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sábado, março 30, 2024

DOMINGO DA PÁSCOA DO SENHOR - JOÃO 20,1-9

 


Ao contrário da Vigília Pascal, cujo evangelho muda a cada ano, conforme o ciclo litúrgico vigente, no Domingo da Páscoa a liturgia mantém o mesmo evangelho para todos os anos. Trata-se de 20,1-9. Ao invés de ser um relato da ressurreição, como normalmente vem chamado, esse é, na verdade, um relato do «sepulcro encontrado vazio», pois a ressurreição em si não é relatada, uma vez que é um acontecimento indescritível, ao contrário da paixão e da morte de Jesus, as quais são descritas minuciosamente pelos evangelhos. Esse fato pode parecer estranho, considerando que é a ressurreição o evento fundante do cristianismo e, por isso, o centro da fé cristã, e foi exatamente em função dessa que os evangelhos foram escritos. Mesmo assim, os evangelistas não conseguiram descrevê-la. O texto proposto hoje – Jo 20,1-9 – é apenas a introdução daquilo que o Quarto Evangelho dedica à ressurreição, sem, no entanto, descrevê-la: a descoberta do sepulcro vazio, o que pode significar muita coisa ou quase nada, a depender de quem faz a constatação. Três personagens entram em cena nesse texto: Maria Madalena, Simão Pedro e o Discípulo amado. O número três já é, por si, um grande e rico sinal; se trata de um indicativo teológico: significa uma comunidade que, embora se encontre profundamente abalada, devido ao final trágico de seu líder, aos poucos vai sendo recomposta, à medida em que a esperança será recuperada.

O primeiro versículo apresenta o retrato da comunidade antes de vivenciar a experiência da ressurreição: «No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo de Jesus, bem de madrugada, quando ainda estava escuro, e viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo» (v. 1). O “primeiro dia da semana” é o dia seguinte ao sábado, último dia da antiga criação. Com essa expressão, o evangelista indica que há uma nova criação em curso; um novo tempo e um novo mundo estão sendo gestados, mas ainda está na etapa primordial, o caos, simbolizado pela expressão «quando ainda estava escuro»; o escuro, como sinônimo de caos, fora constatado também na primeira criação (Gn 1,1-2). Na verdade, o indicativo temporal «bem de madrugada» e seu complemento enfático «quando ainda estava escuro» não é apenas uma indicação temporal; significa o estado da comunidade naquelas circunstâncias. A ausência de Jesus e a procura pelo seu corpo na morada dos mortos – o túmulo – reflete uma realidade de trevas na comunidade. Essa situação de trevas não se deve à ausência da luz física, mas significa que a vida não está triunfando na comunidade, ou seja, a morte está prevalecendo. Trevas é ausência de vida e de esperança, sobretudo na teologia de João. E a primeira atitude de inconformismo diante das trevas é de Maria Madalena. Sua atitude vai despertar toda a comunidade a buscar uma saída para a superação das trevas.

Sem a experiência do Ressuscitado, a situação da comunidade é caótica, pois essa fica sem rumo, sem saber o que fazer, como vemos na postura de Maria Madalena: «Então, ela saiu correndo e foi encontrar Simão Pedro e o outro discípulo, aquele que Jesus amava, e lhes disse: ‘Tiraram o Senhor do túmulo e não sabemos onde o colocaram’» (v. 2). A pressa e as palavras de Maria Madalena indicam uma situação de quase desespero. Embora o texto de João registre apenas a ida de Maria Madalena ao sepulcro, é mais provável que tenha sido um grupo de mulheres, como consta nos evangelhos sinóticos (Mt 28,1; Mc 16,1; Lc 24,1); João cita somente a Madalena para recordar o protagonismo dela na comunidade primitiva e para delimitar o número três com os dois discípulos mencionados (Pedro e o Discípulo Amado), dando uma ênfase teológica maior ao fato, indicando uma comunidade, pois o número três significa completude.

Ir ao túmulo é a atitude de quem acredita que a morte triunfou, pois o túmulo é a morada dos mortos, é um depósito de cadáver, mas é também uma manifestação de amor por aquele que julgava estar morto. A surpresa e o espanto de Maria Madalena são causados exatamente pela ausência do cadáver no túmulo. A cultura da morte e o desânimo estavam tão presentes na mente dos discípulos que nem mesmo a pedra removida do túmulo fora suficiente para animá-los. De fato, a remoção da pedra e a ausência do corpo de Jesus causaram, inicialmente, preocupação e espanto, ao invés de alegria e esperança. Na fala de Maria Madalena vem expressa a falência da comunidade: mesmo reconhecendo Jesus como “Senhor”, ela sente a falta de um cadáver; quer saber onde está o corpo morto para reverenciá-lo, provavelmente com os perfumes, e chorar junto dele. É a situação de quem ainda estava agindo na escuridão, sem reconhecer o novo dia que estava para nascer.

