A preparação para o natal do
Senhor, proposta pelo advento, se torna mais intensa à medida em que a sua
conclusão se aproxima. Nesse sentido, é importante evidenciar os personagens
humanos que Deus escolheu para intermediarem a transição entre as duas etapas
da história da salvação: a antiga, baseada na lei e na expectativa do
cumprimento de tantas promessas, e a nova, fundada em Jesus, o Cristo, nascido
de Maria, ápice da comunicação entre Deus e a humanidade, e cumprimento das
antigas promessas de salvação. Enquanto no último domingo a liturgia destacava
a figura de João, o Batista, e os efeitos de sua pregação, o evangelho de hoje
– Lucas 1,39-45 – destaca o encontro e o papel de duas mulheres, Maria e
Isabel, evidenciando cada vez mais as preferências e opções de Deus pelo que
aparenta ser mais frágil e inútil, como era vista a mulher na época da cena
narrada no evangelho. Para transformar o mundo, Deus não chama os grandes e
potentes, e sim os/as humildes e pequenos(a); a escolha de Maria para ser mãe
de seu Filho, não por suas qualidades, e sim pela sua pequenez e simplicidade,
é a maior demonstração, e o evangelho de hoje nos ajuda a perceber isso, ao
colocar duas simples mulheres juntas em diálogo, como as primeiras a
compreender e perceber o início de uma nova história e de um mundo novo.
O texto – Lucas 1,39-45 – narra
o episódio tradicionalmente chamado de “visitação”; se trata de um texto
bastante conhecido, muito utilizado nas solenidades e festas marianas com o
acréscimo dos versículos que compreendem o Magnificat (cf. Lc 1,46-56).
Hoje, especificamente, a liturgia utiliza apenas os versículos que tratam da
apressada viagem de Maria e o seu encontro com Isabel (vv. 39-45). Esse é o
episódio que sucede de imediato ao anúncio do anjo; é importante perceber a
relação entre os dois episódios para melhor compreender o texto de hoje. Com o
anúncio do anjo, Maria ficou espantada, e com razão (cf. Lc 1,29). Ora, como é
possível uma jovem virgem ser mãe sem ter relação com um homem? À primeira
vista, a notícia do anjo representou uma tragédia para Maria, colocando em
risco seu futuro matrimônio, uma vez que ela já estava comprometida com José.
Corajosamente, Maria questionou o mensageiro divino, pediu-lhe explicação (cf.
Lc 1,34). O próprio anjo tratou de acalmá-la, mostrando que tudo o que estava
acontecendo era iniciativa do Deus que faz coisas impossíveis, agindo contra a
lógica humana; ainda deu um exemplo: Isabel, uma mulher anciã e estéril já
estava no sexto mês de gravidez (cf. Lc 1,3-37); esse exemplo parece ter
ajudado a convencer Maria de que também nela poderia acontecer algo de maravilhoso
e fora dos padrões e esquemas tradicionais; por isso, respondeu sim, tomando
uma decisão corajosa e ousada. A mulher, na época, não tinha poder de decisão
sobre nada; sendo solteira, deveria consultar o pai ou o irmão mais velho,
antes de qualquer decisão, sendo casada, consultava o marido. A decisão de
Maria, sozinha, representa um grande passo para o protagonismo da mulher na
história, que Lucas introduz em seu Evangelho. Esse protagonismo é evidenciado
no evangelho de hoje, ao colocar duas mulheres como protagonistas da cena.
Diz o texto que “Naqueles
dias, Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo apressadamente, a uma
cidade da Judeia” (v. 39). O indicativo temporal “naqueles dias” revela a
relação e a continuidade deste episódio com os anteriores, na trama narrativa
de Lucas; quer dizer que pouco depois da anunciação do anjo “Maria partiu”. O
texto não diz quais foram os motivos da partida de Maria; muitos interpretam
como a vontade de Maria colocar-se a serviço do próximo, no caso, da sua
parenta Isabel; porém, o texto não evidencia nem sinaliza para isso. O destino
também é vago e genérico: “a uma cidade da Judeia”, na “região montanhosa”.
Partir, sair de si “apressadamente”, é a postura de quem acolhe a salvação
oferecida por Deus, postura essa assumida por Maria. Dizer sim aos propósitos
de Deus, como fez Maria, é deixar-se transformar pela sua Palavra. Quem sente a
ação de Deus em sua vida, põe-se em marcha, não permanece na mesma posição, nem
com a mesma mentalidade; é isso que o evangelista quer destacar. Como a
concepção de Isabel foi colocada pelo anjo como exemplo de que nada é
impossível para Deus, a viagem de Maria pode também ser interpretada como
expressão da sua curiosidade e vontade de comprovar a veracidade do anúncio. Além
disso, há uma clara intenção de Lucas de colocar as duas mães juntas: a jovem e
a anciã, a virgem e a estéril, reforçando que, nas contradições da história,
Deus se manifesta; além disso, colocando juntas as mães, também os filhos se
encontram, os protagonistas implícitos da cena.
