sábado, dezembro 02, 2023

REFLEXÃO PARA O 1º DOMINGO DO ADVENTO – MARCOS 13,33-37 (ANO B)

 


Neste domingo – o primeiro do advento – a Igreja inicia um novo ano litúrgico, convidando-nos, mais uma vez, a percorrer o caminho de Jesus Cristo, contemplando o mistério da sua vida, desde anúncio do seu nascimento até a ressurreição e ascensão. O tempo do advento, iniciado hoje, é a primeira etapa desse itinerário catequético-espiritual. O termo advento (adventus em latim) significa “visita”, “chegada” ou “vinda”; possui o mesmo significado do termo grego parusia (παρουσία). Fazia parte do vocabulário das religiões pagãs no império romano, sendo usado em referência às supostas visitas das divindades aos seus respectivos templos, e no âmbito civil era usado para designar as visitas de funcionários ilustres e dos imperadores às cidades e províncias do império. Por volta do século IV, o cristianismo absorveu a palavra advento, passando a utilizá-la no contexto do Natal, a visita de Deus ao mundo, por excelência, uma vez que já estava consolidado o uso do termo grego “parusia” para designar a segunda vinda de Cristo. Como o próprio termo evoca, uma visita especial é sempre motivo de esperanças e expectativas, e essa é uma das características principais do tempo do advento. E a esperança suscitada com esse tempo gira em torno da construção de um mundo novo, no qual devem reinar a justiça, o amor e a paz.

Com o início do novo ano litúrgico (ano B), iniciamos também a leitura do Evangelho de Marcos, como é típico ciclo do litúrgico B. Porém, não iniciamos a leitura do início do Evangelho, mas do seu final, precisamente do discurso escatológico. A leitura semi-contínua só será percebida no tempo comum. Por isso, o texto proposto para hoje é Mc 13,33-37. Essa passagem é o último ensinamento de Jesus no Evangelho de Marcos, o que lhe confere bastante importância, antecedendo o relato da paixão. O discurso escatológico, que pertence ao gênero literário apocalíptico, está presente nos três evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), e trata das realidades últimas e finais da história, antecedendo as narrativas da paixão, morte e ressurreição de Jesus, conforme a estrutura dos evangelhos mencionados. A princípio, parece até paradoxal que a preparação para o Natal seja iniciada com palavras sobre as realidades últimas. Porém, é necessário compreender o advento como uma oportunidade de preparação para a vinda constante do Senhor na vida de cada pessoa, tornando essa vinda uma presença contínua, ao invés de apenas alimentar uma expectativa futurista e preparar para uma única data ou evento. E, embora use imagens para falar das realidades últimas, o objetivo do discurso escatológico é ajudar a comunidade a viver o hoje como se já fosse o futuro, alimentando a esperança e estimulando a luta pela transformação do mundo já agora, com a superação das injustiças, da violência e do ódio. Por isso, mais do que falar de uma vinda, é mais oportuno recordar a necessidade de acolher uma presença que já está inserida no mundo, mas precisa ser acolhida e experimentada na vida de cada pessoa. É importante também perceber a continuidade do tempo: como nos últimos domingos do ano litúrgico anterior refletimos, a partir do discurso escatológico de Mateus, o tema da vigilância, é também com esse tema que abrimos o novo ano, partindo, porém, da perspectiva de Marcos.

O trecho lido na liturgia de hoje contém as últimas palavras de Jesus antes do relato da paixão, conforme a estrutura do Evangelho de Marcos. É necessário fazer uma pequena contextualização para uma compreensão mais adequada dele. Jesus se encontrava em Jerusalém, vivendo a última fase do seu ministério; ao sair do templo, os discípulos expressaram admiração a respeito da magnitude daquela grande construção. À essa admiração, Jesus respondeu que dali não restaria pedra sobre pedra. Diante dessa resposta, os quatro primeiros discípulos chamados ao seguimento – Pedro e André, Tiago e João – lhe perguntaram, à parte, sobre quando e como estas coisas aconteceriam (Mc 13,1-4). A resposta de Jesus associa estes acontecimentos à sua vinda gloriosa, sem fornecer nenhuma indicação de tempo. O evangelho de hoje é a conclusão dessa resposta. Ainda a nível de contexto, é necessário recordar o versículo que antecede de imediato o nosso texto: «Ora, a respeito daquele dia ou hora, ninguém sabe, nem os anjos no céu, nem o Filho, mas somente o Pai» (Mc 13,32). Ora, passados alguns anos após a ressurreição de Jesus, os cristãos começaram a inquietar-se, pois esperavam com muita ânsia pela segunda vinda do Senhor e, como essa não acontecia, muitos desanimavam, sobretudo quando começaram as perseguições. Por isso, explorou-se bastante a pregação sobre a imprevisibilidade dessa vinda, enfatizando que o importante é manter vivo o espírito de vigilância, sem preocupação com o dia ou a hora, o que se reflete nos evangelhos e em outros textos do Novo Testamento.