Com o aviso de Maria Madalena, também Pedro e o Discípulo Amado tomam a iniciativa de ir ao túmulo para conferir a veracidade da informação, uma vez que a palavra da mulher não era digna de credibilidade naquela sociedade: «Saíram, então, Pedro e o outro discípulo e foram ao túmulo» (v. 3). Continuando, diz o texto que «Os dois corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa que Pedro e chegou primeiro ao túmulo» (v. 4). A pressa do Discípulo Amado revela sua fidelidade, testada e comprovada aos pés da cruz (19,25-27), característica da pessoa amada. Somente quem fez uma autêntica e profunda experiência de amor com o Senhor é capaz de opor-se ao clima de morte reinante na comunidade, por isso, esse discípulo é anônimo; o evangelista não lhe dá um nome, mas apenas um adjetivo: amado.

Os personagens anônimos no Evangelho segundo João têm a função de paradigmas para a sua comunidade e os seus leitores de todos os tempos; assim, todo aquele que ler esse evangelho deve tornar-se um “discípulo amado” também. Ele, o Discípulo Amado chegou primeiro e comprovou que a informação da Madalena era verídica: «viu as faixas de linho no chão, mas não entrou» (v. 5). À pressa do Discípulo Amado opõe-se a lentidão e o desânimo de Pedro, após ter sido tão incoerente com o Mestre na fase final de sua vida: opôs-se a ele na ceia, no momento do lava-pés (Jo 13,6-8), e o negara durante o processo (Jo 18,15-27). A falta de motivação de Pedro foi, certamente, marcada pelo remorso da negação e outras incoerências, o que será transformado quando experimentar o Ressuscitado em sua vida.

O Discípulo Amado, embora tenha chegado primeiro, espera que Pedro também chegue e faça ele mesmo a sua experiência: «Chegou também Simão Pedro, que vinha correndo atrás, e entrou no túmulo. Viu as faixas de linho no chão» (v. 6). Tendo entrado no túmulo, Pedro comprova a ausência do corpo de Jesus e, certamente, faz uma longa reflexão a respeito de tudo o que tinha acontecido nos últimos dias. Embora a tradução litúrgica diga que ele “viu” as faixas de linho, o evangelista emprega um verbo de significado muito mais profundo: “contemplar” (em grego: θεωρέω theorêo), o que significa mais que simplesmente ver; inclusive, desse verbo grego deriva a palavra teoria, como consequência de uma observação profunda: um olhar contemplativo, processado na mente e no coração.

Depois de Pedro, entra também o Discípulo Amado no túmulo. Tendo chegado primeiro, poderia ter entrado logo, mas preferiu esperar que Pedro chegasse e entrasse logo. Não se trata de uma preeminência de Pedro, como sugerem algumas interpretações, uma vez que na comunidade joanina não ainda havia espaço para hierarquia, como Jesus mesmo deixou claro no lava-pés; era na verdade uma questão de necessidade: quem, de fato, necessitava de uma experiência mais forte era Pedro, pois, depois de Judas, foi o discípulo que mais tinha fracassado até então, impondo sempre resistências aos propósitos de Jesus, além da negação durante o processo. Já o Discípulo Amado tinha feito uma experiência autêntica com o Senhor durante toda a sua vida, por isso, «viu e acreditou» (v. 8); não se deixou vencer pelos sinais de morte vistos dentro do túmulo, mas reforçou ali a sua fé.

Para Pedro, foi necessário um pouco mais de tempo, pelo menos algumas horas, para convencer-se de que o Senhor ressuscitou e vive (Jo 20,19ss). Mas, os sinais estão apontando para isso: interiormente, ele já estava “teorizando” sua fé, reconstruindo-a lentamente, uma vez que os acontecimentos do lava-pés ao julgamento de Jesus foram muito fortes e deixaram suas expectativas bastante comprometidas. Será o próprio Senhor Ressuscitado a ajudá-lo no processo de reconstrução da fé, posteriormente, com a tríplice pergunta: «Pedro, tu me amas?» (Jo 21,15-19). Sem amor, não há discipulado e, muito menos, experiência pascal. As percepções diferentes do sepulcro vazio por Maria, Pedro e o Discípulo Amado são sinais da diversidade que marca comunidade cristã desde os seus primórdios. Os três viram o mesmo fenômeno, mas cada um reagiu à sua maneira: Maria com espanto e choro (Jo 20,11), Pedro com silêncio, e o Discípulo Amado com fé. Embora a dimensão comunitária da fé seja indispensável, as experiências de percepção e reação diante do mistério são sempre pessoais e devem ser respeitadas.

