Neste vigésimo
quinto domingo do tempo comum, o evangelho proposto pela liturgia é Mt 20,1-16,
texto que compreende a parábola dos trabalhadores da vinha, que também pode ser
chamada de parábola do patrão generoso ou, simplesmente, do proprietário da
vinha. Trata-se de uma parábola exclusiva do Evangelho de Mateus, na qual Jesus
compara o Reino dos Céus a uma vinha, imagem clássica do povo de Israel,
segundo as tradições do Antigo Testamento. Mas Jesus ressignifica a imagem,
apresentando-a sob nova perspectiva, mostrando o jeito novo de Deus
relacionar-se com seu povo e com a humanidade inteira. Na verdade, mais do que
descrever o Reino propriamente, a parábola enfatiza as novas relações que
marcam a dinâmica do Reino e os critérios para dele fazer parte, o que passa
necessariamente pela assimilação de uma nova imagem de Deus. É a passagem da
concepção de um Deus calculista e justiceiro para o Deus justo e amoroso de
Jesus. Em Mateus, constam três parábolas com a imagem da vinha, sendo duas
exclusivas, enquanto nos outros sinóticos há apenas uma, que é contada também
por Mateus. Essas parábolas são: “dos trabalhadores da vinha” (Mt 20,1-16);
“dos dois filhos” (Mt 21,28-32); “dos vinhateiros homicidas” (Mt 21,33-41; Mc
1,1-12; Lc 20,9-19). Esse dado evidencia a afinidade maior do primeiro
evangelista com as tradições do Antigo Testamento.
O contexto
narrativo da parábola dos trabalhadores da vinha é a seção do caminho de Jesus
com seus discípulos para a cidade de Jerusalém. Em Mateus, o caminho ocupa
apenas dois capítulos (Mt 19–20), enquanto no Evangelho de Lucas ocupa dez
capítulos (Lc 9-19). Mas o fato de ocupar menos espaço não significa que o
caminho possua pouca importância no Evangelho de Mateus. Tudo o que Jesus faz e
ensina nessa seção possui grande relevância para a formação do discipulado e a
construção do Reino. Em Lucas, obviamente, a relevância é maior porque ele faz
do caminho o lugar privilegiado do ensinamento de Jesus, transformando-o em
imagem da própria comunidade. Mas também para Mateus o caminho é
importante, pois constitui uma etapa indispensável e, por isso, irrenunciável
da vida de Jesus, que devia passar da Galileia para Jerusalém, onde conclui os
seus ensinamentos e a sua vida terrena. Quanto mais Jesus se aproximava de
Jerusalém, mais necessidade tinha de instruir seus discípulos sobre a natureza
do Reino que ele estava propondo. Ora, os discípulos e as multidões que seguiam
Jesus continuavam sonhando com a restauração do reino davídico-salomônico e,
por isso, tinham dificuldades de compreender e aceitar o Reino como ele
apresentava.
Diante da
incompreensão e resistência dos discípulos, Jesus procurava cada vez mais
apresentar as particularidades do Reino dos Céus e a mudança de mentalidade que
esse exigia para ser assimilado e construído. Considerando o conteúdo e a
posição da parábola de hoje na dinâmica narrativa do Evangelho de Mateus,
podemos concluir que ela constitui o ápice do ensinamento de Jesus aos
discípulos sobre o Reino dos Céus. Ao chegar em Jerusalém, ele continuará
ensinando, mas ali os destinatários e interlocutores primeiros já não serão
exclusivamente os discípulos, e sim os fariseus, saduceus, doutores da lei e
sacerdotes, ou seja, as lideranças do judaísmo, que possuíam também forte
influência na vida política de Israel, na época. Portanto, o ensinamento
exclusivo aos discípulos é praticamente concluído com esta parábola. Diante,
disso, para compreendê-la ainda melhor, é importante recordar os acontecimentos
que antecedem: o encontro de Jesus com o jovem rico (19,16-22) e a reação dos
discípulos ao desfecho desse encontro (19,23-30).
