O evangelho deste quinto
domingo do tempo comum, Mc 1,29-39, é a continuação e conclusão da chamada “jornada
de Cafarnaum” (cf. 1,21-31), cuja leitura foi iniciada no domingo passado (cf.
Mc 1,21-28) e, ao mesmo tempo, o início de uma nova etapa da missão de Jesus em
outros lugares da Galileia. Ora, tendo chamado os quatro primeiros discípulos
(cf. 1,16-20), designando-os como “pescadores de homens”, Jesus inaugurou seu
ministério em conformidade com as tradições litúrgicas de Israel: em uma
sinagoga num dia de sábado. No espaço sacro, a sinagoga, Jesus apresentou a
novidade do Reino em palavras e atos (ensinamento com autoridade e expulsão de
espírito impuro), causando admiração e surpresa em todos os presentes, fazendo
espalhar sua fama rapidamente (cf. 1,27-28).
Se no domingo passado o
evangelho iniciava com a entrada de Jesus na sinagoga, hoje inicia com a sua
saída: “Jesus saiu da sinagoga” (v. 29a). Aqui, o evangelista emprega um
verbo que recorda o êxodo: evxerkomai
– ecserkomai, cujo significado mais
exato é escapar, fugir ou libertar-se. Com isso, Marcos ensina que a sinagoga
não é o lugar do discipulado; pelo contrário, como símbolo das estruturas de poder
e dominação vigentes, a sinagoga é uma realidade da qual as pessoas devem ser
libertadas. As instituições, de um modo geral, são espaços hostis para o discipulado
de Jesus porque impedem a realização do ser humano em sua liberdade e dignidade
plenas.
Saindo da sinagoga, “Jesus foi,
com Tiago e João, para a casa de Simão e André” (v. 29b). A casa (em grego: oivki,a – oikia) é a alternativa proposta por
Jesus para a realização do seu projeto em sua dimensão espacial primeira. No âmbito
do poder instituído, aqui representado pela sinagoga, não há espaço nem
condições para a realização do Reino de Deus; é necessário buscar novas formas
viáveis de organização que permitam a plena realização do ser humano. Compreender
esse deslocamento da sinagoga para a casa é fundamental para a compreensão de
todo o projeto de Reino proposto por Jesus. A casa é o espaço eclesial por
excelência; é na casa onde Jesus fala abertamente com seus discípulos. A Igreja
primitiva adotou a casa como o lugar da liturgia, da catequese, do encontro. Se
é na casa onde acontece a vida, deve ser na casa o culto ao Deus da vida; um culto
não ritual, mas serviçal. Do púlpito da sinagoga não era possível conhecer as
necessidades reais das pessoas; isso só é possível indo ao encontro delas, ou
seja, indo à casa.
Ao chegar na casa com dois dos discípulos, João e Tiago, Jesus
encontra uma situação desconfortável, caótica: “A sogra
de Simão estava de cama, com febre, e eles logo contaram a Jesus” (v. 30).
Embora se tratasse apenas de uma febre, de acordo com o texto, essa tinha
paralisado a mulher, impedindo-a de exercer suas funções. Se a mulher em pleno
estado de saúde já valia muito pouco naquela sociedade, muito menos seria
enquanto enferma. O ato de deixar Jesus a par da situação evidencia confiança
nele; é sinal de que ele já estava sendo reconhecido como doador de vida e de
sentido para a vida. É também sinal de que naquela comunidade embrionária a
mulher deve ter um papel relevante e até essencial.
Estando ciente da situação,
Jesus não se omite, como não se conforma com o domínio do mal na vida das
pessoas. Por isso, “ele se aproximou, segurou sua mão, e ajudou-a a
levantar-se” (v. 31a). O texto não menciona uma única palavra de Jesus, mas
apenas gestos. Por sinal, gestos sacrílegos, considerando que era dia de sábado
e, portanto, nenhuma atividade manual era permitida naquele dia. Certamente, o
evangelista pensou na sua e nas comunidades cristãs de todos os tempos: os
gestos de libertação falam mais que longas e muitas palavras. Sem nenhum temor
Jesus se aproxima de uma pessoa com a vida ameaçada; ele não teme nem foge das
situações concretas de dor e sofrimento, mesmo que tal atitude fosse proibida
pela religião. Pelo contrário, ele enfrenta toda situação em que a vida se
encontra ameaçada. O gesto de segurar pela mão significa o cumprimento de uma
ação salvífica por excelência: é Deus doando sua força em benefício do seu
povo, tirando-o da opressão, de acordo com a linguagem do Antigo Testamento
(cf. Ex 13,16; Is 41,13; Sl 136,12; etc.); é prova do amor e cuidado de Deus
para com a humanidade.
Com um cuidado incomparável,
Jesus manifesta sua opção incondicional pela vida e o bem do ser humano. O evangelista
diz que ele ajudou a mulher a levantar-se empregando o verbo grego h;geirw – egheiro, o mesmo usado
para falar da ressurreição do próprio Jesus (cf. 16,6). Com isso, ele quer
dizer que Jesus restituiu a vida para aquela mulher. A ressurreição é, por excelência,
o triunfo da vida sobre a morte e suas causas. Eis, portanto, as consequências
da ação de Jesus: “Então, a febre desapareceu; e ela começou a
servi-los” (v. 31b). O mal, representado no texto pela
febre, não resiste à presença amorosa e cuidadosa de Jesus. Sendo o mal banido
da comunidade, as atitudes de serviço se evidenciam. O serviço é a atitude
imediata de quem se encontra com o amor restaurador de Jesus e o critério para
perceber se esse amor está sendo vivido na comunidade cristã. Jesus é doador de
vida, e quem recebe essa vida se torna servo e serva de todos.