É o conhecimento da Escritura que, gradativamente, vai habilitando a comunidade a crer na ressurreição (v. 9), pois é na Escritura que os planos de Deus são indicados e conhecidos. A fé de Pedro, de Maria Madalena e dos demais será reformulada aos poucos, a cada “primeiro dia” quando se reunirem para a comunhão fraterna, compreendendo a partilha do pão e a leitura da Escritura. A comunidade que não coloca a Escritura no centro da sua existência, tende a repetir a situação inicial desanimadora de Maria Madalena, pois sem a Escritura «não sabemos onde está o Senhor» (v. 2). A propósito de Maria Madalena, é necessário considerar o fato de todos os evangelistas mencionarem as mulheres como as primeiras personagens dos acontecimentos do “primeiro dia”; mesmo não acreditando em primeira hora, é a partir da visão e das palavras delas que a ressurreição vai se tornando realidade na vida da comunidade. Ora, se os evangelistas, e João em particular, pretendem apresentar uma nova criação, a gestação de um novo mundo e um novo tempo, é imprescindível que o papel da mulher seja evidenciado. Mulher é sinônimo de vida nova, pois ela é, por excelência, geradora de vida. Mesmo quando a vida nova não é gerada no ventre de uma mulher, como no caso extraordinário da ressurreição, mas é da intuição e da perspicácia de uma mulher (ou de várias, como nos evangelhos sinóticos) que brotam as razões para a constatação dessa nova vida. Se na antiga criação a mulher não passava de uma companheira para o homem, na nova criação ela assume um protagonismo ímpar: é a primeira a ver e a falar.

Além da compreensão da Escritura, é necessária a experiência do amor autêntico para a fé e o encontro com o Ressuscitado. O Discípulo Amado já tinha completado essas duas etapas, por isso, somente Ele acreditou em primeira mão, pois foi capaz de ler os sinais do sepulcro aberto e o corpo ausente à luz do amor e das Escrituras. Só crê num primeiro momento quem ama e sente-se amado, como aquele Discípulo sem nome, ao qual o evangelista quer que todos os seus leitores se assemelhem! Assim, concluímos voltando para o nosso início: a ressurreição não pode ser descrita, pode apenas ser experimentada. Para isso, é necessário fazer a experiência do amor profundo e do conhecimento da Escritura. 

Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues – Diocese de Mossoró-RN

REFLEXÃO PARA A VIGÍLIA PASCAL – MARCOS 16,1-7 (ANO B)


Enquanto o evangelho do domingo da ressurreição é o mesmo para todos os anos (Jo 20,1-9), o da Vigília Pascal muda de acordo com o ciclo litúrgico vigente. Isso quer dizer que, a cada ano, a liturgia propõe a leitura de um dos relatos da ressurreição de Jesus a partir de um dos evangelhos sinóticos (Mt – Mc – Lc). Neste ano, por ocasião do ciclo B, temos a oportunidade de ler o relato de Marcos – Mc 16,1-7. Na verdade, mais do que relatos da ressurreição, os evangelhos trazem cenas que retratam a experiência das mulheres diante do túmulo vazio na madrugada ou início da manhã do primeiro dia da semana, adotado pela tradição cristã como o Domingo de Páscoa. A ressurreição em si, apesar de ser o evento fundante da fé cristã, não chega a ser narrada e nem descrita por nenhum dos evangelhos. Por isso, o mais correto é chamar esses textos de relatos do túmulo vazio. De fato, nenhum evangelista conta como Jesus ressuscitou e deixou a sepultura, nem o momento em que isso aconteceu. O que todos os evangelhos contam são indícios, anúncios da ressurreição e experiências de encontro com a pessoa do Ressuscitado. Nesse sentido, o Evangelho de Marcos, enquanto o mais antigo dos quatro, apresenta-se também mais atípico, pois teve sua redação original concluída com o silêncio das mulheres (Mc 16,8) e, por isso, sem o relato de nenhuma aparição. As referências a algumas aparições do Ressuscitado que se encontram na forma atual fazem parte de um epílogo, acrescentado posteriormente (Mc 16,9-20), quando os outros evangelhos já estavam concluídos, com a finalidade de corrigir a impressão de incompletude que passava, ao ser comparado aos demais.

