Neste domingo, a Igreja inicia
mais um ano litúrgico, convidando-nos a, mais uma vez, percorrer o caminho de
Jesus Cristo, contemplando e vivendo o mistério da sua vida, morte e
ressurreição. Advento é a palavra que designa a primeira etapa do ano
litúrgico, cujo sentido literal é vinda ou visita. Trata-se de um tempo
especial que a Igreja dedica à preparação para a magnífica celebração do Natal
do Senhor, expressão maior da visita definitiva de Deus à humanidade.
Com o início do novo ano
litúrgico, iniciamos também a leitura do Evangelho segundo Marcos, porém, não
do seu início, mas do seu final, precisamente do seu pequeno discurso
escatológico, comparado ao de Mateus. Por isso, o texto proposto para hoje é Mc
13,33-37. O discurso escatológico está presente nos três evangelhos sinóticos
(Mateus, Marcos e Lucas), e trata das realidades últimas e finais da história,
antecedendo as narrativas da paixão, morte e ressurreição de Jesus.
A princípio, parece até
paradoxal que a preparação para o natal seja iniciada com palavras sobre as
realidades últimas. Porém, é necessário compreender o advento como uma
oportunidade de preparação para a vinda constante do Senhor na vida de cada
pessoa, tornando essa vinda uma presença, ao invés de apenas alimentar uma
expectativa futurista e preparar para uma única data ou evento. É importante
também perceber a continuidade do tempo: como nos últimos domingos do ano
litúrgico anterior refletimos, a partir do discurso escatológico de Mateus, o
tema da vigilância, é também com esse tema que abrimos o novo ano.
O Evangelho proposto consiste
nas últimas palavras de Jesus antes do relato da paixão: Mc 13,33-37. É necessário
fazer uma pequena contextualização para uma compreensão mais adequada do mesmo.
Jesus se encontrava em Jerusalém e, ao sair do templo, os discípulos
expressaram admiração a respeito da magnitude do templo; à essa admiração,
Jesus respondeu: “não restará pedra sobre pedra”. Então, os discípulos
perguntaram: “Quando estas coisas acontecerão?” (cf. Mc 13,1-4). Portanto, o
Evangelho de hoje é a conclusão da resposta de Jesus a essa pergunta dos
discípulos.
Ainda a respeito do contexto, é
necessário recordar o versículo que precede de imediato o nosso texto: “Ora,
a respeito daquele dia ou hora, ninguém sabe, nem os anjos no céu, nem o Filho,
mas somente o Pai” (Mc 13,32). Como sabemos, passados alguns anos após a
ressurreição, os cristãos começaram a inquietar-se, pois esperavam com muita
ansiedade pela segunda vinda do Senhor e, como essa não acontecia, muitos
desanimavam, sobretudo quando começaram as perseguições. Por isso, explorou-se
bastante a pregação sobre a imprevisibilidade dessa vinda, enfatizando que o
importante é manter vivo o espírito de vigilância, sem preocupação com o dia ou
a hora.
Foquemos, pois, em nosso texto:
Mc 13,33-37. A palavra chave desse pequeno texto evangélico é o imperativo “vigiai”;
a mesma ocorre três vezes (vv. 33.35.37) embora a versão litúrgica omita uma
delas, infelizmente: “Cuidado! Ficai atentos, porque não sabeis quando
chegará o momento” (v. 33). Ao invés de “Cuidado! ficai atentos”, seria
mais adequado: “abri os olhos e vigiai”, por corresponder melhor à
expressão grega Ble,pete(
avgrupnei/te – “blépete agrípneite”.
Diante da indefinição, não há outra saída para a comunidade a não ser a
vigilância. Esse versículo prepara o leitor/ouvinte para a pequena parábola que
vem a seguir, mostrando como deve ser feita essa vigilância.
Eis a continuação: “É como um homem que, ao partir, para o
estrangeiro, deixou sua casa sob a responsabilidade de seus empregados,
distribuindo a cada um sua tarefa. E mandou o porteiro ficar vigiando” (v.
