sábado, novembro 11, 2023

REFLEXÃO PARA O 32º DOMINGO DO TEMPO COMUM – MATEUS 25,1-13 (ANO A)


 

À medida em que o ano litúrgico caminha para o final, o tema da vigilância entra em evidência. Por isso, nos três últimos domingos do ano litúrgico corrente, o evangelho passa a ser tirado do chamado “discurso escatológico”, o último dos cinco grandes discursos atribuídos a Jesus no Evangelho de Mateus (Mt 24–25). É importante ressaltar, de antemão, que a ênfase dada à vigilância não visa provocar medo, mas reavivar a fé e aumentar nos cristãos a esperança na realização plena do Reino de Deus, fazendo aumentar também a responsabilidade de cada pessoa nessa construção. No discurso escatológico, prevalece o gênero literário apocalíptico, o que o torna tão enigmático e provocativo. Por isso, é necessário compreender bem o texto, para que sua mensagem de encorajamento e esperança não se torne causa de medo e terror. Embora o discurso compreenda os capítulos 24 e 25, a liturgia dominical utiliza apenas o capítulo 25, o qual é composto de três grandes parábolas, sendo que o evangelho de hoje – trigésimo segundo domingo – corresponde à primeira: a parábola das dez virgens (ou jovens) – Mt 25,1-13. As outras duas serão lidas próximos dois domingos.

Além da posição privilegiada que ocupa no Evangelho, a parábola das dez virgens se destaca pela peculiaridade das personagens. Ora, em todos os evangelhos, somente quatro parábolas têm mulheres como protagonistas, sendo a maioria exclusividade de Lucas: a parábola do fermento na massa (Mt 13,33; Lc 13,20-21), a parábola da moeda perdida (Lc 15,8-10) a parábola do juiz injusto e a viúva persistente (Lc 10,1-8), e esta das dez virgens (Mt 25,1-13), sendo das quatro a única exclusiva de Mateus. Logo, estamos diante de uma obra prima de Mateus, que evidencia uma grande valorização da mulher justamente quando o seu Evangelho se aproxima do ponto culminante. Ainda a nível de contexto, é importante recordar a situação da comunidade do evangelista, destinatária primeira do Evangelho. Quase cinquenta anos separam os eventos da paixão, morte e ressurreição de Jesus da redação do Evangelho. Muitas coisas aconteceram nesse intervalo de tempo, gerando consequências para a vida da comunidade, chegando a abalar a fé, a esperança e a unidade dos cristãos e cristãs. Por isso, a comunidade mateana vivia uma situação de crise, tanto por causas externas quanto internas. As causas externas eram as perseguições da parte do judaísmo ortodoxo e do império romano; as causas internas eram os conflitos entre os membros da própria comunidade, divididos entre os de origem judaica e aqueles de origem pagã. O Evangelho de Mateus é, portanto, um conjunto de respostas a tudo isso.

No caso específico da parábola que hoje lemos na liturgia, essa é a resposta à crise de fé e de identidade pela qual passava a comunidade, devido à diminuição no fervor de seus membros. Ora, tendo se passado já quase cinquenta anos da ressurreição, os cristãos não viam suas vidas melhorarem, pelo contrário, até pioravam devido às perseguições. O resultado disso era uma fé cada vez menos viva e sem esperança. Era preciso, portanto, reanimar, encorajar e despertar na comunidade a esperança e o ardor da fé inicial. Além disso, havia a expectativa de um retorno quase imediato do Senhor, após a ascensão; à medida em que esse retorno não acontecia, diminuía a esperança e enfraquecia a fé. Diante do desânimo e enfraquecimento da fé na comunidade, o evangelista pede uma atitude de vigilância. A comunidade deve estar sempre pronta para encontrar-se com o Senhor a qualquer momento. Na verdade, segundo a perspectiva teológica do evangelista, o ideal é viver na certeza de que o Senhor nunca se ausentou, mas está sempre presente na comunidade, exatamente por ser o “Deus conosco” (Mt 1,23; 18,20 28,20). Isso exige solicitude para reconhecê-lo, e é exatamente o que a parábola das dez virgens quer suscitar. Devido à extensão e ao gênero do texto, não comentaremos versículo por versículo, mas procuraremos colher a sua mensagem central, embora seja necessário, mesmo assim, observar cuidadosamente algumas expressões particulares.

