terça-feira, março 23, 2010

DOM OSCAR ROMERO: BISPO, PROFETA E MÁRTIR


Somos convidados a fazer memória a um dos grandes nomes da Igreja na América Latina no período pós-conciliar, tempo em que o nosso continente foi marcado pelo testemunho profético de tantos bispos, entre os quais destacamos a figura de Dom Oscar Romero, bispo, profeta e mártir de El Salvador, assassinado aos 24 de março de 1980 enquanto celebrava a Santa Missa, mais precisamente no momento da elevação do cálice. É um testemunho que não pode passar despercebido.
Sabemos que naquele contexto muitos bispos em todo o continente, exerciam uma atividade profética intensa e quase todos sofreram ameaças de morte, mas em Dom Oscar Romero, a luta pela causa do “Reino” chegou ao ponto máximo: o martírio! Mártir da justiça, da solidariedade, do amor... mártir porque não conformou-se com a situação de opressão vivida pelo povo a ele confiado como pai e pastor.
Alguns dados sobre Dom Oscar Romero:
· Oscar Arnulfo Romero Galdamez, nasceu em San Miguel (El Salvador) aos 17 de agosto de 1917.
· Entrou no seminário em 1930 e foi ordenado aos 4 de abril de 1942.
· Foi nomeado bispo auxiliar de São Salvador em 1970 e transferido para Santiago de Maria em 1974.
· Aos 3 de fevereiro de 1977 foi nomeado arcebispo de São Salvador.
· Abriu caminho para o martírio ao afirmar em uma homilia que “...a missão da Igreja é identificar-se com os pobres. Assim a Igreja encontra sua salvação”, aos 11 de novembro de 1977.
· Aos 24 de março de 1980 foi assassinado enquanto consagrava as espécies sagradas na celebração da Santa Eucaristia na capela do Hospital Divina Providência, por um membro do exercito de El Salvador.
Os dados acima ainda dizem muito pouco sobre uma pessoa tão relevante como Dom Oscar Romero. Sabemos que o que o tornou reconhecido em todo o mundo foi o seu posicionamento ao lado dos menos favorecidos e injustiçados de São Salvador, a sua incansável luta em defesa dos mais pobres. Porém, isso trouxe uma grande surpresa, sobretudo para as autoridades de seu país. Antes de ser nomeado arcebispo, o Padre Oscar Romero e depois Dom Oscar Romero (bispo auxiliar de São Salvador e depois bispo de Santiago de Maria) era considerado conservador para a mentalidade eclesial da América Latina de então. Ao ser elevado à categoria de arcebispo, os grupos dominantes de El Salvador vibraram, pois pensavam que se tratava de um arcebispo voltado unicamente para a ortodoxia, que ignorasse a situação de sofrimento dos menos favorecidos.
Ao acompanhar de perto a realidade de seu povo, Dom Oscar Romero surpreendeu a muitos, assumindo publicamente a sua “opção preferencial pelos pobres”, e conseqüentemente, dedicando o seu ministério a essa causa, passando a denunciar as injustiças em suas homilias dominicais. Assim, o Evangelho apresentado pela liturgia a cada domingo em São Salvador era verdadeiramente um instrumento de libertação, pois falava da vida e em defesa da vida, era uma bandeira em defesa dos direitos humanos, naquela época ignorados pela repressão do poder político ditatorial.
Percebemos, portanto, uma conversão em Dom Oscar Romero: de conservador a defensor das causas sociais dos menos favorecidos. Ele percebeu que a sua missão só teria sentido se anunciasse um Cristo que não se contenta com a injustiça, nem com a violência e nem com a opressão. Compreendeu que o Evangelho poderia ser atualizado e transformar-se em força em defesa da vida. Ele entendeu com Jesus Cristo que o pastor deve assumir uma posição, tomar uma atitude firme diante de cada situação, e naquela realidade um verdadeiro discípulo de Jesus não poderia assumir uma outra postura senão a da defesa da vida, a causa dos menos favorecidos, as vítimas de um poder ilegítimo e arbitrário contrario aos princípios evangélicos.
Ao fazer a mesma opção que fez Jesus, Dom Oscar começou a sentir as conseqüências e o peso da cruz por antecipação. Sofreu denúncias da imprensa, do governo e até de alguns colegas bispos que não entenderam sua adesão ao “espírito profético”. Assim sendo, começou a receber ameaças de morte: “Fui freqüentemente ameaçado de morte. Devo dizer-lhe que, como cristão, não creio na morte sem ressurreição: se me matarem, ressuscitarei no povo salvadorenho. Digo isso sem nenhum ostentação, com a maior humildade. Como pastor, sou obrigado, por mandado divino, a dar a vida por aqueles que amo, que são todos os salvadorenhos, até por aqueles que me assassinarem”, declaração feita a uma rádio do México duas semanas antes de sua morte. Em 1979 um grupo de quatro bispos de El Salvador entregaram um documento secreto ao Vaticano, acusando-o de trair a reta doutrina, desvirtuando o ensinamento do Evangelho com doutrinas marxistas e subversivas. Isso o levou a duas audiências com João Paulo II, sendo que nas duas ele foi compreendido pelo Papa que acreditava na sua honestidade e fidelidade.
Assim, fiel ao Magistério e ao Evangelho, mais ainda sensível a causa dos menos favorecidos, em uma realidade difícil, de extrema opressão, a conseqüência de sua ação profética e de sua opção não poderia ser outra, senão a morte. Enquanto celebrava a Santa Missa, ápice da vida cristã, na capela do Hospital da Divina Providência, aos 24 de março de 1980, o sangue de Dom Oscar Romero misturou-se ao sangue já consagrado de Cristo, ao sofrer um tiro no coração, disparado por um membro do exercito de El Salvador, enquanto o arcebispo estava com o cálice levantado e pronunciando as palavras do próprio Cristo. Morria um arcebispo, um pastor, um profeta, e a América Latina ganhava mais um mártir, mais um santo.
Para compreender melhor o porquê de uma morte assim, tornemos a ver mais algumas palavras deste grande pastor durante uma homilia aos 23 de setembro de 1979: “os pobres marcaram o verdadeiro caminho da Igreja. Uma Igreja que não se une aos pobres para denunciar, a partir deles, as injustiças que se cometem contra eles, não é a verdadeira Igreja de Jesus Cristo. Creio que fazer esta denúncia, na minha condição de pastor do povo que sofre a injustiça, seja meu dever”, assim, comparando com as palavras de Jesus Cristo em Jo 10, 11: “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas”, Dom Oscar Romero foi um bom pastor, foi fiel a Jesus em plenitude.
Ao recordar um pouco da trajetória de Dom Oscar Romero, percebemos a atualidade da sua mensagem e o quanto ele atualizou a mensagem de Cristo, dando também a sua vida pelo povo. O testemunho de Dom Oscar Romero não foi único, na sua época muitos bispos fizeram como ele, abraçaram a causa dos pobres como a causa do Evangelho e por isso foram perseguidos. A ele a perseguição foi ao extremo. Para nós cristãos de hoje fica o exemplo, o testemunho e memória de quem lutou sem medo pela causa do Reino de Deus. A ele pedimos a intercessão para assumirmos o compromisso de discípulo e missionário de Jesus Cristo sem reservas, para o que o nosso povo tenha vida e dignidade em abundância. Foi o profeta e permanece a sua profecia.


Francisco Cornelio F. Rodrigues

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