sábado, julho 12, 2025

REFLEXÃO PARA O 15º DOMINGO DO TEMPO COMUM – LUCAS 10,25-37 (ANO C)



Neste décimo quinto domingo do tempo comum, a liturgia continua a leitura semi-contínua do Evangelho de Lucas, como é característico do ano litúrgico C. O texto proposto para este dia – Lc 10,25-37 – está localizado ainda no início da longa seção do caminho de Jesus para Jerusalém, e compreende uma das passagens mais bonitas, profundas e conhecidas de todo o Novo Testamento. Trata-se da famosa parábola do “bom samaritano” ou do “samaritano compassivo”, com o diálogo introdutório entre um mestre da Lei e Jesus. Como se sabe, o caminho no Evangelho de Lucas possui uma importância ímpar, em comparação aos outros evangelhos. Não é apenas um percurso físico e geográfico, mas é, acima de tudo, um itinerário formativo, no qual Jesus apresenta as exigências essenciais do seu discipulado e apresenta os principais elementos do seu programa. Por sinal, o caminho é a seção narrativa mais original de Lucas, é onde ele apresenta mais material exclusivo seu, ou seja, passagens que não existem em outros evangelhos. E a parábola do bom samaritano, lida hoje, é uma dessas. Por sinal, ela pode ser considerada uma síntese de todo o Evangelho de Lucas. Juntamente com a parábola do “pai misericordioso”, também chamada de parábola do “filho pródigo” (Lc 15,11-32), essa do samaritano bom ou compassivo constituem a melhor justificativa para a aplicação do título de “evangelho da misericórdia” ao evangelho lucana.

Esta parábola é um daqueles episódios em que Jesus esbanja misericórdia, o que é muito comum no Evangelho de Lucas. Ela está entre as mais conhecidas de todo Novo Testamento. Na verdade, é a segunda mais lida e estudada, desde os primeiros séculos, ficando atrás apenas daquela do filho pródigo, que ocupa o primeiro lugar. Para compreendê-la bem é importante considerar o seu contexto que, em parte, já foi apresentado anteriormente, e as circunstâncias que levaram Jesus a contá-la. Ainda sobre o caminho, vale ressaltar a abertura de Jesus: enquanto caminha, ele interage com as pessoas, escuta e responde às inquietações dos diversos interlocutores que encontra. Por isso, o caminho de Jesus constitui também um paradigma para a Igreja, na perspectiva de Lucas; é antecipação da “Igreja em saída”, que será ainda mais ressaltada em Atos dos Apóstolos, o segundo volume da sua obra. A parábola do bom samaritano surge como resposta de Jesus ao questionamento de um mestre da Lei. Essa observação também é importante, pois as parábolas de Jesus, em geral, mas sobretudo em Lucas, não surgem do nada, e sim das situações concretas, a partir das interpelações dos seus interlocutores. Nesse caso específico, a parábola ilustra a resposta de Jesus a um mestre da Lei que, embora fosse um grande conhecedor das Escrituras, lhe faltava a vivência do essencial, que é o amor ao próximo, por meio do qual se demonstra adesão aos propósitos de Deus.

O texto começa dizendo que «um mestre da Lei se levantou e, para tentar Jesus, fez-lhe uma pergunta» (v 25a). De imediato, se percebe o quanto Jesus era acessível. Enquanto caminhava, qualquer pessoa poderia dirigir-se a ele, tanto pessoas bem-intencionadas quanto mal-intencionadas. O mestre da Lei era um estudioso autorizado pela religião para interpretar as Sagradas Escrituras do judaísmo, que compreende todo o Antigo Testamento, sendo que a Lei – a Torá (Pentateuco) – é a parte principal. Lucas não esconde as intenções do mestre da Lei: tentar Jesus, ou seja, colocá-lo à prova. Obviamente, o mestre da Lei não pretendia tirar uma dúvida teórica com Jesus, mas procurar, em sua resposta, um motivo para acusá-lo de desvio de doutrina, quer dizer, de herege. Por isso, Lucas emprega aqui o mesmo verbo usado no episódio das tentações (em grego: ἐκπειράζω = ekpeirazô; Lc 4,1-13), cujo significado é tentar; pôr alguém à prova. Esse indicativo é importante porque já confere um caráter diabólico às intenções do mestre da Lei, pois, tentar Jesus, pondo-o à prova é a atitude de satanás, conforme a linguagem bíblica e lucana, principalmente. É a postura de quem não aceita o Deus acolhedor e misericordioso que Jesus veio mostrar ao mundo. Após apresentar a intenção e a atitude do mestre da Lei, que era tentar Jesus, perguntando, temos, então, o conteúdo da pergunta: «Mestre, que devo fazer para receber em herança a vida eterna?» (v. 25b). Se trata de uma pergunta muito profunda e bem elaborada, própria de um bom conhecedor da Escritura, como, de fato ele era, ao mesmo tempo em que apresenta uma lacuna: a preocupação excessiva com a vida eterna, sem demonstrar interesse pela vida presente e concreta do cotidiano.

