Com a liturgia deste sexto domingo do tempo comum, concluímos a leitura do
primeiro capítulo do Evangelho de Marcos. Estamos acompanhando ainda os
primeiros passos do ministério de Jesus na Galileia. O texto proposto para hoje
– Mc 1,40-45 – apresenta continuidade com o episódio anterior e, ao mesmo
tempo, novidade, de modo que podemos perceber uma certa evolução na atuação de
Jesus, com uma abertura cada vez maior em relação aos destinatários da sua ação
libertadora. Além da expansão geográfica do seu agir, a intensidade da ação
relatada no texto de hoje também evidencia essa evolução: da expulsão de um
espírito mau (Mc 1,21-28 – evangelho do 4º domingo), passou à cura de uma
mulher com febre, a sogra de Pedro (Mc 1,29-39 – evangelho do 5º domingo), e
hoje chega à cura de um leproso. Considerando a gravidade da lepra para a
época, podemos considerar o evangelho de hoje como ápice desta primeira fase do
ministério de Jesus. Ele começa demonstrando autoridade ao intervir questões
mais simples, como a realização de um exorcismo, até a libertação de um mal sem
cura, como era considerada a lepra. Esse mesmo episódio é contado também pelos
outros sinóticos (Mt 8,1-4; Lc 5,12-14), mas a versão de Marcos é mais rica,
tanto pela maneira de contá-lo quanto pela posição que ocupa no conjunto do
Evangelho. Com a liturgia de hoje, conclui-se a primeira etapa sequenciada da
Leitura dominical do Evangelho de Marcos, que será interrompida no próximo
domingo, o primeiro da Quaresma, e retornará de maneira semi-contínua somente
após a conclusão do ciclo pascal.
Até então, a atuação de Jesus tinha se desenvolvido no âmbito do espaço
urbano, ou seja, dentro da cidade de Cafarnaum: pregação e exorcismo na
sinagoga (Mc 1,21-28) e cura na casa de Simão (Mc 1,29-34). Isso levou os
discípulos à tentação do comodismo, propondo a centralização e a fixação da
atividade de Jesus em um espaço delimitado, devido ao aparente sucesso inicial
(Mc 1,28.37). Diante da proposta absurda dos discípulos, Jesus propôs a
descentralização, com o deslocamento para as margens, as periferias, como se
pode concluir por esta afirmação: «Vamos a outros lugares, às aldeias
da redondeza! Devo pregar também ali, pois foi para isso que eu vim» (Mc
1,38). O evangelho de hoje mostra, portanto, a ação de Jesus “em outros
lugares”, comunicando vida, libertação e humanização, já que era impossível
encontrar-se com um leproso dentro da cidade, uma vez que a Lei determinava o
seu isolamento total: «Enquanto durar a sua enfermidade, o leproso
ficará impuro e, estando impuro, morará à parte: sua habitação será fora do
acampamento» (Lv 13,46). E, geralmente, a lepra durava a vida toda,
levando o enfermo à morte, de modo que, quando ao alguém se afastava da família
e da comunidade por causa da lepra, significava uma antecipação da morte, pois
dificilmente ela voltava. Podemos, então, perceber como a ação libertadora de
Jesus vai ganhando novas dimensões: sinagoga – casa – terreiro da casa – outros
lugares; assim, o universalismo do Reino já pode ser sentido, bem como as bases
fundamentais de uma Igreja em saída. Dizendo não ao comodismo dos discípulos,
Jesus propõe a coragem para arriscar-se, a disposição para conviver com as
diferenças e viver ao revés das regras de comportamento convencionais impostas
pela religião e adotadas pela sociedade como normais. O evangelho de hoje deixa
isso muito claro, ao narrar o encontro de Jesus com o leproso. O cenário desse
episódio, portanto, é o campo, um lugar a céu aberto, afastado de qualquer
cidade ou povoado.
