Com este domingo, o primeiro do
advento, a Igreja inicia um novo ano litúrgico, convidando-nos, mais uma vez, a
percorrer o caminho de Jesus Cristo, contemplando o mistério da sua vida, desde
o seu nascimento até a ressurreição e ascensão. O tempo do advento, iniciado
hoje, é a primeira etapa desse itinerário catequético-espiritual. O termo
advento (adventus em latim) significa “visita”, “chegada” ou “vinda”; fazia
parte do vocabulário das religiões pagãs no império romano, e era usado em
referência às supostas visitas anuais das divindades aos seus respectivos
templos. Por volta do século IV, o cristianismo absorveu o termo, passando a
utilizá-lo no contexto do natal, a visita, por excelência, de Deus ao mundo.
Como o próprio termo evoca, uma visita especial é sempre motivos de esperanças
e expectativas, e essa é uma das características principais do advento.
Com
o início do novo ano litúrgico, iniciamos também a leitura do Evangelho segundo
Lucas, porém, não do seu início, mas do seu final, precisamente do seu discurso
escatológico. Por isso, o texto proposto para hoje é Lc 21,25-28.34-36. O
discurso escatológico está presente nos três evangelhos sinóticos (Mateus,
Marcos e Lucas), e trata simbolicamente das realidades últimas e finais da
história, antecedendo as narrativas da paixão, morte e ressurreição de Jesus. A
princípio, parece até paradoxal que a preparação para o natal seja iniciada com
palavras sobre as realidades últimas. Porém, é necessário compreender o advento
como uma oportunidade de preparação para a vinda constante do Senhor na vida de
cada pessoa, tornando essa vinda uma presença contínua, ao invés de apenas
alimentar uma expectativa futurista e preparar para uma única data ou evento. É
importante também perceber a continuidade do tempo: como nos últimos domingos
do ano litúrgico anterior refletimos, a partir do discurso escatológico de
Marcos, o tema da expectativa, é também com esse tema que abrimos o novo ano.
O Evangelho proposto
consiste nas últimas palavras de Jesus antes do relato da paixão. É necessário
fazer uma pequena contextualização para uma compreensão mais adequada do mesmo.
Jesus se encontrava em Jerusalém, na sua última semana, ensinando no templo, denunciando
os escribas e fariseus, observando as verdadeiras e falsas práticas religiosas
(cf. Lc 21,1-4), e os discípulos, em sua maioria camponeses e pescadores, se
admiravam com a beleza e a grandeza do templo (cf. Lc 21,5). À admiração dos
discípulos, Jesus respondeu: “vós contemplais estas coisas, mas dias
verão em que não restará pedra sobre pedra que não seja derrubada” (Lc
21,6). Curiosos e espantados com essa afirmação de Jesus, os discípulos
perguntaram: “Mestre, quando acontecerá isso? Qual o sinal de que isso está
para acontecer? (Lc 21,7).
O discurso
escatológico é, portanto, a resposta de Jesus a essa pergunta dos discípulos.
Pertence ao gênero literário apocalíptico, derivação da palavra apocalipse (em grego: αποκαλυψις = apoclípisis), cujo significado é
“revelação”, “manifestação da verdade” ou “tornar conhecido algo que estava
escondido”; o gênero apocalíptico foi bastante distorcido ao longo da história,
passando a ser sinônimo de catástrofes e desastres, causando medo, quando, na
verdade, é um gênero literário usado pelos autores bíblicos para transmitir
mensagens de esperança e resistência. Portanto, ao invés de causar terror e
medo, a mensagem do Evangelho de hoje deve nos animar, como veremos no decorrer
da reflexão. Não é uma descrição de eventos, mas uma forma simbólica de
apresentar o triunfo de Deus sobre a história. Por isso, é muito oportuno o seu
uso no advento, tempo pautado por mensagem e espiritualidade marcadas pelo tema
da esperança.
O texto de hoje começa com palavras de
grande impacto: “Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na terra,
as nações ficarão angustiadas, com pavor do barulho do mar e das ondas” (v.
25). A princípio, parece uma cena aterrorizante, mas na verdade é um sinal de
esperança. Os astros (sol, lua e estrelas) eram imagens de divindades nos
mundos greco-romano e egípcio. Embora Lucas não afirme, como Marcos, que esses
astros irão desmoronar, ele diz que entrarão em caos, o que representa o
colapso dos sistemas de dominação responsáveis pelas perseguições vividas pelas
comunidades da época da redação do evangelho. Até mesmo o mar, onde residiam as
forças do mal para a mentalidade semita, será abalado; isso ignifica que o mal
será cortado pela raiz. Obviamente, tais acontecimentos trarão angústia e medo
para o mundo todo, até então, conformado com a ordem injusta das coisas. Por
isso, “Os homens vão desmaiar de medo, só em pensar no que vai
acontecer ao mundo, porque as forças do céu serão abaladas” (v. 26).
