A liturgia do quarto e último domingo do advento constitui o ápice da preparação para o Natal do Senhor. Por isso, todos os anos, neste domingo, se lê um trecho de um dos chamados “evangelhos da infância” (Mt 1–2; Lc 1–2), o que varia conforme o ciclo litúrgico vigente. Assim como nos dois últimos domingos – segundo e terceiro – fomos ajudados pelo testemunho de João Batista, hoje é a figura de Maria que nos é apresentada como testemunha exemplar de acolhida aos desígnios de Deus em sua vida e, portanto, como a personagem humana que melhor nos apresenta Jesus Cristo, o seu filho e salvador do mundo. Por isso, a liturgia deste dia recorre ao Evangelho de Lucas e nos oferece o texto da anunciação: Lc 1,26-38, uma vez que o evangelho predominante no ano litúrgico corrente – Marcos – não faz qualquer menção a este acontecimento. Esta última etapa litúrgica de preparação para o Natal tem a função de nos introduzir diretamente no mistério da encarnação, mostrando como Deus intervém na história, vindo ao encontro da humanidade de maneira extraordinária e, ao mesmo tempo, tão simples. A Palavra de Deus irrompe no cotidiano interagindo surpreendentemente com o ser humano através do diálogo, propondo ao invés de impor, escolhendo os pequenos e marginalizados ao invés dos poderosos e ricos, fazendo morada na periferia ao invés dos grandes centros. Essas pequenas observações constituem uma breve introdução e síntese do evangelho de hoje, objeto da nossa reflexão, como veremos a seguir.
Antes de tudo,
convém recordar sempre que os evangelhos não são livros de crônicas, e sim relatos
catequéticos e teológicos, pensados inicialmente para comunidades concretas com
características e problemas bem específicos. Somente dois evangelistas sentiram
necessidade de falar do nascimento e da infância de Jesus, a saber, Mateus e
Lucas, e cada um o fez segundo uma perspectiva própria, considerando suas
intenções teológicas específicas e as necessidades de suas respectivas
comunidades, destinatárias primeiras de cada relato. Aliás, esse princípio vale
para os inteiros evangelhos. No caso do “evangelho da infância” de Lucas, do
qual é tirado o texto de hoje, ele escolheu a perspectiva da mulher na
construção do seu relato, antecipando as linhas teológicas de toda a sua obra,
com uma clara opção de Jesus pelos mais pobres e excluídos, destinatários
primeiros do anúncio do Reino de Deus. No “evangelho da infância” de Lucas (Lc
1–2), portanto, vemos uma introdução e síntese de tudo o que ele desenvolve nos
vinte e dois capítulos restantes. Desse modo, podemos dizer que as características
que marcam o anúncio e o nascimento de Jesus são as mesmas que vão marcar o seu
ministério: misericórdia, justiça, inclusão, valorização da mulher e de todas
as categorias de pessoas marginalizadas da sociedade e da maioria das religiões
institucionalizadas, o amor acima de qualquer preceito, enfim, todos os elementos
indispensáveis à construção de um mundo novo, justo, fraterno e humanizado. Acrescenta-se
a isso a força criativa e fecunda do Espírito Santo, tão marcante no “evangelho
da infância”, como será no caminho da Igreja, e o mesmo Lucas demonstra tão bem
no segundo volume da sua obra, o livro dos Atos dos Apóstolos.
Ainda a nível
de contexto, é importante recordar que a anunciação do nascimento de Jesus pelo
anjo Gabriel a Maria não é um episódio isolado no “evangelho da infância”
lucano, mas é precedido pelo anúncio do nascimento de João a Zacarias (Lc
1,5-25). Ambos seguem um modelo bíblico consolidado de anúncios de nascimentos
extraordinários, com a intervenção direta de Deus: de Isaac (Gn 17–18), de
Sansão (Jz 13), de Samuel (1Sm 1). Porém, é com o anúncio do nascimento de João
que o de Jesus mais se relaciona. O narrador conta as duas histórias em
paralelo, com um esquema comum, mas com muitas diferenças internas, para ajudar
a comunidade leitora a perceber a novidade de Jesus e, consequentemente, a sua
superioridade no contexto narrativo da obra e na história da salvação. Inclusive,
para compreender melhor o anúncio a Maria, é necessário recordar alguns
elementos do anúncio a Zacarias, como: o ambiente urbano e solene do templo de
Jerusalém, um sacerdote como destinatário, a idade avançada dos personagens
(Zacarias e Isabel), a incredulidade. Esses elementos são importantes para as
intenções teológicas de Lucas, o qual convida o ouvinte/leitor a perceber que
no anúncio a Maria acontece praticamente o contrário, apesar do esquema comum,
como sinal de que, em Jesus, começa uma nova história, escrita a partir dos
pequenos, com uma verdadeira revolução de valores e relações.