Olhemos, então, para o texto: «Um leproso chegou perto de Jesus, e
de joelhos pediu: ‘Se queres, tens o poder de curar-me’» (v.
40). De acordo com esse primeiro versículo, já percebemos um encontro de duas
pessoas rebeldes, subversivas. Se Jesus tivesse permanecido no âmbito da
sinagoga ou até mesmo da casa, um encontro como esse jamais aconteceria, pois o
leproso não podia entrar em nenhuma das duas. A rebeldia do leproso é motivada
pela necessidade; a de Jesus é pelo amor. Ora, de acordo com a Lei, tanto Jesus
quanto o leproso deveriam evitar-se mutuamente, cada um se distanciando ao
máximo possível do outro. Nem o leproso deveria aproximar-se, nem Jesus deveria
permitir que o leproso chegasse perto dele. Porém, os dois resolveram
transgredir, praticando ambos um gesto de grande rebeldia. A Lei determinava
que o leproso deveria ficar longe do convívio social, fora do acampamento, ou
seja, longe da comunidade, e até gritar “impuro!”, como aviso, em caso de
alguém aproximar-se (Lv 13,45-46). Ao permitir que o leproso se aproxime, Jesus
conquista a sua confiança, fazendo o que, certamente, ninguém tinha feito
ainda. Com muita liberdade, o leproso faz um pedido em forma de confissão. Na
verdade, ele nem sequer pede a cura, apenas sugere que Jesus pode purificá-lo.
A tradução litúrgica empobrece um pouco o sentido do texto trocando o verbo
purificar por curar. O que o leproso deseja é ser purificado. Por isso, a
melhor tradução seria: «Se queres, podes me purificar». Como se vê,
não é propriamente um pedido, mas um reconhecimento da força de Jesus. Assim, o
leproso se torna modelo do verdadeiro crente: aquele que expressa a sua
necessidade, sem forçar, sem querer determinar o agir de Deus, mas respeitando
a sua liberdade, ao dizer «se queres». Ser purificado, naquele
contexto, significava voltar a ser reconhecido como gente; era se libertar de
todos os estigmas excludentes e segregadores que a lepra comportava; era ser
admitido novamente na convivência e na vida da comunidade.
Jesus não resiste às necessidades da pessoa que vai ao seu encontro com
sinceridade e desejo de libertação. E ele também faz a sua parte, ao permitir o
encontro. Por isso, diz o texto que, «cheio de compaixão, estendeu a
mão, tocou nele, e disse: “Eu quero: fica purificado!» (v. 42).
Jesus quer que o homem seja “purificado”, ou seja, readmitido à convivência
humana, que ele saia da situação de negação da vida em que se encontra.
Compaixão é a resposta de Deus às situações de negação e ausência do seu projeto
de vida; é um amor tão profundo, a ponto de fazer «contorcer as
vísceras», quer dizer um amor que mexe com o mais profundo do seu ser. Essa
resposta nunca é apenas sentimental, mas é ação, é promoção de vida em
abundância. É interessante a descrição da ação: «estendeu a mão, tocou
nele». O gesto de estender a mão significa o cumprimento de uma ação
salvífica por excelência: é Deus doando sua força em benefício do seu povo,
tirando-o da opressão, de acordo com a linguagem do Antigo Testamento (Ex
13,16; Is 41,13; Sl 136,12; etc.). É prova do amor e cuidado de Deus para com a
humanidade. Jesus poderia ter reagido ao leproso apenas com palavras e curá-lo,
com sua autoridade, sem necessariamente tocá-lo. Mas antes de demonstrar poder,
demonstra compaixão, cria laços, toca, quer dizer, se envolve com a situação. É o seu jeito de se relacionar, de amar, por isso, cura. Não cura por meio de decretos, mas tocando nas pessoas com suas feridas e dores. Tocando, ele sente como sua a dor do outro, comprometendo seus seguidores de todos os tempos a fazer o mesmo. Neste caso, o toque de Jesus é ainda mais significativo, pois, segundo a Lei,
quem tocava um leproso ficava impuro também. Mas Jesus não se importa com isso.