34). Em apenas um versículo, Marcos consegue transmitir uma parábola extraordinária,
modificada e ampliada por Mateus e Lucas (cf. Mt 25,14-30 = parábola dos
talentos // Lc 19,11-28 = parábola das dez minas). A partida do homem para o
estrangeiro equivale ao intervalo temporal entre a ascensão e a tão esperada,
porém desconhecida, segunda vinda do Senhor.
O evangelista quer ensinar à sua comunidade que, ao invés de
preocupar-se com questões relativas ao tempo em que o Senhor virá, o importante
é trabalhar para a sua mensagem manter-se viva e atuante na vida das pessoas,
uma vez que Ele nunca se ausentou da comunidade que nunca deixou faltar o amor.
Para isso, é importante que cada membro sinta-se responsável, como servo bom e
fiel, ao bem-estar da casa. Surpreende o uso da imagem da casa: sinal de
universalidade, ao contrário da vinha, por exemplo, imagem exclusiva do povo de
Israel, e ao mesmo tempo, sinal das pequenas comunidades, nas quais todos se
conhecem e devem viver em comunhão, a partir de relações movidas pelo amor, a
justiça e a solidariedade. Na casa, enquanto, família, todos são iguais:
empregados e porteiros, com a mesma responsabilidade de não deixar faltar o
amor e a concórdia, bem como o pão material, tão necessário para o dia-a-dia.
O perigo de esfriamento na vivência da fé era tão grande, a
ponto de ser necessário insistir no imperativo “vigiai”; assim, prossegue o
versículo seguinte: “vigiai, portanto, porque não sabeis quando o dono da
casa vem: à tarde, à meia-noite, de madrugada ou ao amanhecer” (v. 35). Sendo
o Senhor o dono da casa, aos servos compete apenas vigiar. Porém, é necessário
ressaltar, mais uma vez, a natureza dessa vigilância tão cara ao Senhor; não se
trata de busca por segurança ou conforto, mas simplesmente de manter o
evangelho vivo e atuante na vida das pessoas. A comunidade vigilante é aquela
na qual os sinais do Reino se manifestam: amor e justiça em abundância. Onde esses
valores abundam, o que menos tem importância é o tempo. Inclusive, quanto mais
tardar o Senhor, mais frutos a casa/comunidade terá gerado; por isso, o cristão
só pode ter pressa em uma coisa: em fazer o bem!
O motivo da vigilância é muito claro: “Para que não suceda
que, vindo de repente, ele vos encontre dormindo” (v. 36). É claro que o
texto não se refere ao dormir como a necessidade natural do ser humano, pois
dessa ninguém pode privar-se, mas como a indiferença e a omissão em relação aos
valores do evangelho. Nesse caso, dormir significa deixar de praticar a
mensagem de Jesus Cristo, abandonar seu ensinamento. Mais que triste, é até
trágico quando uma comunidade abandona a mensagem libertadora do evangelho,
deixando de praticar o amor, a justiça e a solidariedade, ou seja, quando não
tem mais a fraternidade como sinal distintivo. Por isso, o convite é novamente
reforçado e, agora, com a sua dimensão universal mais explícita ainda: “O
que vos digo, digo a todos: Vigiai!” (v. 37). Todos da comunidade, e em
todos os tempos, são convocados à vigilância da prática do amor.
Não importa quando o Senhor virá pela segunda vez. Procuremos
celebrar a sua primeira vinda, ou seja, o natal, como certeza de que Ele já
veio e conosco está; porém, sua presença constante não será percebida enquanto
não assumirmos a nossa responsabilidade na casa que Ele nos confiou: a família,
a comunidade, o universo como “casa comum”. Para celebrarmos bem a certeza de
que Ele já veio, só nos resta nos mantermos acordados, ou seja, praticando o
amor, acima de tudo. Vigiar é isso!
Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues - Diocese de Mossoró-RN
Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues - Diocese de Mossoró-RN