Feitas as
devidas considerações contextuais, olhemos então para o texto, começando do
primeiro versículo. De início, fazemos uma observação crítica a respeito da
tradução do lecionário, que substituiu o indicativo temporal «No sexto mês» pela
genérica e vaga fórmula de introdução «Naquele tempo». Essa observação é
importante porque recorda a relação do que está para ser narrado com o episódio
anterior. Portanto, assim é o primeiro versículo: «No sexto mês, o anjo
Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré» (v.
26). Ora, o sexto mês tem como referência o anúncio feito a Zacarias, no templo
de Jerusalém; seis meses depois, o anjo Gabriel foi enviado a Nazaré para fazer
um novo anúncio e teve uma acolhida diferente. Aqui começa a novidade. Ora, a
Galiléia era uma terra desprezada pelo judaísmo da época, considerada semipagã.
Embora fossem judeus de origem, seus habitantes eram vistos com desconfiança
pelas autoridades religiosas e políticas de Jerusalém. Do ponto de vista
religioso, os galileus eram considerados hereges, pouco observantes da Lei; do
ponto de vista político, eram vistos como subversivos, rebeldes, agitadores. Essa
era a fama da região. Mas a fama de Nazaré, uma pequena aldeia, na qual viviam
aproximadamente duzentas pessoas, parece que era ainda pior do que a da região.
Esse lugar não é citado sequer uma vez em todo o Antigo Testamento. O Evangelho
de João mostra o quanto Nazaré era menosprezada, como se percebe pelo
questionamento preconceituoso de Natanael, ao saber de onde tinha saído Jesus:
«De Nazaré pode sair algo bom?» (Jo 1,46). É, portanto, para onde a religião só
dispensava desprezo e discriminação que Deus envia o seu mensageiro para dar
uma Boa Notícia. E lá a novidade de Deus será acolhida, ao contrário do que
aconteceu no templo, onde Zacarias duvidou do anúncio do anjo.
Além do lugar
desprezível como cenário do anúncio, Deus surpreende também na escolha da destinatária
da sua mensagem: «a uma virgem, prometida em casamento, a um homem
chamado José. Ele era descendente de Davi, e o nome da virgem era Maria» (vv.
27). Embora a tradição cristã tenha transformado a virgindade em virtude, para
a mentalidade semita a mulher virgem tinha uma conotação bastante negativa. Na
verdade, ser virgem significava não ter capacidade de atrair os desejos e
olhares de um homem, e numa cultura extremamente machista, de completo desprezo
pela mulher, isso era lamentável, sendo considerado sinônimo de humilhação e
até de castigo de Deus. No caso de Maria, ainda bem que já estava «prometida
em casamento», e isso significa que já estava oficialmente casado. É
importante recordar como se dava o casamento judaico, para compreender essa
expressão e a situação de Maria. Ora, o casamento acontecia em duas fases: a
primeira, chamada de “etapa da promessa”, durava cerca de um ano; nessa fase, os
noivos já considerados casados, mas ainda não mantinham relações sexuais; a
noiva continuava morando na casa de seus pais, que já tinham recebido o
pagamento do noivo. Na verdade, o casamento era um negócio; quem acertava tudo
era o pai da noiva com o noivo. Um ano após a “promessa”, acontecia a
celebração das bodas, dando início à segunda fase; após cerca de uma semana de
festa, os cônjuges passavam a viver juntos. O casamento era consumado na
primeira noite das bodas, por isso a noiva permanecia virgem durante toda a
fase da promessa. A etapa da promessa começava quando a mulher tinha entre doze
e doze anos e meio, enquanto o noivo tinha entre dezoito e vinte e quatro anos.
