A liturgia deste
décimo nono domingo do tempo comum propõe, para o evangelho, a leitura de Mt
14,22-33. Trata-se do relato da manifestação de Jesus andando sobre o mar, indo
ao encontro dos seus discípulos que corriam perigo na barca, devido à agitação
das ondas. É um episódio narrado também por Marcos e João (Mc 6,45-52; Jo 6,12-21),
sendo que a versão de Mateus se sobressai sobre as demais, possuindo mais
elementos exclusivos. O fato de ser um episódio comum a Mateus, Marcos e João já
constitui uma primeira novidade, pois, geralmente, quando uma cena é narrada
apenas por três evangelhos, esses são Mateus, Marcos e Lucas, conhecidos como
os três sinóticos. É sempre importante recordar que os evangelhos enquanto
livros escritos não são relatos cronísticos da vida de Jesus, mas narrativas catequéticas
para a formação do discipulado e a edificação das comunidades cristãs de todos
os tempos, começando por aquelas onde atuavam os respectivos evangelistas
(autores). No caso específico do Evangelho de Mateus, escrito cerca de cinco
décadas após a morte e ressurreição de Jesus, ele visa responder a
uma comunidade profundamente marcada por crises, causadas tanto por aspectos
externos quanto internos. E o evangelista responde às crises da sua comunidade
recordando momentos de crise vividos pelo próprio Jesus junto com seus
primeiros discípulos, e ilustrando conforme a sua própria criatividade e o uso
de tradições disponíveis. O evangelho de hoje é uma boa demonstração desse
processo.
O capítulo
quatorze de Mateus começa relatando a morte de João, o Batista, que fora
decapitado a mando de Herodes (Mt 14,1-12). Apesar das divergências de
mentalidade, Jesus e João eram muito próximos afetivamente, e eram conscientes
da continuidade entre os dois. Inclusive, há fortes indícios de que, antes de
constituir o seu próprio grupo de seguidores, Jesus fora discípulo de João. Contudo,
apesar dessa proximidade, é certo que Jesus não correspondeu às expectativas de
João, que esperava um messias guerreiro, justiceiro e até violento (Mt 3,1-12), conforme a ideologia nacionalista vigente,
ancorada no messianismo davídico. Contudo, os dois eram próximos. Por isso,
inevitavelmente, a morte trágica do Batista abalou profundamente a
Jesus e seus seguidores, tanto pelo afeto que os unia, quanto pela certeza de
que ele tinha tudo para ser a próxima vítima da fúria imperial. Diante disso, Jesus
sentiu a necessidade de um momento sozinho para rezar, meditar e, talvez, até
chorar. Por isso, o evangelista diz que ele «foi a um lugar deserto
para estar a sós» (Mt 14,13). Porém, ele não conseguiu de imediato
esse desejado momento para estar sozinho porque as multidões o seguiam e até
chegavam antes dele ao destino, pela ânsia que tinham de libertação e já tinham
percebido que Jesus, de fato, era sinal de libertação e esperança, como agente humanizador
no mundo, mediante o amor misericordioso de Deus que ele revelava.
O drama era
total: comovido pela morte do seu mentor, o Batista, e sabendo ele também não
demoraria muito a ser condenado e morto, Jesus encontra-se no deserto diante de
uma grande multidão faminta que foi ali somente para vê-lo e ouvi-lo. Diante disso,
seu sentimento não poderia ser outro: «teve compaixão» (Mt
14,13). A compaixão em Jesus não era um mero sentimento; era motivação para uma
ação concreta que restabelecesse a dignidade e a vida em plenitude nas pessoas,
essa vida em plenitude pressupõe a saúde do corpo e da alma. A compaixão de
Jesus era força humanizante para as pessoas, sobretudo as mais vulneráveis,
marginalizadas e pobres. Essa situação, inclusive, gerou um pequeno atrito entre
Jesus e os discípulos: as multidões sentiram fome, pois encontravam-se numa
região deserta, e os discípulos, por comodismo, sugeriram a Jesus que as mandasse
embora e, assim, cada um se virasse por conta própria. Jesus, ao contrário, diz
que são os discípulos que devem providenciar o alimento para as multidões famintas: «Dai-lhes
vós mesmos de comer» (Mt 14,16); os discípulos reclamam que aquilo
que eles têm é muito pouco para tanta gente: apenas cinco pães e dois peixes;
Jesus mostra que é exatamente daquilo que é pouco e pequeno que a mudança pode
acontecer (Mt 14,21). Quando o pouco é colocado em comum, surge a abundância.