As forças do céu aqui não são divindades, mas a ordem e harmonia do cosmos.
O que parece catastrófico é, na
verdade, apenas pretexto para a passagem de uma fase à outra da história. O
mundo até então ordenado com falsa segurança e sistemas injustos, como era o
império romano, não permaneceria para sempre. Perseguidos e já quase sem
esperanças, como estavam muitos cristãos nas comunidades lucanas, não era fácil
acreditar em transformação. Mas o evangelista não desiste e reconstrói as palavras
de Jesus que seriam de grande importância para o seu contexto: “Então
eles verão o Filho do Homem, vindo numa nuvem com grande poder e glória. Quando
estas coisas começarem a acontecer, levantai-vos e erguei a cabeça, porque
vossa libertação está próxima” (vv. 27-28). A construção de um mundo
novo requer a destruição das estruturas velhas de poder e dominação. É esse o
sentido do texto até aqui. O mundo velho, governado por tiranos que se sentiam
iluminados por falsas divindades (os astros), sustentadores de um sistema tão
nocivo para o ser humano quanto as forças do mar, não seria eterno; haveria de
dar lugar a um mundo novo, o Reino de Deus.
A imagem do Filho do Homem vindo das
nuvens evoca o reinado e senhorio de Deus sobre o mundo, através do seu filho
Jesus Cristo, prestes a ser condenado, no contexto imediato do discurso
escatológico. Para o Reino de Deus acontecer em sua plenitude é necessário que
uma nova ordem seja estabelecida no mundo. Portanto, o caos descrito nos
primeiros versículos e a manifestação do Filho do Homem evocam a necessidade de
transformação da humanidade, para o estabelecimento de um mundo novo, justo e
fraterno. Embora ainda não realizado, esse é o ideal e o que deve manter nos
cristãos a chama da esperança acesa. Há, em curso, um processo de libertação
plena para a humanidade, iniciado com a encarnação e o nascimento de Jesus, que
um dia há de ser completamente realizado. Por isso, os cristãos não podem
desanimar, por mais difícil que seja a situação, devem manter-se “de cabeça
erguida, porque a libertação está próxima” (v. 28); a cabeça erguida é
o sinal da dignidade e a consciência da pessoa que não reconhece os poderes
injustos e opressores deste mundo; é a postura de quem não se curva diante de
falsos deuses e mantém firme a esperança somente no Deus de Jesus Cristo.
Embora certa, a libertação pode
retardar bastante, o que tende a levar muitos cristãos ao desânimo e até mesmo
a abandonarem a fé. Por isso, paralelo à certeza de que a ordem injusta não é
eterna, mas um dia a libertação acontecerá, o evangelista alerta para a
necessidade da vigilância, para não serem surpreendidos, uma vez que não há uma
data exata para isso acontecer: “Tomai cuidado para que vossos corações
não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da
vida, e esse dia não caia de repente sobre vós, pois esse dia cairá como uma
armadilha sobre todos os habitantes de toda a terra” (vv. 34-35).
Comida, bebida e preocupações aqui, não se trata de um elenco de vícios a serem
combatidos, mas representam o cotidiano, o dia-a-dia das pessoas, do qual os
cristãos não podem privar-se, mas não podem viver somente em função disso. É um
alerta para os cristãos: viver somente em função do cotidiano, sem almejar algo
a mais na vida é perigoso; além de tornar insensível o coração, fecha o
horizonte da esperança. O caráter improviso desse dia é um aspecto tradicional
na Bíblia, desde o anúncio do “Dia do Senhor” pelos antigos profetas (cf. Jl
2,31; Am 5,18, etc.). É preciso viver continuamente em comunhão com Deus para
não ser surpreendido. Quem já vive no dia-a-dia a presença constante do Senhor,
através da oração e do cultivo de relações humanas autênticas e fraternas, não
será surpreendido.
Como Lucas é o evangelista que mais privilegia
a oração, ele apresenta essa como a mais consistente das formas de
vigilância: “Portanto, ficai atentos e orai a todo momento, a fim de
terdes força para escapar de tudo o que deve acontecer e para ficardes em pé
diante do Filho do Homem” (v. 36). A oração sincera, junto com o
espírito de vigilância mostram, acima de tudo, que os cristãos não podem
acostumar-se à ordem vigente, não podem ser tolerantes com as injustiças e
opressões, mas devem estar sempre em busca de um mundo melhor, não apenas esperando,
mas também construindo, no dia-a-dia, as condições necessárias para o reinado
de Deus se estabelecer definitivamente sobre o mundo, o que não acontecerá
passivamente, mas somente com a destruição de todas as forças de morte,
conforme a descrição dos primeiros versículos. E isso exige muito empenho da
comunidade cristã. É com esse propósito que devemos nos preparar para o natal
do Senhor. Ser conivente com as injustiças é retardar a sua vinda e o seu
reinado.
Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues –
Diocese de Mossoró-RN
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