Neste
domingo – o primeiro do advento – a Igreja inicia um novo ano litúrgico,
convidando-nos, mais uma vez, a percorrer o caminho de Jesus Cristo,
contemplando o mistério da sua vida, desde anúncio do seu nascimento até a
ressurreição e ascensão. O tempo do advento, iniciado hoje, é a primeira etapa
desse itinerário catequético-espiritual. O termo advento (adventus em latim)
significa “visita”, “chegada” ou “vinda”; possui o mesmo significado do termo
grego parusia (παρουσία). Fazia parte do vocabulário das religiões pagãs no império romano, sendo
usado em referência às supostas visitas das divindades aos seus respectivos
templos, e no âmbito civil era usado para designar as visitas de funcionários
ilustres e dos imperadores às cidades e províncias do império. Por volta do
século IV, o cristianismo absorveu a palavra advento, passando a utilizá-la no
contexto do Natal, a visita de Deus ao mundo, por excelência, uma vez que já
estava consolidado o uso do termo grego “parusia” para designar a segunda vinda
de Cristo. Como o próprio termo evoca, uma visita especial é sempre motivo de
esperanças e expectativas, e essa é uma das características principais do tempo
do advento. E a esperança suscitada com esse tempo gira em torno da construção
de um mundo novo, no qual devem reinar a justiça, o amor e a paz.
Com o
início do novo ano litúrgico (ano B), iniciamos também a leitura do Evangelho
de Marcos, como é típico ciclo do litúrgico B. Porém, não iniciamos a leitura do
início do Evangelho, mas do seu final, precisamente do discurso escatológico. A
leitura semi-contínua só será percebida no tempo comum. Por isso, o texto
proposto para hoje é Mc 13,33-37. Essa passagem é o último ensinamento de Jesus
no Evangelho de Marcos, o que lhe confere bastante importância, antecedendo o
relato da paixão. O discurso escatológico, que pertence ao gênero literário
apocalíptico, está presente nos três evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e
Lucas), e trata das realidades últimas e finais da história, antecedendo as
narrativas da paixão, morte e ressurreição de Jesus, conforme a estrutura dos
evangelhos mencionados. A princípio, parece até paradoxal que a preparação para
o Natal seja iniciada com palavras sobre as realidades últimas. Porém, é
necessário compreender o advento como uma oportunidade de preparação para a
vinda constante do Senhor na vida de cada pessoa, tornando essa vinda uma
presença contínua, ao invés de apenas alimentar uma expectativa futurista e
preparar para uma única data ou evento. E, embora use
imagens para falar das realidades últimas, o objetivo do discurso escatológico
é ajudar a comunidade a viver o hoje como se já fosse o futuro, alimentando a
esperança e estimulando a luta pela transformação do mundo já agora, com a
superação das injustiças, da violência e do ódio. Por isso, mais do que falar
de uma vinda, é mais oportuno recordar a necessidade de acolher uma presença
que já está inserida no mundo, mas precisa ser acolhida e experimentada na vida
de cada pessoa. É importante também perceber a continuidade do
tempo: como nos últimos domingos do ano litúrgico anterior refletimos, a partir
do discurso escatológico de Mateus, o tema da vigilância, é também com esse
tema que abrimos o novo ano, partindo, porém, da perspectiva de Marcos.
O trecho
lido na liturgia de hoje contém as últimas palavras de Jesus antes do relato da
paixão, conforme a estrutura do Evangelho de Marcos. É necessário fazer uma
pequena contextualização para uma compreensão mais adequada dele. Jesus se
encontrava em Jerusalém, vivendo a última fase do seu ministério; ao sair do
templo, os discípulos expressaram admiração a respeito da magnitude daquela
grande construção. À essa admiração, Jesus respondeu que dali não restaria
pedra sobre pedra. Diante dessa resposta, os quatro primeiros discípulos
chamados ao seguimento – Pedro e André, Tiago e João – lhe perguntaram, à parte,
sobre quando e como estas coisas aconteceriam (Mc 13,1-4). A resposta de Jesus
associa estes acontecimentos à sua vinda gloriosa, sem fornecer nenhuma
indicação de tempo. O evangelho de hoje é a conclusão dessa resposta. Ainda a
nível de contexto, é necessário recordar o versículo que antecede de imediato o
nosso texto: «Ora, a respeito daquele dia ou hora, ninguém sabe, nem os
anjos no céu, nem o Filho, mas somente o Pai» (Mc 13,32). Ora,
passados alguns anos após a ressurreição de Jesus, os cristãos começaram a
inquietar-se, pois esperavam com muita ânsia pela segunda vinda do Senhor e,
como essa não acontecia, muitos desanimavam, sobretudo quando começaram as perseguições.