Uma vez contextualizados, olhemos para o texto que começa assim: «O Reino dos Céus é como a história das dez virgens que pegaram suas lâmpadas e foram ao encontro do noivo» (v. 1). Essa é a última parábola do Evangelho de Mateus em que o Reino dos Céus é explicitamente comparado a uma realidade concreta e conhecida do auditório de Jesus e da comunidade do evangelista. Ao todo, o Evangelho de Mateus contém dez “parábolas do Reino”, sendo essa a décima. Trata-se de uma parábola com mensagem de alcance e interesses universais. A expressão “dez virgens” (em grego: δέκα παρθένοις – déka parténois) evoca o universalismo da comunidade. Dez é um número que expressa totalidade e universalismo, ao contrário do número doze que possui um valor simbólico mais restrito a Israel. Com esse pequeno detalhe, Jesus e o evangelista dão um salto de qualidade considerável à mensagem: o Reino dos Céus já extrapolou os limites de Israel, é destinado a toda a humanidade. A imagem do matrimônio não era novidade na linguagem de Jesus e nem no judaísmo. Inclusive, a festa de casamento já tinha empregada como imagem do Reino em outra parábola, a da festa de casamento do filho do rei (Mt 22,1-14). Desde o profeta Oséias, a relação entre Deus e seu povo é apresentada em linguagem matrimonial. A novidade de Jesus consiste em ampliar o alcance da imagem, cuja noiva-esposa deixa de ser Israel e passa a ser a humanidade inteira. Por sinal, a parábola não fala da noiva; por ela, subentende-se toda a humanidade, uma vez que é o próprio Jesus o noivo-esposo.

Para compreender melhor a parábola e sua mensagem, é necessário entender como era celebrada uma festa de casamento na época e, sobretudo, qual era o papel das jovens virgens. Sem essa compreensão, pode-se imaginar, à primeira vista, que as dez virgens estivessem disputando um único noivo, ou até mesmo que o texto retrate um matrimônio poligâmico. Por isso, é importante a explicação do episódio. Em Israel e em muitas sociedades antigas orientais, o casamento era realizado por etapas ou fases. A primeira fase, chamada de fase da promessa, durava um ano. Os noivos consideravam-se já casados, embora continuassem a viver cada um com seus pais. Era o período para as famílias acertarem os acordos econômicos, pois o casamento era um negócio, e prepararem a festa. Completado o ano, o casamento era finalmente festejado e consumado. No dia marcado, o noivo ia com seus amigos até a casa da noiva. Em sua casa, a noiva reunia suas melhores amigas para esperar o noivo. Após a chegada do noivo, a noiva se despedia dos seus pais, deixava sua casa e ia para a casa do noivo, ao seu lado, onde acontecia a festa, que durava em média uma semana. Formava-se assim, o cortejo nupcial da casa da noiva para a casa do noivo. Isso deveria acontecer no início da noite, de modo que o cortejo era iluminado pelas lâmpadas que as moças amigas da noiva levavam. Para causar suspense, os noivos costumavam atrasar. Seria, portanto, uma grande imprudência as moças deixarem faltar óleo para suas lâmpadas no cortejo, uma vez que uma festa de casamento começava a ser preparada com muita antecedência, cerca de um ano.

É a partir dessa realidade descrita que Jesus faz a sua denúncia e alerta os seus discípulos com a parábola, a partir da contraposição de atitudes das virgens: cinco eram imprevidentes e outras cinco eram previdentes. Esse paradoxo entre a imprudência e a prudência é típico da mentalidade sapiencial e bastante difuso no tempo de Jesus. Como recurso retórico, o paradoxo foi muito empregado por Jesus. Os termos mais adequados para definir a atitude das moças, conforme o texto na língua original, seriam imprudentes e prudentes, ou ainda insensatas e sensatas. A insensatez das cinco primeiras consiste em ter deixado o óleo acabar. A sensatez das outras cinco consiste em ter óleo suficiente para o longo tempo de espera pela chegada do noivo. O óleo (em grego: ἔλαιον – elaion), literalmente óleo de oliva ou azeite, é o elemento decisivo da parábola, e o que tem gerado muitas discussões e debates nos estudos bíblicos. Alguns exegetas já identificaram o óleo com as boas obras, os carismas pessoais, os dons do Espírito Santo, interpretações que já não são totalmente satisfatórias. O mais provável, considerando o conjunto do Evangelho, é que o óleo corresponde à vivência das bem-aventuranças (Mt 5,1-12), compreendendo-as como o compromisso e a responsabilidade pessoal de cada pessoa na construção do Reino. As bem-aventuranças, enquanto autorretrato de Jesus, são também a identidade cristã, e o que corresponde ao único critério para se fazer parte do Reino.