Como era próprio da cultura dos rabinos responder a uma pergunta com outra pergunta, Jesus também assim o faz, e responde perguntando exatamente o que a Lei dizia a propósito da observação do interlocutor: «O que está escrito na Lei, como lês?» (v. 26). E, como bom conhecedor, o mestre da Lei responde prontamente com duas citações da Escritura (Dt 6,5; Lv 19,18): «Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração e com toda a tua alma, com toda a tua força e com toda a tua inteligência; e ao teu próximo como a ti mesmo!» (v. 27). Esta resposta é própria de quem examinava a Lei dia e noite, como era próprio do seu ofício. De certo modo, esse mestre da Lei se destacava entre os demais membros de sua categoria que também entrarão em contato com Jesus, fazendo perguntas. Ele sabe o que é fundamental na Lei. No entanto, a continuidade do diálogo revela a sua exterioridade e superficialidade. Teoricamente, seu conhecimento era perfeito, tanto que o próprio Jesus reconheceu: «Tu respondeste corretamente. Faze isso e viverás» (v. 28). Mas, sua tentativa de justificar-se demonstra o quanto era limitada sua vivência religiosa, descomprometida; ele conhecia o ensinamento, mas parecia não o praticar, como se percebe pela sua pergunta a Jesus: «Ele, porém, querendo justificar-se, disse a Jesus: “E quem é o meu próximo?”» (v. 29). Ora, ao querer justificar-se, o mestre da Lei praticamente reconhece que seu conhecimento era apenas teórico, pois nem sequer sabia quem era seu próximo; na verdade, ele não sabia fazer-se próximo. Ele conhecia todas as passagens da Escritura, era um intérprete oficial e, no entanto, não sabia quem era seu próximo porque não se aproximava das pessoas com suas necessidades reais e dramas existenciais. Vivia fechado em seu mundo.

Daí, percebendo a malícia do mestre da Lei, e ao mesmo tempo, o vazio de sentido naquela religião estéril em que ele vivia, Jesus aproveita a oportunidade para apresentar um dos seus mais célebres ensinamentos, contando a parábola do bom samaritano, como resposta. Aqui, ele revela toda a sua habilidade pedagógica. Das situações concretas da vida, Jesus sabia tirar os seus ensinamentos mais profundos e propô-los, desconstruindo as ideias ultrapassadas e excludentes que permeavam a mentalidade da maioria de seus interlocutores, sobretudo os fariseus e mestres da Lei, que não se apresentavam apenas como interlocutores, mas como ferrenhos adversários. A parábola contada a esse mestre da Lei não visa apenas fazer-lhe um esclarecimento teórico; quer provocar-lhe a todo um processo de revisão de conceitos, inclusive, a uma nova leitura da história de Israel, uma vez que a apresentação de um samaritano bom leva o interlocutor a revisar importantes acontecimentos históricos, como veremos ao longo da explicação. Ao contar a parábola, portanto, Jesus propõe um caminho de humanização, como, aliás, ele faz em todos os seus ensinamentos. Porém, nesse o aspecto humanizador se torna mais evidente, pois a misericórdia-compaixão é apresentada como fonte, o que faz desta parábola uma miniatura de toda a sua mensagem.

Eis então a parábola: «certo homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos de assaltantes» (v. 30a). Ora, embora a distância entre as duas cidades não fosse tão grande, era aproximadamente 30 km, havia grandes obstáculos naquele caminho. A começar pelo desnível entre as duas cidades. Enquanto Jerusalém estava a mais de 700 metros acima do nível do mar, Jericó estava a aproximadamente 300 metros abaixo do nível do mar. Além disso, tinha de atravessar o deserto de Judá. Era uma estrada tão perigosa, que não se recomendava percorrê-la sozinho, mas sempre em grupo, considerando tanto os obstáculos da natureza quanto o perigo dos assaltantes. Logo, com esse primeiro dado Jesus não apresenta nenhuma novidade, uma vez que eram comuns os assaltos naquela estrada. Portanto, de início, a história contada parece não despertar curiosidade alguma; é no desenvolvimento que as novidades aparecem. Na descrição do assalto, Jesus acrescenta detalhes, enfatizando que os assaltantes, além de espancar o homem, levaram tudo e o deixaram “quase morto” (v. 30b). Claro que há, nisso tudo, uma clara intenção teológico-literária de Lucas visando supervalorizar a atitude do samaritano e contrapô-la à indiferença do sacerdote e do levita. Por isso, na continuidade, Ele diz: «Por acaso, um sacerdote estava descendo por aquele caminho» (v. 31a); provavelmente, estava voltando de Jerusalém, após uma semana inteira de serviço no templo, conforme a distribuição das classes sacerdotais durante o ano litúrgico judaico. Portanto, estava em seu grau máximo de pureza. Por isso, «quando viu o homem, seguiu adiante pelo outro lado» (v. 30b), exatamente porque o contato com um homem quase morto o tornaria impuro também, conforme determinava a Lei. E a Lei estava acima da vida para a religião judaica do tempo de Jesus. O sacerdote cumpre rigorosamente a Lei, assim como o mestre interlocutor de Jesus tinha dificuldade em reconhecer quem é o seu próximo porque vivia uma religiosidade meramente ritualista e vazia de amor.

