sábado, dezembro 01, 2018

REFLEXÃO PARA O PRIMEIRO DOMINGO DO ADVENTO – LUCAS 21,25-28.34-36 (ANO C)




Com este domingo, o primeiro do advento, a Igreja inicia um novo ano litúrgico, convidando-nos, mais uma vez, a percorrer o caminho de Jesus Cristo, contemplando o mistério da sua vida, desde o seu nascimento até a ressurreição e ascensão. O tempo do advento, iniciado hoje, é a primeira etapa desse itinerário catequético-espiritual. O termo advento (adventus em latim) significa “visita”, “chegada” ou “vinda”; fazia parte do vocabulário das religiões pagãs no império romano, e era usado em referência às supostas visitas anuais das divindades aos seus respectivos templos. Por volta do século IV, o cristianismo absorveu o termo, passando a utilizá-lo no contexto do natal, a visita, por excelência, de Deus ao mundo. Como o próprio termo evoca, uma visita especial é sempre motivos de esperanças e expectativas, e essa é uma das características principais do advento.

Com o início do novo ano litúrgico, iniciamos também a leitura do Evangelho segundo Lucas, porém, não do seu início, mas do seu final, precisamente do seu discurso escatológico. Por isso, o texto proposto para hoje é Lc 21,25-28.34-36. O discurso escatológico está presente nos três evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), e trata simbolicamente das realidades últimas e finais da história, antecedendo as narrativas da paixão, morte e ressurreição de Jesus. A princípio, parece até paradoxal que a preparação para o natal seja iniciada com palavras sobre as realidades últimas. Porém, é necessário compreender o advento como uma oportunidade de preparação para a vinda constante do Senhor na vida de cada pessoa, tornando essa vinda uma presença contínua, ao invés de apenas alimentar uma expectativa futurista e preparar para uma única data ou evento. É importante também perceber a continuidade do tempo: como nos últimos domingos do ano litúrgico anterior refletimos, a partir do discurso escatológico de Marcos, o tema da expectativa, é também com esse tema que abrimos o novo ano.

O Evangelho proposto consiste nas últimas palavras de Jesus antes do relato da paixão. É necessário fazer uma pequena contextualização para uma compreensão mais adequada do mesmo. Jesus se encontrava em Jerusalém, na sua última semana, ensinando no templo, denunciando os escribas e fariseus, observando as verdadeiras e falsas práticas religiosas (cf. Lc 21,1-4), e os discípulos, em sua maioria camponeses e pescadores, se admiravam com a beleza e a grandeza do templo (cf. Lc 21,5). À admiração dos discípulos, Jesus respondeu: “vós contemplais estas coisas, mas dias verão em que não restará pedra sobre pedra que não seja derrubada” (Lc 21,6). Curiosos e espantados com essa afirmação de Jesus, os discípulos perguntaram: “Mestre, quando acontecerá isso? Qual o sinal de que isso está para acontecer? (Lc 21,7).

O discurso escatológico é, portanto, a resposta de Jesus a essa pergunta dos discípulos. Pertence ao gênero literário apocalíptico, derivação da palavra apocalipse (em grego: αποκαλυψις = apoclípisis), cujo significado é “revelação”, “manifestação da verdade” ou “tornar conhecido algo que estava escondido”; o gênero apocalíptico foi bastante distorcido ao longo da história, passando a ser sinônimo de catástrofes e desastres, causando medo, quando, na verdade, é um gênero literário usado pelos autores bíblicos para transmitir mensagens de esperança e resistência. Portanto, ao invés de causar terror e medo, a mensagem do Evangelho de hoje deve nos animar, como veremos no decorrer da reflexão. Não é uma descrição de eventos, mas uma forma simbólica de apresentar o triunfo de Deus sobre a história. Por isso, é muito oportuno o seu uso no advento, tempo pautado por mensagem e espiritualidade marcadas pelo tema da esperança.

O texto de hoje começa com palavras de grande impacto: “Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na terra, as nações ficarão angustiadas, com pavor do barulho do mar e das ondas” (v. 25). A princípio, parece uma cena aterrorizante, mas na verdade é um sinal de esperança. Os astros (sol, lua e estrelas) eram imagens de divindades nos mundos greco-romano e egípcio. Embora Lucas não afirme, como Marcos, que esses astros irão desmoronar, ele diz que entrarão em caos, o que representa o colapso dos sistemas de dominação responsáveis pelas perseguições vividas pelas comunidades da época da redação do evangelho. Até mesmo o mar, onde residiam as forças do mal para a mentalidade semita, será abalado; isso ignifica que o mal será cortado pela raiz. Obviamente, tais acontecimentos trarão angústia e medo para o mundo todo, até então, conformado com a ordem injusta das coisas. Por isso, “Os homens vão desmaiar de medo, só em pensar no que vai acontecer ao mundo, porque as forças do céu serão abaladas” (v. 26). As forças do céu aqui não são divindades, mas a ordem e harmonia do cosmos.