No conjunto das bem-aventuranças, estão o amor, a justiça, a construção da paz, a mansidão, a solidariedade, a tolerância e o respeito. E tudo isso é intransferível. Por isso, as jovens prudentes não podiam emprestar o óleo às imprudentes (vv. 8-9), pois o amor é pessoal, ninguém pode amar no lugar do outro, ninguém pode ser justo no lugar do outro. «As previdentes responderam: ‘De modo nenhum, porque o óleo pode ser insuficiente para nós e para vós. É melhor irdes comprar dos vendedores’» (v. 9) As jovens prudentes não foram egoístas, como pode parecer, com essa atitude. Ao não compartilhar o óleo, elas demonstraram ainda mais prudência, pois evitaram que faltasse óleo para todas, o que deixaria o cortejo nupcial triste, sem beleza e vida. A imagem quer recordar que ninguém está isento de viver o amor e a justiça, enquanto síntese das bem-aventuranças. A vigilância exigida na parábola, portanto, não significa privar-se do sono, afinal as prudentes e imprudentes dormiram todas (v. 5), mas consiste em manter-se abastecidos de amor e justiça. Para quem assimilou o sentido das bem-aventuranças em sua vida, não importa o dia e nem a hora em que o Senhor retornará. Na verdade, a vivência das bem-aventuranças é o sinal mais concreto da presença constante do Senhor na comunidade e no mundo. Quem vive assim faz da própria vida uma manifestação concreta do Senhor.

Na chegada do cortejo ao destino, que é a casa do noivo, a porta da casa foi fechada, impedindo que alguém que chegasse atrasado pudesse entrar. E, finalmente, chegaram as imprevidentes, provavelmente após terem conseguido óleo com algum vendedor (v. 10). Mas já não adiantou, pois encontraram a porta fechada. Aqui, a porta fechada para quem não teve óleo suficiente não é sinal de castigo ou exclusão (vv. 11-12). É também uma advertência de Jesus e do evangelista. É uma situação parecida com a da parábola do banquete (Mt 22,1-14), lida há alguns domingos (28º domingo), quando um convidado foi retirado da sala por não vestir o traje apropriado para a festa, o que também era uma imagem das bem-aventuranças. O fechamento da porta, portanto, significa a afirmação das exigências para fazer parte do Reino. Essas exigências, especialmente o amor e a justiça, são indispensáveis porque sem elas o mundo não é transformado, as coisas não mudam. Por isso, a conclusão também retoma elementos do discurso da montanha. As palavras do noivo às virgens imprudentes recordam uma das sentenças de Jesus, pouco tempo depois de ter proclamado as bem-aventuranças: «Não é aquele que diz ‘Senhor, Senhor!’ que entrará no Reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade do Pai que está nos céus» (Mt 7,21). E a vontade do Pai não se faz em um momento apenas, mas em toda a vida.

As cinco moças imprudentes que não alimentaram suficientemente suas lâmpadas com óleo representam aquelas pessoas que ao longo da vida não vivem as bem-aventuranças, imaginando que basta, de última hora, dizer “Senhor, Senhor!” para entrar no Reino. Tudo indica que na comunidade de Mateus havia muitas pessoas assim. Por isso, ele recordou com muito cuidado as palavras de Jesus que pediam paciência, vigilância e perseverança: «Portanto, ficai vigiando, pois não sabeis qual será o dia nem a hora» (v. 13). Essa vigilância não significa longas vigílias de oração, mas uma vida cristã sadia, responsável e comprometida com o Reino. Enfim, é a vida segundo as bem-aventuranças o que caracteriza a pessoa como vigilante e prudente. Por mais que a dimensão comunitária seja imprescindível na construção do Reino, há exigências pessoais intransferíveis e insubstituíveis, como o óleo da parábola.  

Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues – Diocese de Mossoró-RN

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