Os dados referentes ao esposo de Maria, José, são importantes para o
evangelista afirmar as raízes messiânicas da criança que vai nascer: o homem
que irá assumir sua paternidade é um descendente de Davi, por isso, tem tudo
para ser acolhido como o Messias esperado, o que não acontecerá devido à
incredulidade e fechamento de Israel.
Os dois
primeiros versículos funcionam como introdução e ambientação da cena (vv.
26-27). Do versículo 28 em diante, o texto ganha vida, se transforma cena
propriamente e se desenvolve em forma de um surpreendente diálogo entre o
enviado de Deus e Maria. E se torna surpreendente porque cada fala dos
personagens revela uma novidade de Deus. É importante perceber que, no diálogo,
será evidenciada a identidade de Jesus, o que demonstra que o enfoque do
evangelista é cristológico, e não mariológico, como às vezes se pensa. Eis a
sequência: «O anjo entrou onde ela estava e disse: ‘Alegra-te cheia de
graça, o Senhor está contigo!’» (v. 28). Ao dizer que o anjo
entrou, o evangelista dá a entender que o anúncio aconteceu dentro de casa,
contrapondo-o ao anúncio solene a Zacarias no templo de Jerusalém. Esse dado é
extremamente importante, pois recorda que a vida cotidiana é lugar da revelação
e manifestação de Deus. Através de seu mensageiro, ele rompe todas as barreiras
de classe e cultura, dialogando com uma mulher jovem na casa de uma aldeia sem
importância. Com isso, o evangelista já traça as primeiras linhas do modelo
ideal de comunidade-igreja: a casa, como ambiente familiar onde todos se conhecem
e se entendem. A casa é, portanto, o espaço do diálogo, das relações fraternas
e sinceras, como deve ser a comunidade cristã. O imperativo “alegra-te” (em
grego: χαῖρε – kaire)
que abre o diálogo sinaliza para um novo tempo; é um convite a uma grande
alegria, pois coisas boas estão para acontecer, uma nova história está surgindo.
É também uma demonstração de que Deus não se deixa condicionar pelos esquemas
da religião e da cultura, substituindo a tradicional fórmula de saudação
hebraica “shalom”. Por isso, “alegra-te” não significa apenas uma
saudação, mas um convite para participar de uma nova história.
A sequência da
saudação também é muito importante, e muitas vezes distorcida: «cheia
de graça, o Senhor está contigo». Algumas práticas devocionais
mais exageradas tendem a supervalorizar os méritos de Maria, afirmando que Deus
a premiou por isso, escolhendo-a para mãe de seu Filho; essa concepção distorce
a gratuidade do amor e da benevolência de Deus que, historicamente, se dirige
com predileção aos pequenos e fracos, que não têm capacidade de retribuir os
dons recebidos. Logo, a saudação do anjo não é um atestado das virtudes de
Maria, mas o anúncio de uma promessa maravilhosa. Inclusive, uma tradução mais
justa seria: «O Senhor está contigo, te enchendo de dons gratuitamente».
O anjo está garantindo que Deus não vai abandoná-la na missão que está lhe
confiando, que lhe trará muitos riscos. A escolha de Maria, portanto, é uma
demonstração da gratuidade do amor de Deus e sua predileção pelos pequenos e
marginalizados, e não um prêmio por suas virtudes, que são indiscutíveis, mas
não a causa da escolha de Deus. Inclusive, no Magnificat ela mesma reconhecerá
que foi a sua pequenez que atraiu o olhar benévolo de Deus (Lc 1,48), e não os
seus méritos. Como é normal nos grandes anúncios bíblicos, recebendo uma visita
tão inesperada como a de um mensageiro divino, e recebendo uma notícia tão
desconcertante, a reação inicial de Maria não poderia ser diferente, como diz o
evangelista: «Maria ficou perturbada com essas palavras e começou a pensar
qual seria o significado da saudação» (v. 29). O embaraço criado é
consequência da novidade que estava acontecendo. Tanto o interlocutor de Maria
quanto a mensagem que ele trazia eram inesperados. Num lugar simples como
Nazaré, as coisas nunca mudavam, tudo permanecia do mesmo jeito. Por isso,
Maria não poderia imaginar uma visita tão diferente. Mas, diante da novidade e
ainda embaraçada, Maria começou a pensar, refletindo e questionando sobre o
significado de tudo aquilo, o que mostra a qualidade da sua fé.
