À medida em que o ano litúrgico caminha para o final, o tema da vigilância entra em evidência. Por isso, nos três últimos domingos do ano litúrgico corrente, o evangelho passa a ser tirado do chamado “discurso escatológico”, o último dos cinco grandes discursos atribuídos a Jesus no Evangelho de Mateus (Mt 24–25). É importante ressaltar, de antemão, que a ênfase dada à vigilância não visa provocar medo, mas reavivar a fé e aumentar nos cristãos a esperança na realização plena do Reino de Deus, fazendo aumentar também a responsabilidade de cada pessoa nessa construção. No discurso escatológico, prevalece o gênero literário apocalíptico, o que o torna tão enigmático e provocativo. Por isso, é necessário compreender bem o texto, para que sua mensagem de encorajamento e esperança não se torne causa de medo e terror. Embora o discurso compreenda os capítulos 24 e 25, a liturgia dominical utiliza apenas o capítulo 25, o qual é composto de três grandes parábolas, sendo que o evangelho de hoje – trigésimo segundo domingo – corresponde à primeira: a parábola das dez virgens (ou jovens) – Mt 25,1-13. As outras duas serão lidas próximos dois domingos.
Além da posição
privilegiada que ocupa no Evangelho, a parábola das dez virgens se destaca pela
peculiaridade das personagens. Ora, em todos os evangelhos, somente quatro
parábolas têm mulheres como protagonistas, sendo a maioria exclusividade de
Lucas: a parábola do fermento na massa (Mt 13,33; Lc 13,20-21), a parábola da
moeda perdida (Lc 15,8-10) a parábola do juiz injusto e a viúva persistente (Lc
10,1-8), e esta das dez virgens (Mt 25,1-13), sendo das quatro a única
exclusiva de Mateus. Logo, estamos diante de uma obra prima de Mateus, que
evidencia uma grande valorização da mulher justamente quando o seu Evangelho se
aproxima do ponto culminante. Ainda a nível de contexto, é importante recordar
a situação da comunidade do evangelista, destinatária primeira do Evangelho.
Quase cinquenta anos separam os eventos da paixão, morte e ressurreição de
Jesus da redação do Evangelho. Muitas coisas aconteceram nesse intervalo de
tempo, gerando consequências para a vida da comunidade, chegando a abalar a fé,
a esperança e a unidade dos cristãos e cristãs. Por isso, a comunidade mateana
vivia uma situação de crise, tanto por causas externas quanto internas. As
causas externas eram as perseguições da parte do judaísmo ortodoxo e do império
romano; as causas internas eram os conflitos entre os membros da própria
comunidade, divididos entre os de origem judaica e aqueles de origem pagã. O
Evangelho de Mateus é, portanto, um conjunto de respostas a tudo isso.
No caso específico da
parábola que hoje lemos na liturgia, essa é a resposta à crise de fé e de
identidade pela qual passava a comunidade, devido à diminuição no fervor de
seus membros. Ora, tendo se passado já quase cinquenta anos da ressurreição, os
cristãos não viam suas vidas melhorarem, pelo contrário, até pioravam devido às
perseguições. O resultado disso era uma fé cada vez menos viva e sem esperança.
Era preciso, portanto, reanimar, encorajar e despertar na comunidade a
esperança e o ardor da fé inicial. Além disso, havia a expectativa de um
retorno quase imediato do Senhor, após a ascensão; à medida em que esse retorno
não acontecia, diminuía a esperança e enfraquecia a fé. Diante do desânimo e enfraquecimento
da fé na comunidade, o evangelista pede uma atitude de vigilância. A comunidade
deve estar sempre pronta para encontrar-se com o Senhor a qualquer momento. Na
verdade, segundo a perspectiva teológica do evangelista, o ideal é viver na
certeza de que o Senhor nunca se ausentou, mas está sempre presente na
comunidade, exatamente por ser o “Deus conosco” (Mt 1,23; 18,20 28,20). Isso
exige solicitude para reconhecê-lo, e é exatamente o que a parábola das dez
virgens quer suscitar. Devido à extensão e ao gênero do texto, não comentaremos
versículo por versículo, mas procuraremos colher a sua mensagem central, embora
seja necessário, mesmo assim, observar cuidadosamente algumas expressões
particulares.
Uma vez contextualizados,
olhemos para o texto que começa assim: «O Reino dos Céus é como a história
das dez virgens que pegaram suas lâmpadas e foram ao encontro do noivo» (v.