Os discípulos
tinham ficado perplexos com o diálogo entre Jesus e o jovem rico, sobretudo por
causa das exigências apresentadas. Diante isso, Pedro, em nome do grupo, fez a
seguinte pergunta a Jesus: «E nós que deixamos tudo e te seguimos, que recompensa
teremos?» (19,27). Ora, percebendo a falta de coragem do jovem rico
para o despojamento e o seguimento, Pedro quis tirar vantagem da situação,
insinuando que ele e os seus colegas discípulos de primeira chamada seriam
merecedores de privilégios. Jesus lhe assegurou que não ficará sem recompensa
quem deixar tudo para segui-lo, mas não promete privilégios, uma vez que «muitos
dos primeiros serão últimos, e muitos dos últimos serão primeiros» (19,30).
Essa expressão proverbial corresponde ao último versículo do capítulo 19 e a
parábola começa no primeiro versículo do capítulo 20. Ao concluir a parábola,
Jesus repete essa mesma máxima, embora modificando a ordem: «Os últimos
serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos» (20,16). A
parábola é, portanto, uma explicação ilustrada desse pensamento que propõe uma
reviravolta na história, uma inversão total da ordem vigente, começando pela
maneira de conceber as relações com Deus. E os primeiros necessitados dessa
explicação são os próprios discípulos.
Feita a contextualização, podemos voltar a atenção diretamente para o
texto, começando pelo primeiro versículo: «O Reino dos Céus é como a
história de um patrão que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a
sua vinha» (v. 1). Como se vê, Jesus está introduzindo uma parábola do
Reino dos Céus, o que confere grande importância ao texto, tendo em vista a
centralidade do Reino em sua pregação. É importante recordar que as parábolas
apresentam comparações por imagens, e não descrições do Reino propriamente. Ora,
como o Reino consiste em um mundo novo, uma sociedade alternativa,
completamente diferente das sociedades humanas até então experimentadas, ele
não pode ser descrito, uma vez que ainda não fora inteiramente experimentado
plenamente. Em relação ao protagonista da parábola, ao invés do termo patrão,
como traz a tradução do lecionário, é mais adequada a expressão “dono da casa”
ou “pai de família”, uma imagem mais suave e mais fiel ao termo empregado pelo
evangelista na língua original (em grego: οἰκοδεσπότῃ – oikodéspote). Segundo o texto, «Combinou
com os trabalhadores uma moeda de prata por dia, e os mandou para a vinha» (v.
2). O pagamento acordado, traduzido por uma moeda de prata – em grego: δηνάριον – denárion – corresponde ao básico
para um dia de trabalho em praticamente todo o império romano, e era suficiente
para o sustento diário de uma família.
O fato de ser o próprio dono da
casa quem sai em busca de operários já indica tratar-se de alguém acessível,
interessado em conhecer pessoalmente os trabalhadores da sua vinha. E dono da
vinha da parábola representa o próprio Deus. Com esse primeiro detalhe, Jesus
acena para a ilegitimidade da mediação dos líderes religiosos do seu tempo,
principalmente o sacerdócio do templo. Ora, aqueles líderes já não tinham
legitimidade para falar em nome de Deus, até porque tinham distorcido a sua
imagem, transformando-o de Pai, que ama e cuida, em patrão vingativo e
castigador. A imagem do “dono da casa” da parábola, portanto, se aproxima do
“Deus Conosco” que Jesus veio revelar (Mt 1,23; 18,20; 28,20). É uma imagem que
recorda também aquela do “Pai misericordioso” da chamada “parábola do filho pródigo”
de Lucas (Lc 15,11-32), pois não recompensa conforme os méritos, mas age por
pura bondade e gratuidade. Esse dono demonstra um zelo ímpar para com a sua
vinha, comparável ao zelo de Deus pela humanidade inteira. Ele sai várias vezes
– cinco no total – durante o dia em busca de trabalhadores: pela madrugada (v.
1), às nove da manhã (v. 3), ao meio-dia (v. 5), às três (v. 5) e às cinco da
tarde (v. 6). O contato direto dele com os trabalhadores deixa ainda mais claro
o advento das novas relações entre a humanidade e o Deus da vida que Jesus
revelou. Um Deus presente, realmente “Conosco”, como apresenta Mateus ao longo
de todo o seu Evangelho (1,23; 18,20; 28,20). Um Deus que chama porque ama, que
confia a construção do seu Reino a todos os que encontra parados nas praças,
calçadas, estradas, que nunca tinham sido reconhecidos nem chamados por
ninguém. E, ao chamar, esse Deus não pede currículo algum, porque sua intenção
é a inclusão: ele não quer que ninguém fique fora do seu Reino, ao contrário da
religião que segregava e excluía, ao classificar as pessoas entre justos e
pecadores. Ele quer que todas as pessoas se sejam humanizadas pela sua misericórdia
e amor, independentemente da hora em que se sintam chamadas.