O que parece catastrófico é, na verdade, apenas pretexto para a passagem de uma fase à outra da história. O mundo até então ordenado com falsa segurança e sistemas injustos, como era o império romano, não permaneceria para sempre. Perseguidos e já quase sem esperanças, como estavam muitos cristãos nas comunidades lucanas, não era fácil acreditar em transformação. Mas o evangelista não desiste e reconstrói as palavras de Jesus que seriam de grande importância para o seu contexto: “Então eles verão o Filho do Homem, vindo numa nuvem com grande poder e glória. Quando estas coisas começarem a acontecer, levantai-vos e erguei a cabeça, porque vossa libertação está próxima” (vv. 27-28). A construção de um mundo novo requer a destruição das estruturas velhas de poder e dominação. É esse o sentido do texto até aqui. O mundo velho, governado por tiranos que se sentiam iluminados por falsas divindades (os astros), sustentadores de um sistema tão nocivo para o ser humano quanto as forças do mar, não seria eterno; haveria de dar lugar a um mundo novo, o Reino de Deus.

A imagem do Filho do Homem vindo das nuvens evoca o reinado e senhorio de Deus sobre o mundo, através do seu filho Jesus Cristo, prestes a ser condenado, no contexto imediato do discurso escatológico. Para o Reino de Deus acontecer em sua plenitude é necessário que uma nova ordem seja estabelecida no mundo. Portanto, o caos descrito nos primeiros versículos e a manifestação do Filho do Homem evocam a necessidade de transformação da humanidade, para o estabelecimento de um mundo novo, justo e fraterno. Embora ainda não realizado, esse é o ideal e o que deve manter nos cristãos a chama da esperança acesa. Há, em curso, um processo de libertação plena para a humanidade, iniciado com a encarnação e o nascimento de Jesus, que um dia há de ser completamente realizado. Por isso, os cristãos não podem desanimar, por mais difícil que seja a situação, devem manter-se “de cabeça erguida, porque a libertação está próxima” (v. 28); a cabeça erguida é o sinal da dignidade e a consciência da pessoa que não reconhece os poderes injustos e opressores deste mundo; é a postura de quem não se curva diante de falsos deuses e mantém firme a esperança somente no Deus de Jesus Cristo.

Embora certa, a libertação pode retardar bastante, o que tende a levar muitos cristãos ao desânimo e até mesmo a abandonarem a fé. Por isso, paralelo à certeza de que a ordem injusta não é eterna, mas um dia a libertação acontecerá, o evangelista alerta para a necessidade da vigilância, para não serem surpreendidos, uma vez que não há uma data exata para isso acontecer: “Tomai cuidado para que vossos corações não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida, e esse dia não caia de repente sobre vós, pois esse dia cairá como uma armadilha sobre todos os habitantes de toda a terra” (vv. 34-35). Comida, bebida e preocupações aqui, não se trata de um elenco de vícios a serem combatidos, mas representam o cotidiano, o dia-a-dia das pessoas, do qual os cristãos não podem privar-se, mas não podem viver somente em função disso. É um alerta para os cristãos: viver somente em função do cotidiano, sem almejar algo a mais na vida é perigoso; além de tornar insensível o coração, fecha o horizonte da esperança. O caráter improviso desse dia é um aspecto tradicional na Bíblia, desde o anúncio do “Dia do Senhor” pelos antigos profetas (cf. Jl 2,31; Am 5,18, etc.). É preciso viver continuamente em comunhão com Deus para não ser surpreendido. Quem já vive no dia-a-dia a presença constante do Senhor, através da oração e do cultivo de relações humanas autênticas e fraternas, não será surpreendido.

Como Lucas é o evangelista que mais privilegia a oração, ele apresenta essa como a mais consistente das formas de vigilância: “Portanto, ficai atentos e orai a todo momento, a fim de terdes força para escapar de tudo o que deve acontecer e para ficardes em pé diante do Filho do Homem” (v. 36). A oração sincera, junto com o espírito de vigilância mostram, acima de tudo, que os cristãos não podem acostumar-se à ordem vigente, não podem ser tolerantes com as injustiças e opressões, mas devem estar sempre em busca de um mundo melhor, não apenas esperando, mas também construindo, no dia-a-dia, as condições necessárias para o reinado de Deus se estabelecer definitivamente sobre o mundo, o que não acontecerá passivamente, mas somente com a destruição de todas as forças de morte, conforme a descrição dos primeiros versículos. E isso exige muito empenho da comunidade cristã. É com esse propósito que devemos nos preparar para o natal do Senhor. Ser conivente com as injustiças é retardar a sua vinda e o seu reinado.

Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues – Diocese de Mossoró-RN


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