O embaraço de
Maria diante da novidade de Deus provou até medo, o que também é compreensível,
tamanha a grandeza do acontecimento. Daí, o encorajamento do próprio Deus, por
meio de seu mensageiro: «Não tenhas medo, Maria, porque encontraste graça
diante de Deus» (v. 30). Aqui, é a primeira vez que ela é chamada pelo nome
pelo próprio mensageiro divino. No início do texto ela foi chamada assim pelo
narrador (v. 27). Ser chamada pelo nome pelo mensageiro de Deus é sinal de
muita predileção. É sinal da grandeza da missão para a qual ela está sendo
chamada. Na Bíblia, o nome de uma pessoa indica sua identidade e sua missão. Quando
Deus chama pelo nome, quer dizer que ele escolheu criteriosamente e, portanto,
vai ficar sempre do lado daquela pessoa. A graça de Deus em sua vida é um dom gratuito
e permanente, o que garante o êxito na missão. Não é resultado de um esforço
humano, mas fruto do amor livre e gratuito de Deus. Por isso, tendo-a
encorajado após o natural turbamento, o mensageiro de Deus explica os
acontecimentos e diz qual será o papel de Maria na nova história que está sendo
inaugurada: «Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome
de Jesus. Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe
dará o trono de seu pai Davi. Ele reinará para sempre sobre os descendentes de
Jacó, e o seu reino não terá fim» (vv. 31-33). A missão de
Maria é de uma mulher autônoma, emancipada: conceber, dar à luz, pôr o nome.
Pela tradição, quem dava o nome à criança era o pai, principalmente se o filho
fosse varão. No entanto, com limiar de um novo tempo, a história toma um novo
rumo com o protagonismo da mulher. É o começo de uma história a partir dos pequenos.
Simultâneo à explicação
da missão de Maria, também vem explicada a missão e a identidade do filho, que
é o centro do relato, começando pelo nome Jesus, o qual significa «Deus
salva»; de fato, aqui está o sentido de todos estes acontecimentos. A ação
salvífica de Deus, até então bloqueada pela religião do templo, de agora em
diante se estenderá a todas as gerações e a todos os lugares. Sendo «Filho
do Altíssimo», ninguém terá poder sobre Ele, como a
religião tinha sobre a interpretação da Lei. Esse Filho ocupará de uma vez por
todas o trono de Davi; não terá sucessores, como acontecera no passado,
inaugurando um reino novo, na certeza de que esse não cairá nas mesmas
contradições que ocorreram no antigo reino de Israel. Assim, cumprem-se as
promessas do Antigo Testamento, mas não conforme as expectativas. «Deus
salva» a partir dos pequenos e das margens; será essa a principal
característica do Reino que está prestes a ser inaugurado. A interação de Maria
com o anjo revela uma nova concepção de Deus. O Deus soberano e distante é
coisa do passado. O Deus do diálogo entra em cena: vindo ao encontro da
humanidade, escolhendo o lado mais fraco da história, permite ser questionado
por uma jovem mulher. Assim, Maria antecipa um jeito novo de relacionar-se com
Deus, quebrando protocolos, abandonando rituais, interagindo diretamente: «Como
acontecerá isso, se eu não conheço homem algum?» (v. 34). Ela
compreende que é possível dialogar com Deus e até questioná-lo, afinal, Ele
quis ser um de nós! Mais do que percepção e cognição, o verbo conhecer (em
grego: γινώσκω –
guinôsko) na tradição bíblica significa intimidade, e até mesmo relação
sexual; é nesse sentido que Lucas o emprega aqui. De fato, embora já
fossem considerados marido e mulher, na primeira etapa do casamento não era
permitido ter relação sexual. Na pergunta de Maria, Lucas antecipa o modelo
ideal de discipulado: crente, confiante, perspicaz e questionador. A fé
autêntica não está imune a questionamentos, pelo contrário. Com a crescente
mercantilização do sagrado, o exemplo questionador de Maria se torna cada vez
mais necessário no discipulado de Jesus; isso vale para todos os tempos. O questionamento
de Maria, portanto, é fruto de uma fé madura e ativa.