Por isso, explorou-se bastante a pregação sobre a imprevisibilidade dessa
vinda, enfatizando que o importante é manter vivo o espírito de vigilância, sem
preocupação com o dia ou a hora, o que se reflete nos evangelhos e em outros
textos do Novo Testamento.
Passada a contextualização,
olhemos para o texto da liturgia de hoje, começando pelo primeiro versículo,
que diz: «Cuidado! Ficai atentos, porque não sabeis quando chegará o
momento» (v. 33). Como se vê, o texto começa com uma
advertência; uma chamada de atenção tendo em vista a imprevisibilidade da
segunda vinda do Senhor e dos acontecimentos que lhe precederão. O termo
traduzido pelo lecionário por momento, na língua original do texto, é kairós
(καιρός). Essa
palavra possui grande valor teológico no Novo Testamento, sendo empregada para
designar o tempo oportuno, tempo da salvação; aponta para oportunidades que não
podem ser desperdiçadas pelo povo. Aqui, refere-se ao tempo da manifestação do
Senhor, um momento único para a humanidade encontrar-se verdadeiramente com
ele. Por sinal,
a palavra-chave do texto de hoje é o verbo vigiar, o qual vem empregado quatro vezes
(vv. 33.34.35.37), sendo três delas no imperativo (vv. 33.35.37). Onde está expressão
“ficai atentos”, deveria ser o imperativo “vigiai”, considerando o verbo
empregado pelo evangelista na língua original do texto (em grego: ἀγρυπνέω – agrypneo). Diante da indefinição do momento
do retorno do Senhor, sua manifestação definitiva na história, não há outra
saída para a comunidade a não ser a vigilância. Essa vigilância consiste no
empenho dos cristãos e cristãs em transformar o mundo com a força maior do
Evangelho: o amor. Esse versículo, portanto, prepara o leitor/ouvinte para a
pequena parábola que vem a seguir, mostrando como deve ser feita essa
vigilância.
Na
continuação do texto, temos uma pequena e rica parábola que ilustra a
necessidade da vigilância: «É como um homem que, ao viajar para o
estrangeiro, deixou sua casa sob a responsabilidade de seus empregados,
distribuindo a cada um, sua tarefa. E mandou o porteiro ficar vigiando» (v.
34). Com apenas um versículo Marcos consegue contar uma parábola
extraordinária, o que revela suas qualidades de bom narrador e poder de síntese.
Mateus e Lucas tomaram essa parábola e a ampliaram, construindo, cada um à sua
maneira, parábolas maiores: a parábola dos talentos (Mt 25,14-30), e a parábola
das minas (Lc 19,11-28), respectivamente. Como se sabe, Marcos é evangelista
mais econômico nas palavras, o que não significa menos profundidade no seu
Evangelho. A partida do homem para o estrangeiro equivale ao intervalo temporal
entre a ascensão e a tão esperada, porém desconhecida, segunda vinda do Senhor.
É um tempo indeterminado, mas é o tempo oportuno para a edificação do Reino. O
evangelista quer ensinar à sua comunidade que, ao invés de preocupar-se com
questões relativas ao tempo em que o Senhor virá, o importante é trabalhar para
a sua mensagem manter-se viva e atuante na vida das pessoas, uma vez que ele
nunca se ausenta da comunidade que vive o amor. Para isso, é importante que
cada membro da comunidade se sinta responsável, como servo bom e fiel, pelo
bem-estar da casa.