Por isso, o milagre aconteceu e todos ficaram saciados. A partilha é sempre um
milagre, sobretudo quando é motivada pelo amor. Certamente, o clima entre Jesus
e os discípulos ficou pesado e o momento de solidão para a oração e reflexão se
tornou ainda mais necessário. É esse o contexto do Evangelho de hoje: crise
pessoal em Jesus, crise na sua relação com os discípulos e, sobretudo, crise entre
os discípulos.
Feitas as
devidas observações a nível de contexto, olhemos para o texto de hoje, partindo
do primeiro versículo, que diz: «Jesus mandou que os discípulos
entrassem na barca e seguissem à sua frente, para o outro lado do mar, enquanto
ele despedia as multidões» (v. 22). Nossa primeira observação é a respeito
da tradução do texto litúrgico: ao invés de “Jesus mandou”, é mais correto e
mais fiel ao texto original que “Jesus obrigou” os discípulos a entrar na barca.
Jesus não está dando uma sugestão, mas impondo uma condição para a
comunidade: ir «para o outro lado do mar», ou seja, para a outra margem. Ora,
ir para a outra margem significa abandonar o comodismo e expor-se aos perigos,
aos riscos. A outra margem do mar da Galileia era o território dos pagãos, e
essa ordem de Jesus significa a universalidade do seu Evangelho. A barca é a
imagem da comunidade cristã, sobretudo no Evangelho de Mateus; ela só tem razão
de existir se estiver em estado de travessia, enfrentando perigos e levando a
mensagem de Jesus a todos os lugares, sem distinção. A uma situação de crise na
comunidade, Jesus responde com novos desafios, não suavizando nem enganando. Com
isso, o evangelista recorda que ser Igreja é estar sempre em saída. Sem movimentos
de travessia não existe fidelidade ao projeto de Jesus. Talvez, os discípulos esperassem
até um reconhecimento ou comemoração, após o milagre da partilha dos pães,
afinal, eles tinham colaborado diretamente, pois o próprio Jesus ordenou que
eles providenciassem o alimento das multidões, com a ordem «Dai-lhes vós
mesmos de comer» (Mt 14,16). Mas o que Jesus faz é encaminhá-los
para novos desafios, como enfrentar o mar e chegar nas terras dos pagãos, o que
todo judeu observante queria evitar.
Jesus não
renunciou ao seu momento de oração pessoal, por isso, tendo despedido as
multidões e os discípulos, el «subiu ao monte para orar a sós. A noite
chegou, e Jesus continuava ali, sozinho» (v. 23). A oração pessoal de
Jesus é um tema bem menos frequente em Mateus, comparando-o a Lucas, por
exemplo, mas indispensável. Na verdade, na narrativa de Mateus, Jesus só se
retira para rezar duas vezes: aqui, e já no contexto da paixão, quando reza no
Monte das Oliveiras (Mt 26,36). Trata-se de um dado que pode parecer simples,
mas é muito significativo. Quer dizer que a oração, na perspectiva de Mateus,
está sempre associada a momentos dramáticos da vida de Jesus, marcados por
crises e necessidade de renovação das convicções da missão. Isso significa que
o evangelista não ignora nem torna secundária a oração na vida de Jesus, mas a
valoriza tanto, a ponto de reservá-la para momentos de grande relevância. Nesse
primeiro momento, a oração está associada à crise provocada pela morte do Batista
e o confronto com os discípulos; no segundo, já no contexto da paixão, está
associada à própria morte de Jesus, que também ocasionará crise entre os
discípulos, tanto durante o processo e condenação quanto até mesmo nos primeiros
momentos após a ressurreição. A oração acontece no monte que, na tradição
bíblica, é o lugar do encontro com Deus, lugar da intimidade com o Pai e Criador.