O relato lido hoje, obviamente, possui versão paralela nos outros dois sinóticos (Mt 28,1-10; Lc 24,1-8), e é por isso que se pode fazer comparações com eles. Possui certo paralelismo também com o relato de João (Jo 20,1-9), embora com menos pontos em comum. É importante recordar que os relatos do túmulo vazio – em todos os evangelhos – fazem parte da seção narrativa que deu origem aos próprios evangelhos: as narrativas da paixão, morte e ressurreição de Jesus. Foi a partir destas narrativas que os evangelhos ganharam corpo como livros. Isso indica a importância que esses textos tiveram para as comunidades do cristianismo nascente. Se trata, portanto, de textos fundantes. Posteriormente, cada evangelista, de acordo com as necessidades catequéticas e teológicas de suas respectivas comunidades, e suas próprias habilidades literárias, desenvolveram a história de Jesus, partindo de fontes orais e escritas, anteriores a eles. Mateus e Lucas, por exemplo, conseguiram reconstruir essa história da ressurreição até o nascimento, enquanto Marcos parou no batismo e testemunho de João Batista. Porém, a pregação inicial se fundava no anúncio de que Jesus Cristo, o Messias e Filho de Deus, morreu na cruz e ressuscitou. Por isso, a escrita dos evangelhos começou pelo final, ou seja, pelos relatos da paixão, morte e acenos à ressurreição. Desde quando Marcos foi reconhecido como o primeiro Evangelho a ser escrito, seus episódios passaram a ser considerados fontes para os demais, e aquilo que parecia incompletude se tornou sinônimo de originalidade, profundidade e riqueza teológica. É, portanto, a partir dessa perspectiva que devemos olhar o evangelho desta noite.

Comecemos, então, a olhar para o texto e logo perceberemos importantes particularidades recordadas pelo evangelista. Eis o primeiro versículo: «Quando passou o sábado, Maria Madalena e Maria, a mãe de Tiago, e Salomé, compraram perfumes para ungir o corpo de Jesus» (v. 1). Como se sabe, na tradução judaica o sábado começa ao pôr do sol do dia anterior e termina ao pôr do sol do sábado mesmo. Como o sepultamento de Jesus foi feito às pressas, no final da tarde do dia anterior ao sábado, não houve tempo suficiente para fosse acontecesse com todos os elementos tradicionalmente utilizados, pois obrigatoriamente deveria ser concluído antes que começasse o sábado. E durante o sábado, era proibido realizar qualquer atividade, inclusive tocar um cadáver. Por isso, as mulheres não tiveram tempo sequer de comprar os perfumes necessários para ungir o corpo de Jesus. Somente quando passou o sábado, provavelmente ao anoitecer do próprio sábado, pois a partir das dezoito horas já começava o dia seguinte, e o comércio de Jerusalém reabria nesse horário, mesmo que por pouco tempo, as mulheres puderam comprar os perfumes para levaram ao túmulo ao amanhecer do dia seguinte. O evangelista cita o nome de três mulheres, mas certamente o grupo era maior, inclusive, a própria mãe de Jesus deveria fazer parte da comitiva. Pelos nomes citados, são as mesmas que tinham observado a crucificação, juntas com outras que seguiam Jesus e o serviam desde o começo da sua missão na Galileia (Mc 15,40-41). Elas são exemplo de fidelidade, perseverança e solidariedade, ao contrário dos discípulos homens, que abandonaram Jesus e fugiram, logo no momento da prisão (Jo 14,50). Elas não poderiam esquecer a mensagem de Jesus e o que ele fez por elas, inclusive, aceitando-as no seu discipulado, quando era expressamente proibido pelo judaísmo da época. Num mundo dominado por homens, com tudo pensado para os homens, Jesus deu voz às mulheres, tornando-as protagonistas de suas próprias vidas e de uma nova história.

Tendo, portanto, passado o sábado, e já tendo comprado os perfumes, as mulheres já estavam decididas sobre o que fazer e não tinham tempo a perder. Por isso, o evangelista afirma que, «bem cedo, no primeiro dia da semana, ao nascer do sol, elas foram ao túmulo» (v. 2). O primeiro dia da semana, obviamente, é o domingo. O dia do recomeço de sempre, mas a partir daquela ocasião deixou de ser o dia de um simples recomeço e passou a ser o dia do novo início de tudo. Início de uma nova história, de um novo mundo com a humanidade recriada. Certamente, ao nascer do sol daquele dia, as mulheres que foram ao túmulo ainda não tinham consciência do que estava acontecendo, mas a perseverança e solidariedade delas levou-as à descoberta. Foram ao túmulo para embalsamar o cadáver de um homem que tinha mudado o sentido da vida delas, com uma mensagem libertadora, humanizante e emancipatória. Quando tomam a iniciativa de irem sozinhas, logo cedo, ao túmulo, elas já demonstram que o mundo e a vida delas não era mais o mesmo de antes de seguirem Jesus. O seguimento do Nazareno já tinha transformado a vida delas para sempre, antes mesmo de qualquer indício de ressurreição corporal.