Passada a contextualização, olhemos para o texto da liturgia de hoje, começando pelo primeiro versículo, que diz: «Cuidado! Ficai atentos, porque não sabeis quando chegará o momento» (v. 33). Como se vê, o texto começa com uma advertência; uma chamada de atenção tendo em vista a imprevisibilidade da segunda vinda do Senhor e dos acontecimentos que lhe precederão. O termo traduzido pelo lecionário por momento, na língua original do texto, é kairós (καιρός). Essa palavra possui grande valor teológico no Novo Testamento, sendo empregada para designar o tempo oportuno, tempo da salvação; aponta para oportunidades que não podem ser desperdiçadas pelo povo. Aqui, refere-se ao tempo da manifestação do Senhor, um momento único para a humanidade encontrar-se verdadeiramente com ele. Por sinal, a palavra-chave do texto de hoje é o verbo vigiar, o qual vem empregado quatro vezes (vv. 33.34.35.37), sendo três delas no imperativo (vv. 33.35.37). Onde está expressão “ficai atentos”, deveria ser o imperativo “vigiai”, considerando o verbo empregado pelo evangelista na língua original do texto (em grego: ἀγρυπνέω – agrypneo). Diante da indefinição do momento do retorno do Senhor, sua manifestação definitiva na história, não há outra saída para a comunidade a não ser a vigilância. Essa vigilância consiste no empenho dos cristãos e cristãs em transformar o mundo com a força maior do Evangelho: o amor. Esse versículo, portanto, prepara o leitor/ouvinte para a pequena parábola que vem a seguir, mostrando como deve ser feita essa vigilância.

Na continuação do texto, temos uma pequena e rica parábola que ilustra a necessidade da vigilância: «É como um homem que, ao viajar para o estrangeiro, deixou sua casa sob a responsabilidade de seus empregados, distribuindo a cada um, sua tarefa. E mandou o porteiro ficar vigiando» (v. 34). Com apenas um versículo Marcos consegue contar uma parábola extraordinária, o que revela suas qualidades de bom narrador e poder de síntese. Mateus e Lucas tomaram essa parábola e a ampliaram, construindo, cada um à sua maneira, parábolas maiores: a parábola dos talentos (Mt 25,14-30), e a parábola das minas (Lc 19,11-28), respectivamente. Como se sabe, Marcos é evangelista mais econômico nas palavras, o que não significa menos profundidade no seu Evangelho. A partida do homem para o estrangeiro equivale ao intervalo temporal entre a ascensão e a tão esperada, porém desconhecida, segunda vinda do Senhor. É um tempo indeterminado, mas é o tempo oportuno para a edificação do Reino. O evangelista quer ensinar à sua comunidade que, ao invés de preocupar-se com questões relativas ao tempo em que o Senhor virá, o importante é trabalhar para a sua mensagem manter-se viva e atuante na vida das pessoas, uma vez que ele nunca se ausenta da comunidade que vive o amor. Para isso, é importante que cada membro da comunidade se sinta responsável, como servo bom e fiel, pelo bem-estar da casa.