À nova
humanidade questionadora, prefigurada por Maria, Deus não responde com castigo,
como muitos ainda hoje insistem. A resposta de Deus, através do anjo, é de quem
acredita no ser humano e tem paciência com ele: «O Espírito virá sobre
ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra. Por isso, o menino que
vai nascer será chamado Santo, Filho de Deus» (v. 35). Além da
capacidade de Deus agir de modo completamente novo, extraordinário e
surpreendente, a concepção divina de Jesus, dispensando a intervenção
masculina, marca também um rompimento com a tradição familiar patriarcal. A
figura masculina deixa de ser o centro da família e da sociedade, preconizando
um mundo novo marcado pela igualdade nas relações. Com a promessa da vinda do
Espírito sobre Maria, Lucas introduz um dos temas mais importantes da sua
teologia, mostrando que é o Espírito Santo quem anima e conduz a vida da
comunidade cristã, o que ficará mais claro no segundo volume da sua obra, o
livro dos Atos dos Apóstolos. Ainda em resposta ao questionamento de Maria, o
mensageiro de Deus cita, como sinal, o exemplo de Isabel, uma anciã considerada
estéril, porém fecundada graças à intervenção divina (v. 36). Os dois casos,
uma anciã estéril e uma jovem virgem grávidas, ressaltam a grandeza e a bondade
de Deus; mostram que para Ele nada é impossível (v. 37). Como é a partir das
dúvidas que a fé se torna sólida, Maria chega à conclusão da veracidade do
anúncio e se prontifica a colaborar decisivamente com o projeto de Deus para a
construção de um mundo novo e de uma humanidade renovada: «Eis aqui a
serva do Senhor» (v. 37a). Mais do que uma prova de humildade,
a resposta de Maria é uma profissão de fé, amor e confiança. Com a
expressão «a serva do Senhor», Maria não dá uma simples declaração
de humildade, mas se apresenta como colaboradora de Deus. Ora, no Antigo
Testamento, “servo do Senhor” era um título de honra, aplicado apenas a figuras
masculinas, tanto individuais quanto corporativas. O servo é aquele que
participa da obra. Aplicando a si, Maria diz que também as mulheres podem ser
colaboradoras de Deus e de seu plano salvífico.
O
consentimento livre e espontâneo, depois de um diálogo franco e sincero,
demonstra a autonomia e a confiança de Maria: «faça-se em mim segundo a
tua palavra» (v. 37b). Naquelas circunstâncias históricas, a mulher não
tinha nenhum poder de decisão; só o pai ou o marido poderiam decidir por ela. Inclusive,
a etapa da promessa, na qual Maria se encontrava, era a fase de maior submissão
da mulher, pois ela estava submissa simultaneamente a dois homens: ao pai e ao
futuro marido. Antes dessa etapa, era submissa apenas ao pai, e depois das
bodas passa a ser submissa apenas ao marido. Ao ser consultada e responder
sozinha, sem pedir permissão a nenhum homem, Maria rompe completamente com os
condicionamentos culturais da época, tirando a mulher da humilhante situação de
submissão. O seu sim é um ato de fé, de confiança em Deus, mas também de
coragem e subversão. Assim, ela afirma a dignidade da mulher, e reivindica o
primado da Palavra na vida da Igreja, da qual ela é modelo. Abrindo-se com
disponibilidade para o cumprimento da palavra, ela se torna exemplo de
discípula, sendo a primeira a compreender o programa de Jesus, cujas relações
são definidas mais pela escuta da Palavra do que pelos laços sanguíneos (Lc
8,19-21).
Neste contexto
de preparação para a acolhida do Senhor, é indispensável olhar para o exemplo
de Maria. Com seu testemunho de fé no Senhor, com o espírito questionador, com
sua autonomia e coragem, ela se torna modelo e exemplo para o discipulado de
todos os tempos. Tudo isso porque deixou a Palavra “fazer-se” em sua vida. E
para sentir os sinais da sua vinda/presença, o Senhor nos convida, através do
exemplo de Maria, a olhar para as margens, ouvir os silenciados de sempre e,
assim, construir uma nova história. Isso é fazer acontecer conforme a Palavra.
Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues – Diocese de Mossoró-RN
Obrigado Pe. Pela excelente contribuição! Nos ajuda nanfé!
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