Elas estavam decididas a render homenagem a Jesus, custasse o que custasse. Até se preocuparam como fazer: «E diziam entre si: “Quem rolará a para nós a pedra da entrada do túmulo?”» (v. 3). Esse dado é exclusivo de Marcos. Os outros evangelistas, que tiveram Marcos como fonte, não quiseram incorporá-lo aos seus relatos. É um dado que reforça a perseverança das mulheres e o quanto a ressurreição estava distante de seus horizontes. Em praticamente todas as correntes do judaísmo da época, exceto entre os essênios, havia a crença na ressurreição no último dia, no final dos tempos. Uma ressurreição como a de Jesus estava fora de qualquer cogitação, embora ele tivesse anunciado várias vezes aos seus discípulos e discípulas (Mc 8,31; 9,31; 10,33-34; 14,28). A preocupação das mulheres com a pedra do túmulo ressalta que elas queriam vê-lo a todo o custo e derramar os perfumes sobre seu corpo. Mesmo sem perspectiva de ressurreição, ainda, elas já estavam fazendo memória de Jesus. Isso quer dizer que, ressuscitando ou não, Jesus já tinha transformado a vida delas. Elas compreenderam sua mensagem como semente de um mundo novo, e nunca mais olhariam para o mundo com a mentalidade de antes, por isso estavam dispostas a enfrentar desafios sem recuar, mesmo conscientes do tamanho das pedras que teriam pela frente.

Ao chegar ao túmulo, certamente, se surpreenderam com o que viram, pois «Era uma pedra muito grande. Mas quando olharam, viram que a pedra já tinha sido retirada» (v. 4). A referência ao tamanho da pedra visa enfatizar a distância entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, entre a vida e a morte. Era uma distância muito grande, difícil de ser superada. A ressurreição é o fim dessa distância. Na verdade, é o fim da distância entre o mundo de Deus e a humanidade, e as mulheres foram as primeiras testemunhas desse fim, mesmo que as coisas ainda não estivessem tão claras para elas. Elas viram que a pedra fora retirada. Quer dizer que muita coisa já aconteceu e elas foram as primeiras beneficiárias destas coisas, pois o obstáculo temido por elas desapareceu: a grande pedra, certamente pesada, já tinha sido retirada. Ansiosas como estavam para ver o corpo morto de Jesus, vendo que o túmulo estava aberto, pois a grande pedra tinha sido retirada, elas entraram e, certamente, tiveram uma grande surpresa: «Entraram, então, no túmulo e viram um jovem, sentado ao lado direito, vestido de branco» (v. 5). Ora, entraram no túmulo para ver um cadáver e render-lhe as últimas homenagens, mas não o encontraram. O que encontraram foi um jovem vivo, sinal de esperança e vida nova. Tudo muito surpreendente. No lugar da morte, encontraram vida. Ao invés de um corpo próximo de entrar em estado de decomposição, pois os judeus imaginavam que a decomposição começava a partir do quarto dia após o sepultamento, as mulheres encontram um sinal de vida nova e vigor, simbolizada pelo jovem. Contudo, não encontraram o que queriam: o corpo de Jesus. E, por isso, devem ter sentido tristeza também.

O jovem vestido de branco indica tratar-se de um mensageiro de Deus. A veste branca simboliza o mundo de Deus, de onde veio o jovem. E eis que ele apresenta a mensagem trazida de Deus, antes de tudo, encorajando as mulheres que, naturalmente, ficaram desconcertadas diante do que estavam vendo: «Mas o jovem lhes disse: “Não vos assusteis! Vós procurais Jesus de Nazaré, que foi crucificado? Ele ressuscitou. Não está aqui» (v. 6). O imperativo «não vos assusteis» é típico dos relatos de manifestação de Deus – teofanias. Visa tranquilizar o ser humano. Não é tanto uma resposta ao medo, mas ao espanto, à admiração causada. E, geralmente, a reação humana diante da manifestação de Deus é o espanto e o temor reverencial, mais do que o medo mesmo. Após tranquilizar as mulheres, o jovem lhes faz uma pergunta retórica, pois já sabia a resposta. Ele sabia a quem as mulheres procuravam: o corpo de Jesus Nazareno, que foi crucificado. Na sequência, como resposta à pergunta retórica, é feito o grande anúncio: Ele ressuscitou, por isso não poderia mais estar ali. Esse anúncio é muito significativo, não apenas por constituir o anúncio fundamental da fé cristã, mas também pelo modo como é feito: quem ressuscitou foi Jesus Nazareno, o crucificado. Com isso, o evangelista ensina que a comunidade não pode separar o anúncio da ressurreição de Jesus da memória da sua vida. O Ressuscitado é Jesus Nazareno, que fora crucificado. As marcas da cruz foram incorporadas à identidade do Ressuscitado.