De todas as idas em busca de trabalhadores, uma das que mais chama a
atenção é a última, já às cinco da tarde, faltando apenas uma hora para
terminar a jornada de trabalho. E é nela que o proprietário demonstra mais
cuidado e preocupação, como se percebe pelo diálogo criado: «Saindo outra
vez pelas cinco horas da tarde, encontrou outros que estavam na praça, e lhes
disse: ‘Por que estais aí dia inteiro desocupados?’. Eles responderam: «Porque
ninguém nos contratou’. O patrão lhes disse: ‘Ide vós também para a minha
vinha’» (vv. 6-7). A pergunta revela o interesse do proprietário pela vida
das pessoas encontradas na praça. A história de cada um é importante para
compreender sua maneira de viver. A resposta dos últimos contratados demonstra
tratar-se de pessoas marginalizadas, esquecidas, excluídas da vida social e
religiosa. Se estavam naquela situação, é porque ninguém tinha se interessado
por elas: «Porque ninguém nos contratou». Além de mostrar o
interesse de Deus por todos, com predileção pelos últimos, esse diálogo adverte
para a importância de interessar-se pela vida do outro e conhecer as causas do
abandono em que milhões de pessoas se encontram no mundo, sem trabalho, sem
alimento, sem moradia e sem os mínimos direitos respeitados. Muitas vezes, na
própria comunidade, as pessoas são rotuladas e julgadas pelas situações a que
foram submetidas. É claro que a parábola não pode ser lida à luz das relações
trabalhistas e as respectivas leis, mas é impossível não se deixar interpelar
por ela sem aplicá-la a situações concretas atuais.
A interação do
proprietário com os últimos trabalhadores contratados explica a motivação da
parábola e vai justificar a conclusão: «Os últimos serão os primeiros, e os
primeiros serão os últimos» (Mt 19,30; 20,16). Ora, aqueles
trabalhadores que ainda não tinham sido contratados por ninguém eram mais
necessitados; provavelmente tinham passado a vida toda às margens, até a
chegada de um proprietário generoso que fosse ao encontro deles e lhes
chamassem pessoalmente, restituindo-lhes a dignidade, até então negada. Por
isso, eles terão prioridade na hora do pagamento, como imagem da nova ordem que
compreende o Reino de Deus. Ora, ao contrário do sistema vigente na época de
Jesus e no período da redação do Evangelho de Mateus, no Reino por ele
anunciado, não há lugar para a competitividade, nem para a meritocracia. É
claro que nem todos conseguiam assimilar com facilidade essa nova mentalidade
inclusiva, que consistia na passagem da religião da lei para a da misericórdia
e da bondade. Essa dificuldade é demonstrada na parábola pela reação dos
primeiros contratados no momento do pagamento. Os primeiros a receber foram os
últimos contratados, sendo que trabalharam apenas uma hora, pois foram chamados
já às cinco da tarde e a jornada de trabalho terminava às seis. E «cada um recebeu
uma moeda de prata» (v. 9). Temos, obviamente, uma grande surpresa, pois
eles recebem o mesmo valor que tinha sido combinado para os primeiros
contratados.
A surpresa aumenta com o pagamento dos primeiros contratados, embora tenham
recebido o valor combinado no momento da contratação: «Em seguida vieram os
que foram contratados primeiro, e pensavam que ia receber mais. Porém, cada um
deles recebeu uma moeda de prata» (v. 10). Considerando o valor pago aos
últimos, esperava-se que os primeiros recebessem no mínimo o dobro deles,
afinal, os primeiros tinham trabalhado de sol a sol, enquanto os últimos
trabalharam apenas uma hora. Contudo, o pagamento combinado era suficiente para
o sustento diário. Temos aqui, portanto, um apelo à igualdade e um combate à ganância
e à cultura do acúmulo. O importante é que haja igualdade, que todos tenham o
suficiente para o pão de cada dia, de modo que ninguém tenha nada em excesso nem
falte o essencial para ninguém. Ora, ao pagar primeiro aos últimos contratados,
e dar-lhes o mesmo valor dado aos contratados ainda na madrugada, o patrão
inverteu completamente a lógica da economia, fez uma reviravolta total nas
relações: ao invés de agir conforme a lei, ele agiu com misericórdia e bondade.
