Na liturgia deste quinto domingo
do tempo comum, continuamos a leitura do grande discurso programático de Jesus
no Evangelho de Mateus, conhecido como o “discurso da montanha” (Mt 5–7). No
domingo passado, fora lida a introdução desse discurso, que corresponde às
bem-aventuranças (Mt 5,1-12), um texto que é considerado o coração do primeiro
evangelho. O texto proposto para hoje – Mt 5,13-16 – é exatamente o que sucede
imediatamente às bem-aventuranças. De acordo com o evangelista Mateus,
continuando um ensinamento vital para a comunidade de seus seguidores, Jesus
emprega duas imagens bastante fortes e interpelantes, o sal e a luz, para
demonstrar o quanto a vivência das bem-aventuranças é indispensável na vida dos
seus discípulos e, consequentemente, para a comunidade cristã. Por isso, é
importante recordar que tudo o que é desenvolvido ao longo do discurso da
montanha é, na verdade, consequência ou desdobramento das bem-aventuranças.
Consideradas pela maioria dos exegetas como o autorretrato de Jesus, as bem-aventuranças são, ao mesmo tempo, o programa de vida que ele propõe para os seus discípulos e discípulas de todos os tempos. A vivência delas devem ter um efeito transformador no mundo, comparável aos efeitos do sal e da luz, empregados para suas finalidades mais básicas: dar sabor e iluminar, respectivamente. Ora, é da vivência das bem-aventuranças que depende a instauração do Reino dos Céus na terra. Para que esse Reino, de fato, aconteça, é necessário que as pessoas, começando pelos discípulos, assumam um estilo de vida semelhante ao de Jesus, ou seja, que pratiquem as bem-aventuranças. Por isso, o emprego das imagens do sal e da luz são seguidos de advertência sobre o perigo de que estes elementos não sejam bem utilizados.
As imagens do sal e da luz são, assim, uma síntese da missão dos seguidores
de Jesus e, ao mesmo tempo, uma demonstração do efeito dessa missão. Eis, pois,
a primeira imagem com a consequente advertência: «Vós sois o sal da
terra. Ora, se o sal se tornar insosso, com que salgaremos? Ele não servirá
para mais nada, senão para ser jogado fora e ser pisado pelos homens» (v.
13). Embora seja possível identificar diversas funções para o sal, sobretudo na
antiguidade, o texto deixa muito claro que faz referência ao seu uso para a
alimentação, seja como condimento, quanto como conservante. Mesmo assim, é
importante recordarmos também outras funções atribuídas ao sal ao longo da
Bíblia. Era símbolo de qualquer coisa duradoura e preciosa, tornando-se,
inclusive, sinal da indissolubilidade da aliança, de modo que uma aliança
eterna era chamada de “aliança de sal” (cf. Nm 18,19). Outro significado para o
sal é a purificação, sendo um elemento utilizado nos sacrifícios cultuais (cf.
Lv 2,13; Ez 43,24), e empregado também por Eliseu para purificar as águas das
fontes de Jericó (cf. 2Rs 2,19-22).
Aqui no texto de Mateus, no
entanto, como já acenamos anteriormente, e considerando o inteiro versículo, a
referência ao sal está relacionada ao seu uso no alimento, pois o texto indica o
dar sabor como função primordial. É importante perceber também o universalismo
atribuído aos seguidores de Jesus: ser sal de toda a terra, ou seja, marcar
presença e fazer a diferença em todo o mundo, e não apenas dentro das
fronteiras de Israel. Essa dimensão universalista da missão cristã será
evidenciada ao longo de todo o Evangelho de Mateus, e encontrará o seu ápice no
envio missionário pós-pascal, quando o Ressuscitado ordenará que seus
discípulos devem ir a todas as nações para ensinar, batizar e discipular (cf.
Mt 28,19-20). Seja para dar sabor, seja para conservar alimentos, o sal é
indispensável na vida dos ser humano. Assim também é indispensável a presença de
cristãos e cristãs no mundo, para que o projeto libertador de Jesus seja
realizado e o Reino se instaure. Ao falar do risco de o sal tornar-se insosso e, consequentemente,
inútil, se faz uma advertência ao risco de omissões e falta de testemunho dos
cristãos no mundo. Assim como não tem sentido um sal sem sabor, também não tem
sentido cristãos sem a prática das bem-aventuranças, ou seja, sem fome e sede
de justiça, sem mansidão no coração, sem misericórdia e sem amor.
