Neste décimo
quinto domingo do tempo comum, iniciamos a leitura do “discurso em parábolas”,
que é o terceiro dos cinco grandes discursos de Jesus no Evangelho de Mateus.
Nesse discurso, o Reino dos Céus é ilustrado a partir de sete parábolas, que
ocupam praticamente todo o capítulo treze do Evangelho. A liturgia propõe a
leitura desse capítulo por três domingos consecutivos, começando hoje. O texto
proposto especificamente para esse domingo é Mt 13,1-23. Se trata de um texto
bastante extenso, o qual contém a primeira parábola do discurso (vv. 1-9), as
motivações do discurso em parábolas (vv. 10-17), e a explicação da parábola
para os discípulos (vv. 18-23). Considerando a extensão do texto, não
comentaremos versículo por versículo. Procuramos colher a mensagem central do
texto em seu conjunto. Para uma compreensão mais adequada do texto, é
necessário fazer uma pequena contextualização introdutória, sobretudo por se
tratar de uma nova fase na vida e no ministério de Jesus, com uma nova
metodologia, como veremos a seguir.
A mudança de
metodologia e perspectiva que o texto reflete faz parte da reação de Jesus às
rejeições sofridas pela sua mensagem em algumas cidades da Galileia após o
discurso missionário e o envio dos discípulos (Mt 11–12). Ora, tinha ficado
claro que nem todos se interessaram pelo anúncio da Boa Nova do Reino, tanto
por Jesus quanto pelos discípulos por ele enviados. Diante disso, Jesus
apresenta o Reino e seus mistérios a partir de uma série de sete parábolas,
visando tornar a sua mensagem ainda mais acessível, especialmente para as
pessoas simples e humildes, que já lhe tinham dado sinal de adesão, ao
contrário dos sábios e entendidos que não se interessavam pela sua mensagem
libertadora (Mt 11,25). Certamente, diante do aparente fracasso da missão de
Jesus até então, seus discípulos lhe questionaram a respeito da eficácia e até
mesmo da utilidade do seu anúncio: porque anunciar, se poucos escutam, e
dos que escutam, poucos compreendem e acreditam? Por que o anúncio da Boa Nova
do Reino praticamente não causa efeito algum no mundo? Vale a pena continuar?
Sem dúvidas, o conjunto de parábolas do capítulo treze, e sobretudo a de hoje,
faz parte da tentativa de Jesus e o evangelista responderem a questionamentos
desse tipo.
Por trás dos
prováveis questionamentos dos discípulos estava também uma concepção distorcida
de messianismo, já que o perfil de Jesus fugia dos padrões e das expectativas
mais convencionais do judaísmo da época: ao invés de um messias potente e
guerreiro, Jesus se apresenta simples, manso e humilde de coração (Mt 11,29);
ao invés de reconstruir o antigo reino de Davi, Ele propõe o Reino dos Céus
como alternativa de sociedade, cujas características principais são a
igualdade, o amor fraterno, a justiça e a solidariedade. Com as parábolas, a
dinâmica Reino poderia ser mais bem compreendida pelos discípulos e pelas
comunidades destinatárias de todos os tempos, desde que aceitem a condição
de pequeninos/a (Mt 11,25), disposição essencial para conhecer
a mensagem de Jesus e conduzir a existência a partir dela. Além dos mistérios
do Reino em si, as parábolas também ajudam a compreender a dinâmica de
aceitação e rejeição, o que mais inquietava os discípulos naquele momento de
crise vivido pelo grupo. Por último, ainda a nível de contexto, convém recordar
que o texto reflete mais a situação da comunidade do evangelista do que mesmo a
do grupo dos primeiros discípulos de Jesus.
Feitas as
observações a nível de contexto, voltamos a nossa atenção diretamente para o
texto, que começa dessa maneira: «Naquele dia, Jesus saiu de casa para
sentar-se às margens do mar da Galileia» (v. 1). Jesus já estava
radicado em Cafarnaum, cidade localizada às margens do lago da Galileia,
chamado de mar pelo evangelista por motivos teológicos. O mar evoca perigo e
hostilidade, é onde habitavam as forças do mal, segundo a mentalidade semita da
época. As margens do mar significam lugar de movimento, fluxo de pessoas,
abertura, contato com o diferente e exposição aos perigos. Permanecer em casa é
sinal de segurança, fechamento e comodismo. Logo, o deslocamento de Jesus da
casa para as margens do mar significa que, mesmo em um contexto de hostilidades
à pregação do anúncio do Reino, a comunidade cristã não pode fechar-se em si
nem buscar seguranças. Pelo contrário, deve lançar-se, colocar-se em saída e ir
às margens. Com essa atitude de sair de casa e ir às margens do mar, Jesus
convida a Igreja de todos os tempos a estar sempre em saída, sem medo de
expor-se aos perigos e contradições do mundo.