Embora a fé cristã seja essencialmente comunitária, a necessidade de momentos
para estar sozinho e em silêncio é indispensável. Jesus sentiu essa necessidade
e nada lhe fez renunciar. É importante recordar essa dimensão, até para evitar ativismos
desenfreados. E ele tinha acabado de fazer um “milagre” maravilhoso: junto com
os discípulos, tinha alimentado uma grande multidão de pessoas famintas. Certamente,
sua oração foi também um agradecimento ao Pai por isso.
Logo nos dois
primeiros versículos do evangelho de hoje, portanto, percebemos duas posturas
indispensáveis para a comunidade cristã, ensinadas por Jesus e tão bem recordadas
pelo evangelista: o cultivo da vida de oração e o colocar-se em estado de saída,
em alto mar, enfrentando os riscos que isso comporta. Por isso, na continuidade
do relato, o evangelista diz que, quando a barca já estava longe da terra, ou
seja, em alto mar, ela «era agitada pelas ondas, pois o vento era
contrário» (v. 24). Essa imagem da barca agitada pelas ondas é
exclusiva de Mateus. Nos outros evangelhos que possuem versão paralela do
episódio, fala-se apenas do vento contrário e da dificuldade de os discípulos
remarem na adversidade. Apenas Mateus diz que a barca estava agitada. Embora a
barca seja imagem da Igreja em praticamente todas as tradições literárias e
teológicas da Igreja nascente, é em Mateus que ela é mais valorizada. A barca
agitada pelas ondas representa a situação da Igreja em saída em todos os
momentos da história. O termo vento (em grego: άνεμος – ánemos), merece uma consideração especial: ele aparece três vezes no
texto de hoje (vv. 24. 30. 32), e representa os três principais obstáculos que
atrapalhavam a comunidade cristã no anúncio do Reino, na época da redação do
Evangelho de Mateus, em meados dos anos 80 do primeiro século: 1) a oposição
das lideranças da sinagoga (judaísmo oficial); 2) as forças do império romano,
3) o medo/comodismo dos próprios discípulos. São três obstáculos a serem enfrentados
para o Evangelho alcançar a outra margem e chegar no mundo inteiro.
Dos três
obstáculos que a ameaçavam a comunidade em sua “travessia”, o principal era o
medo/comodismo dos discípulos, ou seja, a resistência e a tentação do comodismo
ou até mesmo a desistência. Isso quer dizer que a comunidade é desafiada
constantemente por forças externas e internas, sendo as internas as mais
perigosas. Mas, quando a comunidade está prestes a sucumbir, eis que Jesus se
manifesta e vai ao seu encontro «andando sobre o mar» (v. 25).
O mar, na mentalidade bíblica, evoca perigo, morte, domínio do mal, é sinônimo
do que é caótico, algo que o ser humano não tem forças para controlar. Porém,
conforme essa mesma mentalidade, Deus tem o controle de tudo e pode, de fato,
controlar até o mar, como fizera outrora, ao libertar o seu povo da escravidão
do Egito (Ex 14,24ss; Sl 77,16-20). Essa cena é um recado para a comunidade de
Mateus, sufocada pelos três ventos mencionados anteriormente, e para a Igreja
em todos os tempos: em Jesus, o Reino dos céus em pessoa, é possível superar o
mal e todas as forças contrárias. Porém, só é possível vencer as hostilidades
do mundo se enfrentá-las. Só vence o mar quem se arrisca nele. A imagem de Jesus
andando sobre o mar, portanto, não é a crônica de mais um milagre, e sim a
demonstração de ele não se intimida diante do mal; ele enfrenta e vence. Por isso,
esse texto é altamente carregado de ressonâncias pascais: faz memória do
primeiro êxodo e antecipa o êxodo definitivo, que é a Ressurreição de Jesus,
quando ele venceu definitivamente o mal e sua principal consequência, que é a
morte.
Com a falta de
confiança e convicção, a hostilidade só faz crescer na comunidade, como
aconteceu com os discípulos: «Quando avistaram Jesus andando sobre o
mar, ficaram apavorados e disseram: ‘É um fantasma!’. E gritaram de medo» (v.