1). Essa é a última parábola do Evangelho de Mateus em que o Reino dos Céus é
explicitamente comparado a uma realidade concreta e conhecida do auditório de
Jesus e da comunidade do evangelista. Ao todo, o Evangelho de Mateus contém dez
“parábolas do Reino”, sendo essa a décima. Trata-se de uma parábola com
mensagem de alcance e interesses universais. A expressão “dez virgens” (em
grego: δέκα παρθένοις – déka parténois)
evoca o universalismo da comunidade. Dez é um número que expressa totalidade e universalismo,
ao contrário do número doze que possui um valor simbólico mais restrito a
Israel. Com esse pequeno detalhe, Jesus e o evangelista dão um salto de
qualidade considerável à mensagem: o Reino dos Céus já extrapolou os limites de
Israel, é destinado a toda a humanidade. A imagem do matrimônio não era
novidade na linguagem de Jesus e nem no judaísmo. Inclusive, a festa de
casamento já tinha empregada como imagem do Reino em outra parábola, a da festa
de casamento do filho do rei (Mt 22,1-14). Desde o profeta Oséias, a relação
entre Deus e seu povo é apresentada em linguagem matrimonial. A novidade de
Jesus consiste em ampliar o alcance da imagem, cuja noiva-esposa deixa de ser
Israel e passa a ser a humanidade inteira. Por sinal, a parábola não fala da
noiva; por ela, subentende-se toda a humanidade, uma vez que é o próprio Jesus
o noivo-esposo.
Para compreender melhor a
parábola e sua mensagem, é necessário entender como era celebrada uma festa de
casamento na época e, sobretudo, qual era o papel das jovens virgens. Sem essa
compreensão, pode-se imaginar, à primeira vista, que as dez virgens estivessem
disputando um único noivo, ou até mesmo que o texto retrate um matrimônio
poligâmico. Por isso, é importante a explicação do episódio. Em Israel e em
muitas sociedades antigas orientais, o casamento era realizado por etapas ou
fases. A primeira fase, chamada de fase da promessa, durava um ano. Os noivos
consideravam-se já casados, embora continuassem a viver cada um com seus pais.
Era o período para as famílias acertarem os acordos econômicos, pois o
casamento era um negócio, e prepararem a festa. Completado o ano, o casamento
era finalmente festejado e consumado. No dia marcado, o noivo ia com seus
amigos até a casa da noiva. Em sua casa, a noiva reunia suas melhores amigas
para esperar o noivo. Após a chegada do noivo, a noiva se despedia dos seus
pais, deixava sua casa e ia para a casa do noivo, ao seu lado, onde acontecia a
festa, que durava em média uma semana. Formava-se assim, o cortejo nupcial da
casa da noiva para a casa do noivo. Isso deveria acontecer no início da noite,
de modo que o cortejo era iluminado pelas lâmpadas que as moças amigas da noiva
levavam. Para causar suspense, os noivos costumavam atrasar. Seria, portanto,
uma grande imprudência as moças deixarem faltar óleo para suas lâmpadas no
cortejo, uma vez que uma festa de casamento começava a ser preparada com muita
antecedência, cerca de um ano.
É a partir dessa
realidade descrita que Jesus faz a sua denúncia e alerta os seus discípulos com
a parábola, a partir da contraposição de atitudes das virgens: cinco eram
imprevidentes e outras cinco eram previdentes. Esse paradoxo entre a
imprudência e a prudência é típico da mentalidade sapiencial e bastante difuso
no tempo de Jesus. Como recurso retórico, o paradoxo foi muito empregado por Jesus.
Os termos mais adequados para definir a atitude das moças, conforme o texto na
língua original, seriam imprudentes e prudentes, ou ainda insensatas e
sensatas. A insensatez das cinco primeiras consiste em ter deixado o óleo
acabar. A sensatez das outras cinco consiste em ter óleo suficiente para o
longo tempo de espera pela chegada do noivo. O óleo (em grego: ἔλαιον – elaion),
literalmente óleo de oliva ou azeite, é o elemento decisivo da parábola, e o
que tem gerado muitas discussões e debates nos estudos bíblicos. Alguns exegetas
já identificaram o óleo com as boas obras, os carismas pessoais, os dons do
Espírito Santo, interpretações que já não são totalmente satisfatórias. O mais
provável, considerando o conjunto do Evangelho, é que o óleo corresponde à
vivência das bem-aventuranças (Mt 5,1-12), compreendendo-as como o compromisso
e a responsabilidade pessoal de cada pessoa na construção do Reino. As
bem-aventuranças, enquanto autorretrato de Jesus, são também a identidade
cristã, e o que corresponde ao único critério para se fazer parte do Reino.