Se Jesus permanecesse
em casa, somente seus discípulos ouviriam teriam acesso à sua mensagem. Uma vez
que saiu de casa, «uma grande multidão reuniu-se em volta dele. Por
isso, Jesus entrou numa barca e sentou-se, enquanto a multidão ficava de pé na
praia. E disse muitas coisas em parábolas» (vv. 2-3). Para romper as
bolhas e chegar às multidões é necessário colocar-se em saída e assumir os
riscos de tal opção. Inclusive, o gesto de sentar-se na barca é a confirmação
desses riscos; a mensagem libertadora de Jesus não é um mero conteúdo para ser
explicado de cátedras ou púlpitos, mas um programa de vida que comporta riscos
para quem se dispõe a vivê-lo. Embora já tivesse contado várias parábolas (Mt
7,24-27; 9,15; 12,43-45), essa é a primeira vez que o evangelista usa
propriamente o termo “parábola” (em grego: παραβολή –
parabolê), cujo significado é pôr lado a lado duas realidades e compará-las;
literalmente, significa comparação. E é isso o que Jesus faz, de fato. Ele
apresenta o Reino a partir de comparações com elementos do cotidiano das
pessoas, o que não significa que, necessariamente, será melhor compreendido por
isso, mas pelo menos instigará a reflexão.
A primeira das
parábolas que compõe o discurso é aquela que o Evangelho de hoje nos
apresenta: «o semeador saiu para semear» (v. 3b). Essa
parábola é considerada a “parábola mãe” de todas as parábolas. Inclusive, está
presente nos três evangelhos sinóticos (Mt; Mc; Lc), o que demonstra tratar-se
de uma parábola com ampla aceitação e circulação entre as primeiras
comunidades. Conforme vem descrito, esse semeador lança a semente em quatro
tipos diferentes de terrenos: caminho, pedra, espinho e terra boa (vv. 4-8),
sem distinção. Certamente há, aqui, uma grande discrepância com as práticas
agrícolas modernas, facilmente perceptível aos leitores de hoje. Na antiga
Palestina, cenário dos evangelhos, a terra não era preparada com antecedência
para a plantação. Jogava-se a semente na terra e só se começava a prepará-la quando
as plantas nasciam e cresciam, a ponto de distinguir a planta boa da árvore
daninha (ver o exemplo da parábola do joio e do trigo, Mt 13,24-30). Perder
sementes jogadas em terrenos duvidosos era visto como natural. O importante era
a confiança e a certeza de que em algum lugar a semente haveria de nascer,
crescer e frutificar em abundância.
É importante
recordar que, mesmo tendo a multidão como auditório, o público-alvo principal
da parábola e de todo ensinamento de Jesus é sempre os discípulos, tanto aqueles
de primeira chamada quanto a comunidade cristã de todos os tempos. E uma das
primeiras lições da parábola é que a comunidade anunciadora do Reino não deve
escolher a quem anunciar, assim como o semeador não escolhe o terreno antes de
lançar a semente. Inclusive, a maioria das interpretações fixam a atenção no
significado da semente, fazendo passar despercebida a figura do semeador que,
aqui na parábola, é o próprio Jesus. É ele o semeador que espalha sementes de
amor e esperança em todos os tipos de terreno, sem preocupar-se com os
resultados e, por isso, é o modelo para os discípulos. Isso faz dessa parábola
uma das mais autobiográficas. Ora, diante dos fracassos recentes na missão
evangelizadora de Jesus com os doze, a tendência nos discípulos era selecionar
melhor os destinatários do anúncio e não perder mais tempo. Jesus está, com
essa parábola, advertindo a Igreja de todos os tempos que na sua missão, estará
mais presente o fracasso do que o sucesso, afinal, de quatro tipos de terreno,
somente em um deles a semente frutificou. A comunidade deve confiar na eficácia
da Palavra e, ao mesmo tempo, conscientizar-se das diversas oposições que essa
recebe e que podem impedir o seu crescimento.
Apesar dos
fracassos constados na semeadura, de uma coisa a comunidade não pode duvidar: a
Palavra tem uma força transformadora incrível; ela é mesmo viva e eficaz, o que
é demonstrado na parábola pela imagem da semente caída em terra boa e «é
capaz de produzir à base de cem, sessenta e de trinta frutos por semente» (v.
8). Essa imagem exageradamente abundante dos frutos é importante e confortante a
uma comunidade, sobretudo quando essa se sentir esgotada, fracassada, devido
aos poucos resultados da evangelização. Ora, convencionalmente, o máximo que se
esperava de um cacho (ou espiga) de trigo era trinta grãos. Aqui está uma
demonstração da vida em plenitude que receberão aqueles que aderirem ao projeto
do Reino. O que parecia ser muito (trinta frutos) passa a ser mínimo diante da
beleza e abundância que é a vida de quem se deixou conduzir pelos frutos do
Reino. A colheita surpreendente (cem frutos por semente) só é possível para
quem confia na Palavra e se abre completamente aos valores do Reino. O que
parecia muito, conforme a lógica da colheita nos tempos de Jesus, é o mínimo na
dinâmica do Reino. Diante da abundância da colheita gerada pela semente caída
em terra boa, a perda das sementes perdidas caídas nos terrenos inapropriados é
insignificante. Com isso, confirma-se, mais uma vez, a lógica do Reino: é
preciso perder para poder ganhar.