Nenhuma norma impedia ele de relacionar-se com uma pessoa marginalizada. E ele
não sossegava enquanto não resgatava tal pessoa.
Como tocar num leproso era um gesto extremamente proibido pela Lei, com
esse gesto, Jesus desobedece com muita liberdade, ensinando que o bem do ser
humano está acima de qualquer preceito e doutrina. Movido por compaixão, tendo
tocado com a mão, Jesus sentiu de fato a necessidade daquele homem, e expressou
sua vontade com palavras: «Eu quero: fica purificado». E
como as palavras de Jesus são cheias de vida e de amor, eis que «no
mesmo instante, a lepra desapareceu e ele ficou purificado» (v. 43).
Jesus anuncia palavras de vida e libertação, e é isso o que ele faz acontecer.
Dizer que o leproso ficou purificado é o mesmo que dizer que ele ficou apto
para a convivência, foi reintegrado à comunidade, teve sua dignidade
restituída, o que significa muito mais do que a cura física. Livrou-se de um
estigma condenatório. Aqui, mais uma vez, o evangelista usa o verbo “purificar”
(em grego: καταριζω -
katarízo); aliás, de acordo com o original, em nenhum momento vem mencionada a
palavra “cura”, nem o verbo “curar” nesse texto. Isso evidencia ainda mais o
interesse do evangelista pela dimensão social e comunitária da ação de Jesus. O
mais importante é despertar na comunidade do evangelista e na comunidade cristã
de todos os tempos a necessidade de promover ações de restauração, inclusão e
promoção da dignidade humana. No Antigo Testamento, há somente dois casos de
cura da lepra: o de Mírian, irmã de Moisés (Nm 12), e o de Naamã, general do
exército de Aram (2Rs 5); ambos se dão pela mediação de Moisés e de Eliseu, respectivamente.
Mas nenhum se aproxima do que faz Jesus aqui; sua maneira de agir e de cuidar
do outro é única. Inclusive, essa é a única cura de leproso no Evangelho de
Marcos, o que enriquece o episódio ainda mais.
Ao transgredir a Lei de maneira tão explícita, Jesus passa a correr riscos,
mas não se intimida com isso. Na verdade, ele pede silêncio ao homem que fora
purificado por precaução de má compreensão na sua mensagem: «Então
Jesus o mandou logo embora, falando com firmeza: ‘Não contes nada disso a
ninguém!’» (v. 44a). Jesus tem pressa com a libertação das
pessoas, por isso mandou logo o homem ir embora. Certamente, aquele homem já
tinha perdido muito tempo da existência vivendo segregado, excluído da
convivência. Por isso, devia voltar o quanto antes para a comunidade. Jesus
também não queria ser confundido com um milagreiro. Queria evitar concepções
triunfalistas a respeito da sua imagem e do seu messianismo. Por isso, pediu
que o homem não contasse nada a ninguém. Aliás, o chamado “segredo messiânico”
é um dos principais temas teológicos do Evangelho de Marcos. Esse segredo será
revelado somente na cruz. De fato, a cruz é o traço distintivo principal da
messianidade de Jesus, escapando de todos os esquemas messiânicos alimentados
ao longo dos séculos em Israel. Ora, no decorrer do ministério de Jesus, as
pessoas, incluindo os discípulos, perceberão traços parciais da sua
messianidade, à medida em que contemplam seu agir humanizante, libertador. No
contexto narrativo da obra, além de tema teológico, o segredo expressa uma
preocupação do evangelista com a vida da comunidade, que deve esforçar-se ao
máximo possível para não apresentar uma imagem equivocada de Jesus, da mesma
forma que Jesus não queria ser confundido com o Messias triunfalista e poderoso
das expectativas dos seus contemporâneos.