A segunda imagem empregada ocupa
todo o restante do texto e, aparentemente, é mais simples ou, pelo menos, mais
compreensível, já que é uma imagem mais frequente ao longo da Bíblia: «Vós
sois a luz do mundo. Não pode ficar escondida uma cidade construída sobre um
monte» (v. 14). A imagem da luz, de fato, atravessa toda a Bíblia,
muito mais do que a do sal, bem como o seu efeito é muito mais visível.
Inclusive, a própria missão de Jesus na Galileia foi apresentada por Mateus
como luz, como refletimos há dois domingos (cf. evangelho do terceiro domingo
do tempo comum: Mt 4,12-23). Como extensão e continuação da missão de Jesus,
também a missão dos seus discípulos é apresentada como luz. Isso mostra que a
missão dos discípulos é a mesma de Jesus. Novamente, a dimensão universalista
da missão é recordada: os cristãos não devem ser luz somente para um
determinado grupo de pessoas ou de uma determinada região, mas de todo o mundo.
A segunda parte do versículo é, certamente, uma crítica à cidade de Jerusalém e
às autoridades de Israel, como um todo. Ora, Jerusalém fora construída sobre um
monte (cf. Is 2,1) exatamente para de lá resplandecer a luz de Deus; porém,
fora corrompida pelos poderes religioso e político, ofuscando a luz de Deus.
Temos aqui, portanto, uma clara denúncia a Israel e, especialmente, a Jerusalém
que falhara na sua missão de ser luz das nações (cf. Is 42,6; 49,6). Por isso,
Deus transferiu sua luz para a marginalizada Galileia, onde Jesus iniciou seu
ministério como uma luz que brilha nas trevas (cf. Mt 4,12-23). Como
consequência, Jesus transfere a missão que outrora fora de Israel para os seus
discípulos.
Na continuidade do texto, vemos
novamente o tom de advertência, como no uso do sal: «Ninguém acende uma
lâmpada e a coloca debaixo de uma vasilha, mas sim, num candeeiro, onde brilha
para todos, que estão na casa» (v. 15). Tão inútil quanto um sal sem
sabor e uma lâmpada escondida é a vida cristã sem testemunho, ou seja, sem a
prática das bem-aventuranças. Aliás, isso nem vida cristã seria, mas apenas um
teatro, um fingimento. Seria hipocrisia, como Jesus vai mostrar, com outras
palavras, ao advertir a comunidade dos seus seguidores sobre a necessidade de
diferenciar-se dos fariseus. Temos aqui mais um alerta sobre o risco da omissão
dos cristãos no mundo, diante das injustiças e de todas as formas de
manifestação do mal. O cristão não pode se omitir onde há trevas, onde há
negação da vida. Uma lâmpada debaixo da mesa é a imagem do discípulo
omisso e medroso, incapaz de denunciar as injustiças que estão ao seu redor, e
conivente com as situações de opressão e negação da vida. Uma vez que a luz
acesa não tem outra função que não seja iluminar, também os cristãos não podem
omitir-se de testemunhar o Evangelho, cuja condição é a vivência das
bem-aventuranças, que são o programa de Jesus.
O versículo conclusivo consiste
em mais uma exortação e advertência. Assim como houve com Israel, também havia
na comunidade cristã uma tendência ao envaidecimento e ao orgulho, o que é
totalmente incompatível com o ensinamento de Jesus. É necessário que os
discípulos sejam sinal de luz diante das outras pessoas, mas que não sejam
recompensados ou elogiados por isso, pois é ao Pai que está nos céus que devem
ser dirigidos todos os louvores; é esse o sentido do versículo: «Assim
também brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas
obras e louvem o vosso Pai que está nos céus» (v. 16). Os cristãos de
todos os tempos devem cumprir boas obras, devem “fazer o bem” como fez Jesus
(cf. At 10,38), de modo que revelem o Deus em quem acreditam. Em outras
palavras, o versículo quer dizer que o reconhecimento e o louvor de Deus pela
humanidade dependem essencialmente do estilo de vida dos cristãos. E isso é uma
grande responsabilidade. O mundo conhece Deus à medida em que os cristãos dão
sabor ao mundo e o iluminam com as ações e os gestos concretos que praticam. O
Deus que é Pai, portanto, não se torna conhecido pelo ensino de uma doutrina, e
sim pelo testemunho dos cristãos.
Pe. Francisco Cornélio F. Rodrigues – Diocese de Mossoró-RN
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