26). O medo (em grego: φόβος – fóbos) tem sido o
maior obstáculo da Igreja em todos os tempos. O medo constrói fantasmas e
gera terror. Foi esse medo que fez a Igreja criar “inimigos” para si ao longo
da história, distanciando-se do Evangelho. O medo é o tipo de vento que mais
impede a Igreja de alcançar a outra margem, ou seja, de chegar onde ninguém
chega, onde estão os excluídos e marginalizados. Por isso, ao medo dos
discípulos, Jesus responde com uma declaração e um imperativo: «Coragem!
Sou eu. Não tenhais medo!» (v. 27). É preciso coragem e
confiança no Deus que, simplesmente, É! De fato, com a afirmação «Sou
eu» (em grego: έγώ είμι – egô
eimí), Jesus recorda e atualiza a ação do Deus libertador do Êxodo (Ex
3,14), o qual também fez o seu povo passar para a outra margem do mar,
conquistando a libertação da escravidão. A libertação só pode ser alcançada
quando o medo for superado. Toda vez que Jesus pronuncia a fórmula «Sou eu/Eu
sou» ele está afirmando sua identidade divina. No Evangelho de Mateus, essa
afirmação possui uma relevância ainda maior, pois recorda, além da identidade
de Jesus, também a sua presença constante na vida da comunidade. No início do
Evangelho, ele fora apresentado como «Deus é conosco» ou «Deus está
conosco», e trata-se do mesmo Deus libertador e do êxodo. É o Deus que
liberta e humaniza, não porque faz grandes prodígios, mas porque está presente,
caminha e é.
Diante da
presença de Jesus que anda sobre as águas, Pedro assume o papel de porta-voz do
grupo e se manifesta: «Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro,
caminhando sobre a água» (v. 28). É exatamente nessa passagem
que Pedro assume o protagonismo entre os discípulos, especialmente no Evangelho
de Mateus. A partir de agora, sempre que ele falar, será como síntese do grupo.
Sua fé é parâmetro da fé da comunidade. Ele assume um protagonismo único, mas
que nem sempre será um protagonismo positivo; na verdade, é cheio de
contradições, cuja demonstração maior será a tríplice negação. De agora em
diante, ele será sempre o primeiro a agir, a responder e a propor, e quase
sempre será repreendido por Jesus. Mas é exatamente por isso que ele se torna
modelo de discípulo válido para todos os tempos, pois as suas atitudes mostram
que Jesus não busca pessoas perfeitas para o seu seguimento, mas homens e
mulheres normais, com qualidades, defeitos e contradições. Inclusive aqui,
nessa primeira intervenção como como porta-voz dos discípulos, Pedro já começa
de maneira bastante negativa, pondo Jesus à prova. A sua proposta aqui é a
mesma do diabo no episódio das tentações (Mt 4,1-11), e dos zombadores no
calvário (Mt 27,40): «se tu és...». Essa forma condicional de pedir
sinais a Jesus é sempre uma tentação, além de ser também uma demonstração de
falta de convicção e de fé sólida. Por isso, o próprio Pedro se sentirá
afundando, como dirá a sequência do texto.
A resposta de
Jesus ao pedido absurdo e tentador de Pedro é muito clara: «Vem!» (v.