Ao colocar Maria em viagem,
Lucas antecipa um dos temas mais fortes da sua teologia: o caminho como figura
da dinâmica do Reino e da Palavra de Deus. Desde essa visita de Maria até
chegada de Paulo prisioneiro em Roma (cf. At 28), Lucas faz de sua dupla obra –
Evangelho e Atos dos Apóstolos – um itinerário da Palavra; mesmo encontrando
obstáculos, a Palavra não pode ficar presa em nenhuma estrutura; ela deve ecoar
sempre. Maria se torna, assim, modelo antecipado do discipulado que Jesus
formará logo no início da sua vida pública. O evangelista não perde tempo
descrevendo a viagem, e logo diz que Maria chegou ao destino e “Entrou na
casa de Zacarias e cumprimentou Isabel” (v. 40), porque seu objetivo é
mostrar a chegada da Boa-Nova e seus efeitos. Zacarias, o esposo de Isabel, foi
o primeiro destinatário do anúncio do anjo (cf. Lc 1,8-23), mas não acreditou,
por isso aqui é um personagem secundário. O evangelista quer mostrar a
experiência de fé das duas mulheres sendo partilhada. A fé transformadora vivida por cada uma das
mulheres não pode ficar oculta, por isso o evangelista coloca as duas frente a
frente; e essa fé, quando partilhada, cresce e se fortalece, como mostra a
sequência do texto: a companhia de Maria faz aumentar as convicções da fé de Isabel
e, consequentemente, de Maria, culminando no Magnificat (cf. Lc 1,46-56), a sua
explosão de louvor a Deus.
O evangelista não revela o
conteúdo da saudação de Maria, mas certamente foi o tradicional shalom hebraico, saudação típica do povo judeu. Como modelo de discípulo e discípula, Maria
antecipa o que Jesus pedirá aos seus discípulos quando enviá-los: “Em
qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: paz para esta casa” (Lc
10,5). Essa saudação não é mero palavreado, mas é comunicação de vida, doação
de amor e de energia transformadora, por isso “Quando Isabel ouviu a
saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre e Isabel ficou cheia do
Espírito Santo” (v. 41). Mãe e filho, cada qual preenchidos pelo Espírito
Santo, reagem, cada um à sua maneira e conforme as suas possibilidades: o
filho, pulando no ventre, a mãe com palavras, tornando-se verdadeira profetisa.
De fato, após a saudação de Maria, o evangelista dá a palavra a Isabel que faz
grandes declarações de fé e alegria diante de tudo o que tem contemplado em sua
vida, e com razão. Ora, como Zacarias tinha ficado mudo, devido a sua
incredulidade diante do anúncio do anjo (cf. Lc 1,20), Isabel já não tinha com
quem dialogar sobre os últimos acontecimentos; precisava de alguém que lhe
ouvisse, por isso, é só ela quem fala na cena: “Com grande grito, exclamou:
“Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! Logo que a
tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança pulou de alegria em meu ventre.
Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar? Bem-aventurada
aquela que acreditou, porque será cumprido o que o Senhor lhe prometeu”
(vv. 42-45). Inspirada no Antigo Testamento, Isabel expressa a imensa alegria
de ser contemplada com os favores de Deus, sendo alvo da sua misericórdia. A
sua anterior condição de estéril era motivo de vergonha e humilhação; ninguém
lhe dirigia a palavra, a não ser com insultos, e ninguém a escutava. O menino
concebido em seu ventre provocava um verdadeiro êxodo em sua vida,
transformando-a em mulher livre.
Lucas construiu o discurso de Isabel
recorrendo ao Antigo Testamento para mostrar, sobretudo, o cumprimento das
antigas promessas, e o começo da distinção entre João Batista e Jesus. A
primeira declaração é também a primeira bem-aventurança do Evangelho de Lucas;
as bem-aventuranças proclamadas por Jesus serão expressão do retrato ideal do
seu discipulado; aqui, Maria é, antecipadamente, proclamada a discípula ideal;
ora, a missão do discípulo e discípula de Jesus consiste em torná-lo presente
onde quer que o discípulo esteja. Por isso, Isabel reconhece Maria como a
primeira bem-aventurada, pois a partir do ventre, ela já era portadora de
salvação. Quem interpretava os sinais de Deus na história eram os sacerdotes e
mestres da lei; Lucas inverte a ordem das coisas e mostra uma mulher, até pouco
tempo vista como amaldiçoada, devido a esterilidade, percebendo e interpretando
os sinais de Deus presentes, não mais nas estruturas faraônicas do templo, mas
na simplicidade de outra humilde mulher. Já consciente de ser a mãe do
precursor, e feliz por isso, Isabel reconhece que Maria é a mãe do Senhor. Como
estéril, Isabel era vista como esquecida por Deus; cheia do Espírito Santo,
reconhece hospedeira o Senhor, presente no ventre de sua mãe, Maria. Uma verdadeira
reviravolta na história. É a expressão dos(a) humildes que reconhecem
reciprocamente suas forças, seus valores e seu poder de transformação quando se
dispõem a viver conforme a Palavra de Deus.
Isabel identifica o motivo da
bem-aventurança de Maria e o que a habilita como modelo de discípula: a fé,
pois é “Bem-aventurada aquela que acreditou”. De fato, o texto bíblico,
sobretudo o Evangelho segundo Lucas, aquele que mais fala sobre ela, não
apresenta um currículo da vida de Maria como atrativo para o chamado de Deus;
apenas a apresenta como alguém que foi agraciada por Deus e, diante disso,
respondeu sim, deu uma adesão de fé. E, como mostra a Bíblia, Deus costuma
escolher o que é historicamente rejeitado, excluído e humilhado. Isabel
reconhece em Maria o exemplo maior de fé, antecipando a dinâmica do Reino que
será anunciado por Jesus e continuado pelos seus discípulos e discípulas de
todos os tempos.
Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues – Diocese de Mossoró-RN
Nenhum comentário:
Postar um comentário