Após contar a
primeira das sete parábolas do discurso, o evangelista diz que «os
discípulos aproximaram-se e disseram a Jesus: ‘porque falas ao povo em
parábolas?’» (v. 10). A resposta de Jesus é bastante longa e
enigmática (vv. 11-17), usando, inclusive, o profeta Isaías (Is 6,9-10). Assim
como havia níveis diferentes de adesão à pregação de Jesus e ao seu Evangelho,
posteriormente, também havia diferenças no modo de compreender a sua Palavra nas
comunidades. Nem toda a multidão estava apta a compreender por que isso não é
possível sem uma experiência autêntica com Ele. Inclusive, ele deixa claro que
não serve um conhecimento superficial da sua pessoa: ou se conhece
profundamente ou não se conhece nada d’Ele. Por conhecimento de Jesus,
compreende-se a experiência de amor que se faz com a sua pessoa, e não a
abstração de ideias a seu respeito. No gesto dos discípulos aproximarem-se
dele, está o modelo para o discipulado de todos os tempos: não basta ouvi-lo, é
necessário aproximar-se dele, estar ao seu lado e vice-versa, para a palavra,
enquanto semente, enraizar no coração e frutificar. Quanto mais a comunidade se
aproximar dele, mais compreenderá a sua palavra. Por isso, o sentido de comunidade
também é profundamente evidenciado pelo evangelista nessa passagem. A comunidade
reunida é o espaço privilegiado para questionar, tirar dúvidas e aprofundar o
sentido dos ensinamentos de Jesus.
Ao esclarecer
os motivos pelos quais falava em parábolas, Jesus aprofunda, em estilo
sapiencial, o sentido da Palavra: ela transforma, cria raízes no coração, por
isso «aquele que tem será dado ainda mais, e terá em abundância; mas à
pessoa que não tem, será tirado até o pouco que tem» (v. 12). É
claro que Jesus não está falando de bens ou riquezas materiais, mas do
conhecimento da sua pessoa, dos mistérios do Reino e da Palavra. Quem o conhece
superficialmente, na verdade não o conhece; quem o conhece verdadeiramente, o
conhecerá ainda mais. No coração onde a Palavra apenas tocou sem criar raízes,
ela logo desaparecerá. Mas, onde ela de fato enraíza e frutifica, os frutos são
cada vez mais abundantes. O desejo de Jesus é que a Palavra seja acolhida por
todos e todas, mas a experiência estava mostrando que não era possível. Nem
todos a acolhiam. Uns faziam de conta, ou seja, ouviam, mas não se deixavam
transformar por ela. A apresentação do Reino em parábolas é, portanto, um
convite à reflexão: através das imagens usadas, as pessoas podem refletir com
mais calma depois de ouvi-la e, assim, decidir se querem aderir ou não à sua
proposta de vida.
A explicação
da parábola aos discípulos (vv. 18-23) é, sem dúvida, um acréscimo posterior da
comunidade, como forma de manter a mensagem de Jesus sempre atualizada. Novamente,
é reforçado o valor e a importância da comunidade para a compreensão e vivência
dos ensinamentos de Jesus. Quando está reunida ao redor da Palavra, a
comunidade encontra sentido para a sua situação concreta e para os ensinamentos
de Jesus. Ora, não basta recordar o que o Jesus falou, é necessário ler a
realidade atual à luz da sua mensagem e aplicá-la. Nessa explicação, Mateus
adverte sua comunidade e as comunidades de todos os tempos para a importância
de saber lidar com as diferenças e a paciência no modo de anunciar e acolher a
Palavra. O certo é que a escuta deve ser seguida do aproximar-se. Quanto mais
se escuta Jesus, mais vontade se tem de aproximar-se de Jesus e continuar escutando-o,
sempre de modo mais aprofundado, à medida em que aumenta a intimidade com ele. Mais
do que descrever quatro categorias de pessoas, os quatro terrenos da parábola
são advertências e indicações de que cada discípulo e discípula pode comportar
em si as quatro situações de acolhida ou resistência à Palavra que é destinada a
todas as pessoas, sem distinção, enquanto caminho de humanização e vida
abundante. Por isso, os quatro tipos de terrenos evocam também a universalidade
do evangelho: todas as pessoas tem direito de ter acesso a ele, sem imposição,
com liberdade de aceitá-lo ou não.
Estrada,
pedra, espinhos e terra boa, portanto, está no coração de um. Que a Igreja seja
estimulada a sair constantemente de si mesma para lançar as sementes do Reino,
a Palavra, em todas as circunstâncias. O importante é ter coragem de deixar a
casa e assumir as margens do mar, sem medo. E cada cristão e cristã em
particular deve sentir motivação para viver um processo de conversão permanente
e, assim, a terra boa se sobreporá no coração, possibilitando que a Palavra produza frutos de amor, justiça, paz e solidariedade. Quanto mais terra boa houver em nosso coração mais aptos estaremos a ser também semeadores, como Jesus.
Pe. Francisco
Cornélio F. Rodrigues – Diocese de Mossoró-RN
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