A mesma indiferença do sacerdote é repetida por um levita, que era uma espécie de “sacristão”, o auxiliar dos sacerdotes no serviço litúrgico do templo. Diz o texto que ele «chegou ao lugar, viu o homem e seguiu pelo outro lado» (v. 32). Como bom “sacristão”, o levita não poderia ter outro exemplo a seguir senão o do sacerdote, por isso, imita seus gestos, inclusive a indiferença diante do sofrimento do outro. Como provavelmente também voltava do serviço litúrgico, não queria contaminar-se com um quase morto, certamente ensanguentado do espancamento. Temos assim, com a descrição das atitudes do sacerdote e do levita, uma forte chamada de atenção de Jesus: a religião que provoca distanciamento e preconceitos entre as pessoas é perigosa. Quando a religião não ajuda a tornar as pessoas melhores, mais sensíveis aos sofrimentos e necessidades do próximo, quando ela não funciona como meio de humanização, ela não faz bem. O “outro lado” escolhido pelo sacerdote e o levita representa toda indiferença que a religião pode provocar no ser humano. E Jesus denuncia esse tipo de religião. Ora, a religião só tem sentido quando serve para quebrar barreiras, superar preconceitos, aproximando as pessoas, estimulando a solidariedade e o amor.     

A denúncia de Jesus ao mestre da lei e seu modo de viver a religião chega ao ápice quando ele diz, na parábola, que «um samaritano que estava viajando, chegou perto dele, viu e sentiu compaixão» (v. 33). Ora, os samaritanos eram mal vistos pelos judeus; havia uma rivalidade que durava vários séculos, entre eles. Quando a Assíria conquistou Samaria, a capital do Reino do Norte, em 722 a.C., deportou a população local e trouxe povos estrangeiros para habitar na cidade (2 Rs 17,24-28). Os novos habitantes levaram seus costumes e tradições religiosas, o que levou a Samaria a ser conhecida como terra de sincretismo, de heresias e povo impuro. É essa a origem histórica da relação conflituosa. Inclusive, quando os judeus retornaram do exílio e começaram a reconstruir o tempo e a cidade de Jerusalém, mesmo em meio às dificuldades, rejeitaram a ajuda oferecida pelos samaritanos, como atesta o livro histórico de Esdras (Es 4,3). A maior ofensa que um judeu poderia receber era ser chamado de samaritano. Era o mesmo que dizer herege, pecador, impuro... alguém da pior qualidade possível. Inclusive, o próprio Jesus com seus discípulos tinham sido rejeitados pelos samaritanos no início do caminho (Lc 9,53), e agora ele apresenta um samaritano como alguém que age como Deus.

Ver e ter compaixão são atitudes próprias de Deus, o mesmo que viu a miséria do seu povo no Egito e desceu para libertá-lo (Ex 3,7ss). E, ironicamente, os homens que pareciam conhecer a Deus, o sacerdote e o levita, não conheciam os seus sentimentos, mas um infiel aos olhos da religião agiu à maneira de Deus. Aqui está o auge da contundente e irônica denúncia de Jesus. Inclusive, o verbo empregado nesta parábola para expressar a compaixão do samaritano é usado somente três vezes no Evangelho de Lucas: aqui (v. 33), no episódio do filho morto da viúva de Naim (7,13) e na parábola do pai misericordioso ou filho pródigo (15,20). Trata-se do verbo grego “splanknizomai” (σπλαγχνίζομαι), que expressa o amor que sai do mais profundo do ser, as vísceras ou o útero, o que é mas íntimo que o próprio coração, conforme a mentalidade semita. Esse verbo possui um significado tão profundo, que chega a ser impossível expressá-lo com palavras. Exprime um agir que, depois de Deus, somente um pai ou uma mãe poderiam demonstrar, agindo e amando. Para amar de modo tão profundo, com misericórdia e compaixão, é necessário aproximar-se e ver a situação do outro, abaixando-se totalmente até tocar as feridas, como fez o samaritano. Por isso, misericórdia ou compaixão não é um sentimento, mas modo de agir, que corresponde à maneira de Deus.