29). É uma resposta-convite para o próprio Pedro perceber a sua fé imatura e
contraditória. Jesus não chamou Pedro para dar uma prova do seu poder, mas para
mostrar o quanto aquele discípulo ainda estava equivocado. Caminhar sobre as
águas era, para Pedro, prova de poder sobre o mal e vitória sobre os
obstáculos, uma ideia de triunfalismo, pois ele queria vencer sem lutar, como
se a palavra de Jesus fosse mágica. Ao convidar Pedro a andar sobre a água,
Jesus queria que ele se conscientizasse de sua vulnerabilidade, como, de fato, aconteceu: «Quando
sentiu o vento, ficou com medo e, começando a afundar, gritou: ‘Senhor,
salva-me’!» (v. 30). Pedro ainda estava incapacitado para
enfrentar os ventos contrários. Por isso, queria vencê-los milagrosamente. Essa
passagem específica também reforça a importância e a necessidade da comunidade na
vivência da fé. Pedro começou a afundar porque deixou a barca, fez uma proposta
individual, deixando os demais discípulos na barca, a mercê. No meio da
tempestade, a barca se agitou pela força das ondas, mas resistiu, não afundou. Quando
saiu da barca, Pedro começou a afundar. Os momentos de Jesus a sós com os discípulos
são sempre ocasião para catequese e aprofundamento. E essa oportunidade não
poderia passar desperdiçada. Por isso, ao ver Pedro afundar em sua falta de
fé, «Jesus logo estendeu a mão, segurou Pedro e lhe disse: ‘Homem fraco
na fé, porque duvidaste?’» (v. 31). A repreensão de Jesus a
Pedro, chamando-o de homem de “pouca fé” ou “fraco na fé” (em grego: όλιγόπιστος –
oligópistos), não foi porque ele começou a afundar enquanto caminhava, pois era
impossível não afundar, mas pela mesquinhez de necessitar de um sinal para
crer. Assim, Jesus repreende a Igreja e seus membros quando buscam sinais
extraordinários e não se esforçam para contornar situações adversas, ou seja,
quando se recusam a ir em direção à outra margem por medo e comodismo,
apoiando-se em falsos triunfalismos. Quando a comunidade valoriza mais os
sinais extraordinários e milagres do que a luta pela justiça, a inclusão, e a
superação das desigualdades, ela está, como Pedro, desempenhando a função de
tentadora de Jesus, ao invés de ser edificadora do Reino.
Ao subirem no
barco, Jesus e Pedro, diz o texto que «O vento se acalmou» (v.
32). É a confiança que foi recuperada, a certeza de que, com Jesus, seguindo a
sua palavra, a comunidade pode superar os obstáculos, vencer as barreiras e
conseguir chegar à outra margem. Assim, «Os que estavam no barco
prostraram-se diante dele, dizendo: ‘Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus!’»
(v. 33). Temos aqui uma atitude importante que mostra a necessidade de uma
conversão contínua na vida da comunidade cristã, marcada pela renovação das
convicções. A prostração, especialmente no Evangelho de Mateus, é a atitude de
adoração, de reconhecimento da divindade de Jesus. Inclusive, os primeiros a
fazer isso foram os magos estrangeiros (Mt 2,11), os quais também têm a
oferecer e a ensinar. No encontro com o Ressuscitado, no final do Evangelho, os
discípulos repetirão o gesto e, também ali, dirá o evangelista que alguns ainda
duvidaram (Mt 28,17). Logo, a dúvida sempre estará presente na vida da
comunidade; porém, não pode levar os discípulos a trocarem o compromisso de
superar as adversidades com responsabilidade por sinais extraordinários e
fantasiosos. As situações de perigo e provação devem levar a Igreja à
autocrítica e, assim, perceber qual é o seu verdadeiro papel no mundo e qual o
rumo que Jesus quer que ela tome. Com essa confissão comunitária, a qual será
retomada por Pedro no episódio de Cesaréia de Filipe (16,16), Mateus está
mostrando um progresso na fé da sua comunidade: em um episódio anterior, quando
também Jesus e os discípulos estavam num barco e foram ameaçados pela
tempestade, Jesus agiu, salvou-os do perigo, e os discípulos, admirados,
perguntaram: «Quem é este a quem até os ventos e o mar obedecem?» (8,27). A
resposta foi dada agora, seis capítulos depois: é o Filho de Deus, aquele que é
e está sempre presente, oferecendo amor e misericórdia, dando a mão aos
necessitados, humanizando o mundo.
O evangelho
deste dia interpela a Igreja a tomar atitudes que podem colocá-la em perigo,
mas essa é a razão da sua existência. É preciso alcançar outras margens, as
periferias existenciais, os lugares onde só é possível chegar se perder o medo.
Para isso, é necessário ter muita convicção da presença de Jesus em seu meio,
mesmo que seja difícil reconhecê-lo, muitas vezes; e, na certeza dessa
presença, enfrentar os mares com seus ventos, buscando uma fé madura para não
se contentar com sinais ou espetáculos, mas buscar sempre a construção do Reino
de Deus, que também é nosso.
Pe. Francisco
Cornelio F. Rodrigues - Diocese de Mossoró-RN
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