É muito justo que as mulheres tenham sido as primeiras a receber tal anúncio, pois elas viram a crucificação, enquanto os discípulos homens tinham fugido há bastante tempo, logo no momento da prisão. As mulheres perseveraram, assistiram tudo, viram Jesus morrer na cruz, sofreram com ele. Certamente, elas sentiram muitos sonhos serem crucificados com Jesus, sobretudo o sonho de um mundo novo, com justiça, paz, igualdade e inclusão. A ida delas ao túmulo já demonstrava que o mundo para elas não voltaria mais a ser como antes do seguimento de Jesus. Mas o anúncio da ressurreição ensina que o caminho estava aberto para continuarem o projeto de libertação começado, quer dizer, o Reino de Deus plantado há pouco tempo, continuaria germinando na história. Por isso, elas são convidadas a contemplar o lugar onde Jesus foi colocado: «Vede o lugar onde o puseram» (v. 7a), não como prova material da ressurreição, pois não há necessidade, mas como motivação para não buscarem mais sinais de morte, pois o Reino de Deus, que coincide com a vida em abundância, encontra-se em plena edificação. Logo, é para os sinais de vida que se deve olhar. Portanto, faz parte da ironia narrativa do evangelista o convite o ver o sepulcro como o lugar para onde não se deve mais olhar. O jovem vestido de branco estava ali de passagem, apenas para fazer esse anúncio, dando um recado de Deus. Daquele momento em diante, o sepulcro passaria a ser coisa do passado.

E, finalmente, as mulheres receberam o verdadeiro recado de Deus, o Pai, e do Ressuscitado: «“Ide, dizei a seus discípulos e a Pedro que ele irá à vossa frente na Galileia”» (v. 7b). Como se vê, elas recebem a missão de levar um anúncio capaz de recompor a comunidade do discipulado de Jesus, da qual tinham restado somente elas, após o drama da cruz. Da missão delas depende a unidade e a reunião dos que se tinham dispersado com a prisão de Jesus. Temos aqui um verdadeiro mandato apostólico, missionário. As mulheres são as primeiras a receber a ordem “Ide anunciar”! O anúncio é dirigido a todos os discípulos dispersos, com ênfase para Pedro. Certamente, a referência explícita a Pedro não significa um privilégio, mas uma necessidade. Depois de Judas, foi o mais covarde diante do que Jesus estava passando. Por três vezes, negou conhecer Jesus. Por meio das mulheres, ele vai receber o anúncio que o Ressuscitado o espera na Galileia. Esse anúncio pedindo que os discípulos retornem à Galileia retoma uma predição do próprio Jesus, ainda no início da paixão, no monte das Oliveiras. Lá, ele disse que todos se dispersariam, mas ele iria à frente deles, após a ressurreição, para reencontrá-los na Galileia (Mc 14,2-28). Conhecedor das limitações e fragilidades humanas, ele não condenou os discípulos que lhe tinham abandonado. Quis reuni-los de novo, não para fazer uma prestação de contas com acusações e condenações, mas para renovar a confiança e reconfirmá-los na missão. Ele nunca desiste do ser humano. Por isso, o encontro com ele, ressuscitado, na Galileia visa a reconciliação.

O retorno que os discípulos devem fazer a Galileia visa também, além da reconciliação, o reencontro de todos com as motivações originárias do seguimento. Nesse sentido, retornar à Galileia se torna um verdadeiro imperativo. «“Lá vós o vereis, como ele mesmo tinha dito”» (v. 7c). Ora, na perspectiva de Marcos, Jerusalém, como centro do poder, estava completamente corrompida. Lá, o Reino de Deus não floresceria, pois tinha se tornado um lugar de morte, sobretudo com o conluio do poder religioso com o político, do qual Jesus mesmo foi vítima. Por isso, quem permanecesse lá não veria o Ressuscitado. O retorno à Galileia significa o reencontro com os fundamentos da vocação e da missão, sobretudo para os discípulos que se dispersaram. Eles precisavam se reencontrar com Jesus e se reencantarem com o seu Evangelho. Precisavam recomeçar, por isso, era necessário um encontro na Galileia, onde tudo começou. É também um aceno que o mundo novo gerado pela ressurreição de Jesus começa pelas periferias, como foi o começo do seu ministério. Como o Ressuscitado é o mesmo Nazareno que fora crucificado, para vê-lo, portanto, é necessário ir à Galileia. Obviamente, mais do que um lugar físico, a Galileia aqui é toda possibilidade e ocasião de encontro com o Ressuscitado e de promoção da vida. Em todo o mundo há Galileias a serem descobertas e reconhecidas.

Que a Páscoa imprima em nós o desejo de participar do mundo novo oferecido pela ressurreição de Jesus e renove nosso compromisso de lutar pela edificação do seu Reino vivendo a fraternidade, a justiça e o amor. No mundo novo, os últimos se tornam primeiros, como se vê pelo protagonismo das mulheres no primeiro anúncio. A vida venceu. Que possamos manifestar essa vitória vivendo à maneira de Jesus, o crucificado que ressuscitou e, por isso, não está mais no sepulcro. Ele quer estar na vida de cada pessoa, humanizando e libertando. Que nossas comunidades sejam pequenas Galileias, para onde possamos retornar quantas vezes for necessário para nos reecontrarmos com ele e recomeçarmos.

