Neste terceiro domingo do advento, o evangelho
nos apresenta a figura de João, o Batista, como personagem importante no
caminho de preparação para o reconhecimento do Senhor que já veio, embora estejamos
empenhados ainda nos preparativos festivos do seu nascimento, visando a solenidade do seu
natal que se aproxima. O texto proposto para hoje, Mateus 11,2-11, apresenta a
dúvida ou crise de João quanto à messianidade de Jesus (vv. 2-3) e a resposta
do próprio Jesus (vv. 5-6), seguida de um importante testemunho a respeito do seu
“precursor” (vv. 7-11). Alguns
estudiosos, inclusive, intitulam esta perícope de “A crise do Batista”
Para compreendermos a dúvida de João e suas
motivações, é necessário ter em mente o conteúdo do evangelho do segundo domingo
do advento (Mt 3,1-12), o qual foi saltado pela liturgia, infelizmente, devido
a coincidência com a data da solenidade da Imaculada Conceição. O texto omitido
(Mt 3,1-12) apresentava alguns traços das características da figura de João Batista,
bem como o conteúdo do seu anúncio messiânico, ou seja, sua descrição do
messias por ele esperado. Portanto, a dúvida apresentada no Evangelho de hoje
deve-se ao fato de que Jesus não correspondeu, como Messias, às expectativas
alimentadas por João Batista.
Mas, quais foram as expectativas alimentadas
por João Batista? Ou melhor, que traços de messias ele descreveu? Ora, assim como
muitos de seu tempo, João esperava um messias potente, guerreiro e juiz que, de
fato, viesse para recompensar os bons e castigar os maus; tinha usado imagens
muito fortes como o machado na raiz das árvores, pronto para cortar (cf. Mt
3,10), o fogo que queima a palha (cf. Mt 3,12). Ele esperava um messias que
viesse mais para condenar do que para salvar, por isso frustrou-se, uma vez que
Jesus veio somente para salvar (cf. Lc 19,10). Em em outras palavras, João anunciou um messias severo demais, enquanto Jesus veio misericordioso demais.
Só podemos compreender bem o Evangelho de hoje
à luz destes aspectos introdutórios que recordamos. E iniciamos nossa
compreensão partindo das primeiras informações: “João estava na prisão”
(v. 2a); os motivos da prisão de João serão apresentados somente no capítulo
quatorze, embora já os conheçamos: a denúncia da relação ilegítima de Herodes
com Herodíades, a esposa de seu irmão Filipe (cf. Mt 14,1-12). Uma vez preso,
João poderia dar como cumprida a sua missão, uma vez que, ao contrário de todos
os profetas que vieram antes, ele conseguiu ver o messias com os próprios
olhos, inclusive o batizou (cf. Mt 3,14-15).
Houve, no entanto, uma inquietação em João: “tendo
ouvido falar das obras do Cristo” (v. 2b). De fato, as obras do Cristo eram
preocupantes para quem tinha idealizado nele o messias esperado pelas antigas
tradições judaicas, como apresentamos na introdução. Ao invés de condenação,
Jesus cumpria somente obras de salvação, como cura de doenças (cf. Mt 8,14-15;
9,27-31), inclusive de leprosos (cf. Mt 8,1-4), libertação de demônios (cf. Mt
8,28-34), e o pior: ao invés de condenar os pecadores, como João havia predito,
Jesus gostava era de misturar-se com eles.
Além de não cumprir certos ritos e práticas
devocionais caras a João e a muitos da sua época, Jesus ainda incentivava seus
discípulos a fazerem o mesmo, levando-os a uma discussão com os próprios discípulos
de João sobre o jejum (cf. Mt 9,14-17). Nessa ocasião da discussão sobre o
jejum, os discípulos de João preferiram se alinhar aos fariseus, aqueles mesmos
que tinham sido chamados de “cobras venenosas” por João (cf. Mt 3,7), o
que vem a confirmar, ainda mais, a insatisfação de João e seus discípulos com
as atitudes de Jesus.
E, se as obras de Jesus deixaram João
embaraçado, muito mais ainda deve ter ficado com as palavras dele, como: “Felizes
os mansos, felizes os misericordiosos, felizes os que promovem a paz” (Mt
5,4.7.8), “amai os vossos inimigos” (Mt 5,43), “não julgueis para não
serdes julgados” (Mt 7,1). Foi ouvindo falar sobre isso, e muito mais, que
João enviou alguns discípulos para fazer uma pergunta decisiva a Jesus.