O sacerdote e o levita viram o estado miserável em que se encontrava o homem, mas foram para o outro lado do caminho. O samaritano viu, sentiu compaixão e aproximou-se. Duas atitudes completamente opostas. A compaixão do samaritano fez com que ele se aproximasse e cuidasse do homem, como diz o texto: «Aproximou-se dele e fez curativos, derramando óleo e vinho nas feridas. Depois colocou o homem em seu próprio animal e levou-o a uma pensão, onde cuidou dele» (v. 34). Ao todo, entre os versículos 33 a 35, são empregados mais de dez verbos de ação para descrever a atitude do samaritano. Assim, Jesus contrapõe a omissão dos praticantes da religião à ação movida de compaixão da parte daquele que era considerado herege, denunciando ainda mais o mestre da Lei. Por isso, pode-se dizer que esta é a parábola de Jesus que contém mais dados autobiográficos: o agir do samaritano se assemelha ao seu, que veio para estar com os pecadores, com as pessoas sofridas, excluídas e marginalizadas. Uma vez que a parábola foi contada como resposta à pergunta «E quem é o meu próximo?» (v. 29), Jesus devolve novamente uma pergunta ao mestre, pedindo dele um posicionamento: «Na tua opinião qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?» (v. 36). Da pergunta de Jesus emerge um dado muito importante: o próximo não é, o próximo se faz. Ora, para os judeus, o próximo era o parente, o companheiro de religião e, no máximo, o estrangeiro radicado entre eles. Portanto, era uma categoria estática, pré-definida. Jesus diz, com a parábola e a pergunta final que o próximo se faz, ou seja, são as circunstâncias que tornam alguém próximo do outro. Deve-se fazer próximo de toda pessoa, com predileção pelas marginalizadas, feridas, como fez o samaritano.

A resposta do mestre à pergunta de Jesus é correta, embora ele mesmo não a aceite: «Aquele que usou de misericórdia para com ele» (v. 37a) foi o próximo. Dois aspectos chamam a atenção nessa resposta: primeiro, o mestre evita mencionar “o samaritano”, o que para ele era uma espécie de palavrão, por isso, diz apenas “aquele”, quer dizer que aquele mestre da Lei, judeu fiel, continuava fechado em sua mentalidade mesquinha e cheio de rancor; segundo, o uso da misericórdia que é atribuído somente a Deus em todo o Antigo Testamento e apenas a Jesus no Novo, é agora atribuído também a um homem, e da pior qualidade possível, conforme a mentalidade judaica da época. E isto é muito significativo. A única vez em que se atribui a um homem o uso da misericórdia é aqui. E não se atribui a um homem da religião, mas a um herege. Essa é uma das grandes novidades de Jesus e de Lucas em seu Evangelho. De todos os envolvidos na parábola, o único que foi considerado um exemplo e parecido com Deus foi um homem que a religião condenava. Ao mestre da lei, Jesus aconselha: «Vai e faze a mesma coisa» (v. 37), ou seja, pede que seja como um samaritano, um excluído e tratado como herege, mas que se deixe mover pela compaixão. Este convite, imperativo, é dirigido a todo ouvinte e leitor da obra de Lucas, em todos os tempos. Fazer a mesma coisa que o samaritano é fazer-se próximo das pessoas mais necessitadas, as pessoas feridas e marginalizadas.

Com isso, Jesus convida o mestre da Lei e a todas as pessoas, de ontem e de hoje, a romper todas as barreiras impostas pela religião e perceber que o amor a Deus e ao próximo são inseparáveis. É preciso fazer-se próximo, à medida em que se caminha e vê as situações que necessitam de cuidado e atenção. Por isso, o samaritano é imagem do Deus de Jesus e paradigma para os cristãos e cristãs de todos os tempos.

Pe. Francisco Cornelio Freire Rodrigues – Diocese de Mossoró-RN

Nenhum comentário:

Postar um comentário

REFLEXÃO PARA O 15º DOMINGO DO TEMPO COMUM – LUCAS 10,25-37 (ANO C)

Neste décimo quinto domingo do tempo comum, a liturgia continua a leitura semi-contínua do Evangelho de Lucas, como é característico do an...