Na sequência, diz o evangelista
que “À tarde, depois do pôr-do-sol, levaram a Jesus todos os doentes e os
possuídos pelo demônio” (v. 32). Com esse versículo, percebemos que as
pessoas continuavam escravas da religião, colocando o preceito acima do bem. Ora,
a expressão “depois do pôr-do-sol” (em grego: e;du o` h[lioj –
edi hó hélios) significa o início do novo dia. Portanto, as pessoas tinham
esperado terminar o sábado, por preceito, para levarem seus doentes até Jesus.
Estavam literalmente sob a escravidão da lei. Como a fama de Jesus tinha se
espalhado rapidamente (cf. 1,28), era grande a procura pela sua ação
libertadora. Tanto é que “A cidade inteira se reuniu em
frente da casa” (v. 33). Ao dizer que a cidade se reuniu, o
evangelista emprega o verbo grego evpisunagw – epíssinago, cujo significado
é reunir, recolher, do qual deriva a palavra sinagoga. Com isso, o evangelista
insiste ainda mais com a ideia da casa como alternativa à sinagoga. Se Jesus
está na casa, é ali onde as pessoas devem reunir-se; e se as pessoas estão
reunidas na casa, é ali onde Jesus está presente. É claro
que há exagero do evangelista ao dizer que a cidade inteira se reuniu; a
expressão quer enfatizar a adesão e, principalmente, a curiosidade que a presença
de Jesus despertava. É perceptível também a intenção de anunciar a falência da
religião instituída: as pessoas já não se sentem mais presas à estrutura rígida
e fixa da sinagoga. A reunião “em frente da casa” é sinal de liberdade,
acolhida e fraternidade.
É importante recordar
que, embora tenham levado todos os doentes, “Jesus curou muitas pessoas de
diversas doenças e expulsou muitos
demônios” (v. 34), ou seja, não curou a todos. Nas multidões sempre há
incompreensão, falso entusiasmo, risco de dispersão. Estar no meio da multidão
não significa necessariamente estar em comunhão. Não basta ir fisicamente ao
encontro de Jesus ou participar de momentos de reunião comunidade; é
necessário, antes de tudo, ter disposição interior e disponibilidade para viver
os valores do Reino. A comunidade não deve entusiasmar-se simplesmente por
juntar multidões; é necessário muito mais para ser, realmente, uma comunidade
de discípulos e discípulas.
Terminada a chamada “jornada de
Cafarnaum”, Jesus iniciou uma nova fase do seu ministério. Como comunicador do
Reino de Deus, ele precisava nutrir sua intimidade com o Pai através da oração,
como atesta o evangelista: “De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus
se levantou e foi rezar num lugar deserto” (v. 35). Ele não se deixou levar
pelo aparente sucesso do dia anterior. Sentia necessidade de comunicar-se com o
Pai para permanecer fiel em sua missão. A oração capacita para o discernimento,
fortalece as convicções. Muitas vezes o ativismo das comunidades deixa essa
dimensão importante da vida cristã passar despercebida. Aqui o evangelista
deixa um recado muito claro para a sua comunidade e para as demais.
Enquanto rezava, “Simão e
seus companheiros foram à procura de Jesus. Quando o encontraram, disseram: “Todos
estão te procurando” (vv. 36-37). Os discípulos, ainda principiantes no
seguimento, queriam certamente que Jesus repetisse os feitos da jornada
anterior, refazendo o mesmo percurso. É a tentação do comodismo e do poder. Alimentado
pela oração e, portanto, cada vez mais convicto de sua missão, “Jesus
respondeu: “Vamos a outros lugares, às aldeias da redondeza! Devo pregar também
ali, pois foi para isso que eu vim” (v. 38). Aqui o aspecto dinâmico e
itinerante do movimento de Jesus é evidenciado, bem como o universalismo do seu
alcance é pré-anunciado. Mesmo sendo desenvolvida inicialmente na Galileia, a
itinerância da missão de Jesus antecipa o universalismo que deve marcar o cristianismo
de todos os tempos. Não à religião do templo, do comodismo e da conivência com
os poderes instalados! Ir a outros lugares é uma necessidade de quem vive a Boa
Nova e os valores do Reino.
Na conclusão, temos a atestação
do caráter itinerante da missão de Jesus: “E andava por toda a Galileia,
pregando em suas sinagogas e expulsando os demônios” (v. 39). A atividade
de “pescar seres humanos” continuava em evidência, ao priorizar os ambientes
onde as pessoas corriam mais perigo: os espaços de domínio da religião; por
isso, ele pregava nas sinagogas, inicialmente. Certamente, por onde passava ele
fazia a passagem da sinagoga para a casa, libertando do peso da lei para o bem da
vida, em espírito de serviço e gratuidade.
Mossoró-RN,
03/02/2018, Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues
Caríssimo Padre Francisco... Agradeço a Deus pelo dom da sua vocação e do seu ministério. Agradeço também a você, que nestes últimos anos tem sido, para mim, de uma preciosa ajuda. Todas as minha homilias dominicais tem sido elaboradas a partir das suas reflexões. Para um religioso de pouco estudo, como eu, seus comentários são de uma importância inestimável. Deus lhe pague.
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