E isso deixou furiosos aqueles que tinham sido contratados primeiro, como diz o
texto: «ao receberem o pagamento, começaram a resmungar contra o
patrão: ‘Estes últimos, trabalharam uma hora só, e tu os igualaste a nós, que
suportamos o cansaço e o calor o dia inteiro’» (vv. 11-12). O patrão
tinha duas opções: agir conforme a lei e, assim, perpetuar a desigualdade, ou
agir pela bondade e, assim, promover a igualdade. Como preferiu a segunda
opção, foi duramente contestado.
Com a reação
dos primeiros contratados, Jesus denuncia a mentalidade competitiva entre os
discípulos e, ao recordar isso, Mateus também denuncia a situação da sua
comunidade, composta predominantemente por cristãos provindos do judaísmo, que reivindicavam
vantagens e privilégios sobre os cristãos convertidos do paganismo. Como os
primeiros contratados da parábola que alegavam ter suportado cansaço e calor,
os cristãos de origem judaica alegavam conhecer e observar a Lei e os profetas,
como primeiros destinatários da revelação de Deus e povo eleito, imaginando que
isso lhes daria privilégios dentro da comunidade do Reino, por serem os
verdadeiros herdeiros das antigas promessas. Esse comportamento se assemelha ao
do filho mais velho na parábola do “Pai misericordioso” ou “Filho pródigo” de
Lucas (Lc 15,11-31), de modo que podemos equipará-las na ênfase à misericórdia
do Pai revelada por Jesus, como já acenamos anteriormente, e no comportamento
mesquinho dos primeiros contratados. A reação do patrão ao murmúrio dos
primeiros contratados é a clara denúncia de Jesus e de Mateus às pessoas
religiosas que queriam controlar o agir de Deus, prendendo-o a doutrinas e
normas: «Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que
me pertence? Ou estás com inveja porque estou sendo bom?» (v. 15).
O desconforto
de uma religião sustentada pela mentalidade meritocrática, retributiva e
legalista é grande quando se descobre que o Deus verdadeiro é um Pai que ama,
perdoa, vai pessoalmente ao encontro das pessoas afastadas, promove a igualdade
e humaniza pela misericórdia. Jesus, o revelador do Pai, contesta radicalmente
a religião que se propõe a determinar a maneira de Deus agir. Para ele, isso é
inadmissível, é um verdadeiro atentado contra Deus. Certamente, a denúncia de
Jesus e do evangelista continua válida também para os dias atuais. Pois, como
sabemos, também hoje, muitas pessoas religiosas ainda têm dificuldade de
aceitar um Deus misericordioso que age com liberdade e doa seu amor a todos,
sem distinção. Na verdade, esse Deus continua sendo negado por essas pessoas. É
inadmissível um Deus que não premia os bons e castiga os malvados. Para essas
pessoas, a salvação é um prêmio, e não um dom; Deus é um soberano, e não um
Pai; o outro é um concorrente, e não um irmão; a Igreja é um tribunal, e não
uma fraternidade. Mas a modo de agir do “dono da casa” da parábola desmente
completamente essa concepção errada de Deus.
Assim, chegamos à conclusão e síntese da parábola: “Os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos” (v. 16). Como tínhamos afirmado na introdução, a parábola em si é a explicação para essa máxima proverbial. Não se trata de uma exclusão aos que chegaram primeiro no grupo de discípulos ou na comunidade, mas uma demonstração de que o fato de terem chegado primeiro não lhes dá privilégios nem supremacia sobre os que vieram e virão depois. Essa expressão é apenas um modo de enfatizar que aqueles que forem chamados por último terão acesso ao mesmo amor, à mesma bondade de Deus que os primeiros, e devem ter prioridade na comunidade, devido ao histórico de exclusão que carregam. O Reino, apresentado como vinha, é também casa, família, é fraternidade e igualdade. É comunidade humanizada e humanizante.
Pe. Francisco
Cornelio F. Rodrigues – Diocese de Mossoró-RN
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