É
importante o uso da imagem da casa (em grego: οἰκία); é imagem
da fraternidade e das pequenas comunidades, enquanto realidades onde o Reino é
construído. É também uma imagem universalista, comum a todas as culturas, ao contrário da vinha, por
exemplo, que era uma imagem exclusivista para designar o povo de Israel. Recorda
também a humanidade inteira e a própria terra, enquanto a casa comum, que
depende do cuidado e da responsabilidade de todas as pessoas. Nas versões de
Mateus e de Lucas, o dono da casa é substituído por um homem rico, dono de
propriedades, que viaja e deixa grandes fortunas (talentos e minas) para seus
servos administrarem. Um dono de casa significa uma pessoa mais acessível e
íntima, que conhece cada detalhe do funcionamento da casa. Por isso, é uma
imagem que se aproxima mais da pessoa de Jesus. E Marcos é o evangelista que
mais valoriza a casa como imagem da comunidade cristã, apresentando-a como
sinônimo de fraternidade e comunhão, como um espaço onde todas as pessoas se
conhecem reciprocamente e vivem relações sinceras e fraternas. Na casa,
enquanto família, todos os membros têm a responsabilidade de não deixar faltar
o amor e a concórdia, bem como o pão material, o que também é essencial. Das
responsabilidades com a casa, merece destaque a figura do porteiro, que evoca o
cuidado com todos, a proteção e a inclusão. Por isso, todos devem sentir-se
também porteiros da casa, protegendo os que já estão dentro e abrindo a porta
para todos que querem fazer parte da casa, que é a comunidade, embrião do Reino
de Deus. Atuar como porteiro da casa não significa exercer a função de fiscal,
para pedir credenciais às pessoas que devem entrar; significa, acima de tudo, possuir
espírito de abertura e tolerância. Se a casa é imagem do Reino, ela deve ser
espaço de acolhimento, inclusão, fraternidade e humanização.
Tendo em
vista o sentido da casa, Jesus insiste para que seus discípulas e discípulas de
todos os tempos vivam intensamente a fraternidade; que a humanidade seja uma
grande família, sem exclusões e nenhum tipo de preconceitos. O perigo de
esfriamento na vivência da fé e o consequente enfraquecimento da fraternidade
era tão grande, a ponto de ser necessário insistir no imperativo “vigiai”.
Assim, prossegue o texto: «Vigiai, portanto, porque não sabeis quando o
dono da casa vem: à tarde, à meia-noite, de madrugada ou ao amanhecer» (v.
35). Sendo o Senhor o dono da casa, aos servos compete apenas vigiar, o
que significa assumir a missão com responsabilidade. Porém, é necessário
ressaltar, mais uma vez, a natureza dessa vigilância tão cara ao Senhor: não se
trata de busca por segurança ou conforto e nem de longas vigílias de oração,
mas simplesmente de manter o Evangelho vivo e atuante. Para isso, obviamente, é
necessário o cultivo da oração, tanto comunitária quanto pessoal. E todos as
pessoas têm essa responsabilidade de manter o Evangelho vivo. A comunidade
vigilante é aquela na qual os sinais do Reino predominam: amor e justiça em
abundância, com solidariedade e humanização. Onde esses valores abundam, o que
menos tem importância é o tempo. Inclusive, quanto mais tardar o Senhor, mais
frutos a casa/comunidade terá gerado; por isso, os cristãos e cristãs só podem
ter pressa em uma coisa: em fazer o bem! os quatro momentos em que o dono da
casa pode retornar correspondem a divisão que os romanos faziam da noite. No
contexto desta passagem, significa que a vigilância deve predominar o tempo todo
na comunidade.
E o motivo
da vigilância é muito claro: «Para que não suceda que, vindo de
repente, ele vos encontre dormindo» (v. 36). É claro que o texto não
se refere ao dormir como a necessidade natural do ser humano, pois dessa
ninguém pode privar-se, mas como a indiferença e a omissão em relação aos
valores do Evangelho. Nesse caso, dormir é uma imagem que significa deixar de
praticar a mensagem de Jesus Cristo, é sinônimo de abandonar o seu ensinamento.
Por isso, o convite é novamente reforçado e, agora, com a sua dimensão
universal ainda mais explícita: «O que vos digo, digo a todos: Vigiai!» (v.
37). Todos da comunidade, e em todos os tempos, são convocados à vigilância,
que é a prática do amor e da justiça. As recomendações feitas aos discípulos de
primeira chamada, interlocutores diretos de Jesus no contexto narrativo do
discurso escatológico, são válidas para os cristãos e cristãs de todos os
tempos. Isso reforça ainda mais a necessidade de criarmos intimidade com a
Palavra de Deus, especialmente com os evangelhos. O que Jesus disse outrora,
continua dizendo hoje. O que ele pediu aos quatro primeiros discípulos, pede
aos cristãos e cristãs de todos os tempos.
Portanto,
não importa quando o Senhor virá pela segunda vez. Procuremos celebrar a sua
primeira vinda, ou seja, o Natal, como certeza de que Ele já veio e conosco permanece
para sempre; porém, sua presença constante não será percebida enquanto não
assumirmos a nossa responsabilidade na casa que Ele nos confiou: a família, a
comunidade, o universo como “casa comum”. Para celebrarmos bem a certeza de que
Ele já veio, só nos resta nos mantermos acordados, ou seja, praticando o amor,
acima de tudo.
Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues - Diocese de Mossoró-RN
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