não
desanimaram um único instante, como a exortação do último versículo: “ficai
preparados” (v. 44).
O convite feito por Jesus no Evangelho de hoje
é, portanto, que vivamos em estado constante de preparação para o encontro do
Senhor, uma vez que Ele já veio e precisa apenas ser reconhecido. Por isso, é
preciso fazer do cotidiano uma constante preparação, ou melhor, preparar-se no
cotidiano. Longe de ser uma mensagem de medo, o Evangelho é mensagem de
salvação e boa-nova para todos. A “Boa Nova” de hoje é que, sem alarde algum,
somos chamados a realizarmos nossas tarefas cotidianas já na presença dEle,
tendo em vista que já veio. Por isso, nada de medo, mas o façamos com segurança
e certeza de que Ele está conosco.
Pe. Francisco Cornelio F.
Rodrigues