Além do silêncio, Jesus dá uma segunda ordem ao homem
recém-purificado: «Vai, mostra-te ao sacerdote e oferece, pela tua
purificação, o que Moisés ordenou, como prova contra eles!» (v.
44b). Assim como eram os sacerdotes quem diagnosticavam se a pessoa tinha
lepra, para afastá-la do convívio social, também eram eles quem atestavam se a
pessoa estava purificada ou não. Porém, a lepra era considerada um mal sem
cura, era praticamente impossível alguém livrar-se dela, de modo que o leproso
era um “morto vivo”. Com essa ordem, Jesus está, na verdade, provocando os
sacerdotes e a religião da época, mostrando que a palavra final sobre a vida
das pessoas já não é mais a deles. Jesus corta o mal pela raiz, deixando
desconcertados aqueles que viviam de identificar o mal na vida dos outros. O
próprio texto indica a ironia de Jesus: «como prova contra eles!».
Jesus quer que eles mesmos, os sacerdotes, reconheçam que já não tem mais
autoridade sobre a vida; o poder daquele sistema começava a desmoronar. É claro
a ordem expressa também seu desejo de ver o homem readmitido na comunidade e na
convivência social e, para isso, precisava da declaração do sacerdote. Há,
portanto, necessidade e provocação, ao mesmo tempo, na ordem de Jesus.
O pedido de silêncio que Jesus faz nunca é atendido. Quando mais ele pedia
segredo, mais a Boa Notícia do Reino anunciada por ele se espalhava. Eis,
então, a atitude do ex-leproso: «Ele foi e começou a contar e a
divulgar muito o fato» (v. 45a). De fato, Jesus pede algo quase
impossível: como silenciar diante de maravilhas tão grandes, coisas nunca
vistas antes? Como não irradiar a felicidade de contemplar o Reino de Deus
sendo instaurado? Na lógica do Reino, quem recebe se torna doador; aquele que
era considerado imundo, se torna evangelizador, após ser humanizado, restaurado
em sua plena dignidade. Apesar do risco de distorção, o anúncio das
obras de Jesus fluía com facilidade. Era impossível abafar os sinais da chegada
do Reino de Deus no coração das pessoas marginalizadas das periferias da
Galileia. Isso lhe trazia consequências, obviamente, até positivas,
inicialmente, pois levava mais pessoas a encontrar-se com ele e, assim,
recuperavam o sentido da vida, sendo humanizadas, libertadas e emancipadas. Mas
ele tinha precauções em relação a isso, como diz o evangelista: «Por
isso Jesus não podia mais entrar publicamente numa cidade: ficava fora, em
lugares desertos. E de toda parte vinham procurá-lo» (v. 45b).
Ele evitava as cidades e procurava lugares desertos porque sua fama aumentava
cada vez mais, o que ele não queria; e sua vida começava a correr perigo. Esse
afastamento se tornava providencial: quanto mais longe dos centros de poder,
mais pessoas impuras poderiam aproximar-se dele. Quanto mais afastado das
pessoas consideradas puras, mais os considerados impuros chegariam perto. A
religião segregadora rotulava pessoas doentes de impuras e as expulsava para os
lugares desertos e afastados, fora das cidades e aldeias. Propositadamente
Jesus ia a estes lugares levando vida, amor, acolhimento, justiça e libertação.
Assim como a comunidade de Marcos, também nós, cristãos de hoje, somos
interpelados pelo evangelho a promover libertação, a colocar o bem do ser
humano acima de qualquer norma e doutrina. Para isso, é necessário ir sempre
aos outros lugares, aos desertos de hoje, as periferias existenciais, onde
estão aqueles e aquelas a quem a religião e a sociedade disseram que não tem
mais jeito, já não servem mais para nada. São essas pessoas que mais precisam
conhecer o Deus amoroso que Jesus revelou, e somente quem tem intimidade com
esse Deus pode acolher e compreender bem essas pessoas, consciente ou não.
Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues – Diocese de Mossoró-RN
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