É importante o uso da imagem da casa (em grego: οἰκία); é imagem da fraternidade e das pequenas comunidades, enquanto realidades onde o Reino é construído. É também uma imagem universalista, comum a todas as culturas, ao contrário da vinha, por exemplo, que era uma imagem exclusivista para designar o povo de Israel. Recorda também a humanidade inteira e a própria terra, enquanto a casa comum, que depende do cuidado e da responsabilidade de todas as pessoas. Nas versões de Mateus e de Lucas, o dono da casa é substituído por um homem rico, dono de propriedades, que viaja e deixa grandes fortunas (talentos e minas) para seus servos administrarem. Um dono de casa significa uma pessoa mais acessível e íntima, que conhece cada detalhe do funcionamento da casa. Por isso, é uma imagem que se aproxima mais da pessoa de Jesus. E Marcos é o evangelista que mais valoriza a casa como imagem da comunidade cristã, apresentando-a como sinônimo de fraternidade e comunhão, como um espaço onde todas as pessoas se conhecem reciprocamente e vivem relações sinceras e fraternas. Na casa, enquanto família, todos os membros têm a responsabilidade de não deixar faltar o amor e a concórdia, bem como o pão material, o que também é essencial. Das responsabilidades com a casa, merece destaque a figura do porteiro, que evoca o cuidado com todos, a proteção e a inclusão. Por isso, todos devem sentir-se também porteiros da casa, protegendo os que já estão dentro e abrindo a porta para todos que querem fazer parte da casa, que é a comunidade, embrião do Reino de Deus. Atuar como porteiro da casa não significa exercer a função de fiscal, para pedir credenciais às pessoas que devem entrar; significa, acima de tudo, possuir espírito de abertura e tolerância. Se a casa é imagem do Reino, ela deve ser espaço de acolhimento, inclusão, fraternidade e humanização.

Tendo em vista o sentido da casa, Jesus insiste para que seus discípulas e discípulas de todos os tempos vivam intensamente a fraternidade; que a humanidade seja uma grande família, sem exclusões e nenhum tipo de preconceitos. O perigo de esfriamento na vivência da fé e o consequente enfraquecimento da fraternidade era tão grande, a ponto de ser necessário insistir no imperativo “vigiai”. Assim, prossegue o texto: «Vigiai, portanto, porque não sabeis quando o dono da casa vem: à tarde, à meia-noite, de madrugada ou ao amanhecer» (v. 35). Sendo o Senhor o dono da casa, aos servos compete apenas vigiar, o que significa assumir a missão com responsabilidade. Porém, é necessário ressaltar, mais uma vez, a natureza dessa vigilância tão cara ao Senhor: não se trata de busca por segurança ou conforto e nem de longas vigílias de oração, mas simplesmente de manter o Evangelho vivo e atuante. Para isso, obviamente, é necessário o cultivo da oração, tanto comunitária quanto pessoal. E todos as pessoas têm essa responsabilidade de manter o Evangelho vivo. A comunidade vigilante é aquela na qual os sinais do Reino predominam: amor e justiça em abundância, com solidariedade e humanização. Onde esses valores abundam, o que menos tem importância é o tempo. Inclusive, quanto mais tardar o Senhor, mais frutos a casa/comunidade terá gerado; por isso, os cristãos e cristãs só podem ter pressa em uma coisa: em fazer o bem! os quatro momentos em que o dono da casa pode retornar correspondem a divisão que os romanos faziam da noite. No contexto desta passagem, significa que a vigilância deve predominar o tempo todo na comunidade.

E o motivo da vigilância é muito claro: «Para que não suceda que, vindo de repente, ele vos encontre dormindo» (v. 36). É claro que o texto não se refere ao dormir como a necessidade natural do ser humano, pois dessa ninguém pode privar-se, mas como a indiferença e a omissão em relação aos valores do Evangelho. Nesse caso, dormir é uma imagem que significa deixar de praticar a mensagem de Jesus Cristo, é sinônimo de abandonar o seu ensinamento. Por isso, o convite é novamente reforçado e, agora, com a sua dimensão universal ainda mais explícita: «O que vos digo, digo a todos: Vigiai!» (v. 37). Todos da comunidade, e em todos os tempos, são convocados à vigilância, que é a prática do amor e da justiça. As recomendações feitas aos discípulos de primeira chamada, interlocutores diretos de Jesus no contexto narrativo do discurso escatológico, são válidas para os cristãos e cristãs de todos os tempos. Isso reforça ainda mais a necessidade de criarmos intimidade com a Palavra de Deus, especialmente com os evangelhos. O que Jesus disse outrora, continua dizendo hoje. O que ele pediu aos quatro primeiros discípulos, pede aos cristãos e cristãs de todos os tempos.

Portanto, não importa quando o Senhor virá pela segunda vez. Procuremos celebrar a sua primeira vinda, ou seja, o Natal, como certeza de que Ele já veio e conosco permanece para sempre; porém, sua presença constante não será percebida enquanto não assumirmos a nossa responsabilidade na casa que Ele nos confiou: a família, a comunidade, o universo como “casa comum”. Para celebrarmos bem a certeza de que Ele já veio, só nos resta nos mantermos acordados, ou seja, praticando o amor, acima de tudo.

Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues - Diocese de Mossoró-RN

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