Pe. Francisco Cornélio F. Rodrigues – Diocese de Mossoró-RN

 

sábado, abril 08, 2023

REFLEXÃO PARA A VIGÍLIA PASCAL – MATEUS 28,1-10 (ANO A)



Enquanto o evangelho do domingo da ressurreição é sempre o mesmo – Jo 20,1-9 –, o da Vigília Pascal muda de acordo com o ciclo litúrgico vigente. A cada ano, a liturgia propõe a leitura de um dos relatos da ressurreição de Jesus a partir de um dos evangelhos sinóticos (Mt – Mc – Lc). Neste ano, por ocasião do ciclo A, temos a oportunidade de ler o relato de Mateus – Mt 28,1-10. Na verdade, mais do que relatos da ressurreição, os evangelhos trazem cenas que retratam a experiência das mulheres diante do sepulcro vazio na madrugada ou início da manhã do Domingo de Páscoa. A ressurreição em si, apesar de ser o evento fundante da fé cristã, não chega a ser narrada e nem descrita por nenhum dos evangelhos. De fato, nenhum evangelista conta como Jesus ressuscitou e deixou o sepulcro, nem o momento em que isso aconteceu. O que todos os evangelhos contam são indícios, anúncios da ressurreição e experiências de encontro com a pessoa do ressuscitado. Nesse sentido, o Evangelho de Mateus se sobressai sobre os demais, pois contém a narrativa que mais se aproxima de um relato de ressurreição, propriamente dito, pois é o que apresenta os indícios mais fortes, como veremos a seguir, em comparação com os outros evangelhos.

O relato lido hoje, obviamente, possui versão paralela nos outros dois sinóticos (Mc 16,1-8; Lc 24,1-8), e é por isso que se pode fazer comparações com eles. Possui certo paralelismo também com o relato de João (Jo 20,1-9), embora com menos pontos em comum. Os relatos parciais de ressurreição – em todos os evangelhos – fazem parte da seção narrativa que deu origem aos próprios evangelhos: as narrativas da paixão, morte e ressurreição de Jesus. Foi a partir destas narrativas que os evangelhos ganharam corpo como livros. Isso indica a importância que tais textos tiveram para as comunidades do cristianismo nascente. Se trata, portanto, de textos fundantes. Posteriormente, cada evangelista, de acordo com as necessidades catequéticas e teológicas de suas respectivas comunidades, e suas próprias habilidades literárias, desenvolveram a história de Jesus, partindo de fontes orais e escritas, anteriores a eles. Mateus e Lucas, por exemplo, conseguiram reconstruir essa história da ressurreição até o nascimento. Porém, a pregação inicial se fundava no anúncio de que Jesus Cristo, o Messias e Filho de Deus, foi morto na cruz e ressuscitou. Por isso, a escrita dos evangelhos começou pelo final, ou seja, pelos relatos da paixão, morte e ressurreição de Jesus.

Iniciamos nosso olhar para o texto partindo do primeiro versículo, e nele já encontramos importantes particularidades do evangelista Mateus. Eis o início do texto: «Depois do sábado, ao amanhecer do primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro» (v. 1). Em todos os evangelhos, se diz que algumas mulheres se dirigiram ao sepulcro depois do sábado, logo ao amanhecer do primeiro dia da semana, que é o domingo. Ora, o sábado fora o último dia da antiga criação, e aqui o evangelista indica que há uma nova criação em curso. Neste primeiro dia da semana, um novo mundo e um novo tempo estão surgindo. É o começo de uma nova história. Na antiga criação, a obra de Deus no primeiro dia foi a luz (Gn 1,3-5). Na nova criação, continua sendo a luz, mas é a luz da ressurreição do seu Filho, é a vida plena, e as primeiras pessoas a contemplar essa luz nova foram as mulheres. Elas viram a vitória da luz sobre as trevas, logo ao «amanhecer do primeiro dia da semana». É nítido o contraste entre a atitude delas e a dos discípulos homens, que fugiram com medo, durante a paixão, logo após a prisão de Jesus (Mt 26,56). Portanto, as mulheres, também discípulas, que perseveraram e resistiram corajosamente ao drama da cruz, vêem o romper das trevas, e não de modo passivo, mas com ativo protagonismo na história nascente. O evangelista cita apenas duas, mas como representantes de todas as discípulas e de todas as mulheres de todos os tempos.