A pergunta de João deixa muito clara a sua
preocupação: “És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?” (v.
3). Mais que preocupação, essa pergunta reflete angústia e decepção. Realmente,
pela prática de Jesus, as informações que chegavam até João não poderiam
animá-lo; na verdade, ele tinha dado características messiânicas que Jesus não
tinha. Ao invés do rigorismo predito pelo Batista, Jesus apresentou-se cheio de
amor e misericórdia, não aplicando os terríveis castigos aos pecadores, como
esperava João. Portanto, a crise do Batista tornou-se inevitável.
João não foi o primeiro e nem o último a se decepcionar
com o nazareno. Por isso, a resposta de Jesus foi muito serena, mas cheia de
vida e de convicção: “Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo: os
cegos recuperaram a vista, os paralíticos andam, os leprosos são curados, os
surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados” (vv.
4-5). Jesus não responde com o tradicional “sim ou não”; mas responde com o seu
legado, o resultado das suas obras, sobre as quais João ouviu falar e ficou
preocupado (v. 2). Aqui, não entra em discussão a autenticidade dos milagres e
curas de Jesus, mas o que, de fato, estes sinais representam: a renovação completa
da humanidade. Com estas categorias de pessoas sendo reabilitadas, Jesus está
afirmando que o seu messianismo consiste em restaurar, resgatar o que parecia
perdido, ao invés de destruir com o fogo, como tinha anunciado o Batista (cf.
Mt 3,10.12).
Nessa resposta de Jesus está a certeza de que o
Reino dos céus que estava próximo, segundo João (cf. Mt 3,2), tinha,
finalmente, chegado. E, esse Reino é de inclusão e vida nova. Diante disso,
Jesus proclama uma bem-aventurança: “Feliz aquele que não se escandaliza por
causa de mim!” (v. 6); é provável que a desconfiança de João a seu respeito
lhe entristeceu um pouco, mas Jesus tinha consciência de que o Batista era
fruto do seu tempo e carregava em si os anseios de um povo e de uma tradição.
Assim, passado o desconforto inicial, Jesus faz
um grande elogio a João Batista, quando seus discípulos foram embora levando a
resposta. Nesse testemunho elogioso a respeito do Batista, Jesus exalta suas
qualidades de profeta, ressaltando seu testemunho, integridade, honestidade e
austeridade (v. 7-9). Para Jesus, João foi até maior do que todos os antigos
profetas. Nisso, é perceptível o afeto que unia os dois, apesar da inegável crise.
Se houve um pouco de angústia em Jesus ao receber o “ultimato” dos discípulos
de João, muito mais deve ter tido o próprio João pois, encarcerado, não podia ver
o que Jesus fazia, apenas ouvia falar a seu respeito e, certamente, com
distorções.
Jesus reconheceu a importância de João Batista,
interpretando-o, inclusive, à luz da Escritura, através da profecia de
Malaquias (cf. Ml 3,1): “É dele que está escrito: ‘eis que envio o meu
mensageiro à tua frente...” (v. 10). Fez-lhe um elogio tão grande, a ponto
de considerá-lo o maior dos seres humanos até então: “Em verdade vos digo,
de todos os homens que já nasceram, nenhum é maior do João Batista” (v. 11a).
No entanto, João pertence a uma ordem antiga, cujos esquemas não coincidem com
a nova ordem que Jesus veio inaugurar, o Reino dos céus. Esse Reino é uma sociedade
alternativa, incompatível com todas as formas de organização social até então
experimentadas. Para entrar nesse Reino, não contam os títulos de honra e
grandeza, mas apenas a adesão livre ao projeto libertador de Jesus, cujo
critério principal de pertença é a capacidade de fazer-se pequeno (cf. Mt 18,3;
19,14). Por isso, “o menor no Reino dos céus é maior do que ele” (v.
11b). Não se trata de uma desvalorização do Batista, mas de evidenciar que Jesus
inaugura uma nova humanidade em todos os sentidos.
Diante de tudo isso, queremos aprender com o
Batista a não ter medo de duvidar; é na dúvida que a fé autêntica pode crescer
e se tornar sólida. Mas, o que queremos, sobretudo, é abraçar o Reino com seus
valores e a humanidade nova proposta por Jesus, da qual somos construtores. É
assim que podemos perceber o Senhor que já está aqui, no meio de nós!
Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues – Diocese de
Mossoró-RN
Nenhum comentário:
Postar um comentário