No conjunto das bem-aventuranças, estão o amor, a justiça, a construção da
paz, a mansidão, a solidariedade, a tolerância e o respeito. E tudo isso é
intransferível. Por isso, as jovens prudentes não podiam emprestar o óleo às imprudentes
(vv. 8-9), pois o amor é pessoal, ninguém pode amar no lugar do outro, ninguém
pode ser justo no lugar do outro. «As previdentes responderam: ‘De modo nenhum, porque o óleo pode ser
insuficiente para nós e para vós. É melhor irdes comprar dos vendedores’» (v. 9) As jovens prudentes não foram egoístas, como pode
parecer, com essa atitude. Ao não compartilhar o óleo, elas demonstraram ainda
mais prudência, pois evitaram que faltasse óleo para todas, o que deixaria o
cortejo nupcial triste, sem beleza e vida. A imagem quer recordar que ninguém
está isento de viver o amor e a justiça, enquanto síntese das bem-aventuranças.
A vigilância exigida na parábola, portanto, não significa privar-se do sono,
afinal as prudentes e imprudentes dormiram todas (v. 5), mas consiste em
manter-se abastecidos de amor e justiça. Para quem assimilou o sentido das
bem-aventuranças em sua vida, não importa o dia e nem a hora em que o Senhor
retornará. Na verdade, a vivência das bem-aventuranças é o sinal mais concreto
da presença constante do Senhor na comunidade e no mundo. Quem vive assim faz
da própria vida uma manifestação concreta do Senhor.
Na chegada do cortejo ao
destino, que é a casa do noivo, a porta da casa foi fechada, impedindo que
alguém que chegasse atrasado pudesse entrar. E, finalmente, chegaram as
imprevidentes, provavelmente após terem conseguido óleo com algum vendedor (v. 10).
Mas já não adiantou, pois encontraram a porta fechada. Aqui, a porta fechada
para quem não teve óleo suficiente não é sinal de castigo ou exclusão (vv.
11-12). É também uma advertência de Jesus e do evangelista. É uma situação
parecida com a da parábola do banquete (Mt 22,1-14), lida há alguns domingos
(28º domingo), quando um convidado foi retirado da sala por não vestir o traje
apropriado para a festa, o que também era uma imagem das bem-aventuranças. O
fechamento da porta, portanto, significa a afirmação das exigências para fazer
parte do Reino. Essas exigências, especialmente o amor e a justiça, são
indispensáveis porque sem elas o mundo não é transformado, as coisas não mudam.
Por isso, a conclusão também retoma elementos do discurso da montanha. As
palavras do noivo às virgens imprudentes recordam uma das sentenças de Jesus,
pouco tempo depois de ter proclamado as bem-aventuranças: «Não é aquele
que diz ‘Senhor, Senhor!’ que entrará no Reino dos Céus, mas aquele que faz a
vontade do Pai que está nos céus» (Mt 7,21). E a vontade do Pai não se
faz em um momento apenas, mas em toda a vida.
As cinco moças
imprudentes que não alimentaram suficientemente suas lâmpadas com óleo
representam aquelas pessoas que ao longo da vida não vivem as bem-aventuranças,
imaginando que basta, de última hora, dizer “Senhor, Senhor!” para entrar no
Reino. Tudo indica que na comunidade de Mateus havia muitas pessoas assim. Por
isso, ele recordou com muito cuidado as palavras de Jesus que pediam paciência,
vigilância e perseverança: «Portanto, ficai vigiando, pois não sabeis qual
será o dia nem a hora» (v. 13). Essa vigilância não significa longas
vigílias de oração, mas uma vida cristã sadia, responsável e comprometida com o
Reino. Enfim, é a vida segundo as bem-aventuranças o que caracteriza a pessoa
como vigilante e prudente. Por mais que a dimensão comunitária seja imprescindível
na construção do Reino, há exigências pessoais intransferíveis e insubstituíveis,
como o óleo da parábola.
Pe. Francisco Cornelio F.
Rodrigues – Diocese de Mossoró-RN
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