A primeira diferença significativa entre o relato de Mateus e o dos outros evangelistas neste episódio é a finalidade da ida das mulheres ao sepulcro. Enquanto nos outros evangelhos se diz que elas foram para ungir o corpo de Jesus, levando perfumes e aromas, no Evangelho Mateus se diz que elas foram ver o sepulcro. É um dado muito significativo, pois expressa mais afeto e atenção, e não o mero cumprimento de um preceito, como era típico dos judeus ungir os cadáveres. As mulheres não foram executar uma tarefa, simplesmente. Foram ver, contemplar, como já tinham feito no momento do sepultamento, e Mateus disse que elas se sentaram, defronte ao sepulcro, assistindo Jesus ser sepultado (Mt 27,61). Isso indica o afeto que elas tinham por Jesus; gostavam de estar perto dele, certamente, porque nunca tinham sido tão acolhidas, compreendidas e amadas por alguém como foram por ele. Sem dúvidas, elas estavam com saudades dele, foram ver a tomba, chorar, refletir e repensar a vida após aqueles acontecimentos. Por sinal, o verbo empregado pelo evangelista indica mais do que ver, significa contemplação, um olhar reflexivo (verbo grego θεωρέω – theorêo); desse verbo deriva a palavra teoria, que significa literalmente a exposição sistemática de um argumento a partir da observação. Primeiro se observa, depois se fala a respeito. No caso da ressurreição de Jesus, primeiro se faz experiência com ele, depois se anuncia, como vai mostrar a sequência do texto.

No versículo seguinte, percebemos mais particularidades relevantes do relato de Mateus, que ressaltam ainda mais a importância das mulheres e seu respectivo testemunho: «De repente, houve um grande tremor de terra: o anjo do Senhor desceu do céu e, aproximando-se, retirou a pedra e sentou-se nela» (v. 2). Mateus foi o único evangelista que falou de um terremoto na hora da morte de Jesus, e agora no relato da ressurreição ele fala de um novo terremoto. Na linguagem apocalíptica empregada pelo evangelista, o terremoto é uma imagem que significa manifestação de Deus e transformação, evoca a passagem de um mundo velho para um mundo novo. O fim do mundo velho, marcado por injustiças, violência e hipocrisia, fora decretado na morte de Jesus, como consequência da mentalidade vigente naquele mundo. A ressurreição marca o início do novo mundo, o começo de uma nova ordem, caracterizada pelo amor e seus derivados: paz, justiça, solidariedade, fraternidade, tolerância… É o começo de uma nova história, de um mundo humanizado. Na nova história, as mulheres tem vez e voz. Toda vez que a comunidade professa sua fé na ressurreição, portanto, ela renova o compromisso de empenhar-se na construção desse mundo novo.

A imagem do «anjo do Senhor» confirma que se trata de uma intervenção direta de Deus. O evangelista diz que o anjo «desceu do céu e, aproximando-se, retirou a pedra e sentou-se nela». Nos outros evangelhos, quando as mulheres chegam ao sepulcro já encontram a pedra removida (Mc 16,4; Lc 24,2; Jo 20,1). Indiretamente, Mateus diz que as mulheres viram o anjo remover a pedra, apesar de também não descrever Jesus ressuscitando. Mas a diferença é considerável em relação aos demais. Após remover a pedra, o anjo se senta nela, uma imagem que significa o triunfo da vida sobre a morte. A pedra era o sinal de separação entre a vida e a morte. Essa separação é superada com a ressurreição de Jesus. Sentado na pedra, o anjo decreta que a vida venceu e o mundo novo começou. E as mulheres são as primeiras testemunhas dessa novidade. A descrição do aspecto do anjo confirma sua origem divina: a aparência luminosa – como um relâmpago – e as vestes brancas são imagem do mundo de Deus na linguagem bíblica, e são as mesmas características com as quais Jesus se revelou no momento da transfiguração (Mt 17,1-8; Mc 9,1-8; Lc 9,28-36). Aqui, funciona como uma confirmação para as mulheres e os leitores de todos os tempos.

A presença dos guardas também é outra exclusividade do Evangelho de Mateus. Como resultado de mais um acordo entre Pilatos e as autoridades religiosas, eles foram designados para vigiar o sepulcro, a fim de, posteriormente forjarem o boato do roubo do corpo de Jesus pelos seus discípulos (Mt 27,62-66). Tudo isso como fruto da ganância e do poder de quem não aceitava a mensagem libertadora de Jesus e quis silenciá-lo, embora sem sucesso, ao longo de todo o seu ministério. Impactados pelo medo da intervenção de Deus, os guardas ficaram como mortos (v. 4), por um momento, mas logo em seguida aceitarão o suborno das autoridades para negar a realidade da ressurreição e espalhar o boato do roupo do corpo de Jesus (Mt 28,11-15). A imagem dos guardas caídos como mortos contrasta com a do anjo sentado na pedra em sinal de triunfo. O contraste entre essas duas imagens ressalta a soberania de Deus e a vitória definitiva da vida. Com isso, evangelista reforça ainda mais a força da intervenção de Deus na história e a credibilidade do testemunho das mulheres, pois foram muitas as tentativas de desacreditar o anúncio da ressurreição de Jesus pelos mesmos poderosos que o tinham matado. Ao dizer que os guardas, enquanto representantes das forças de morte, «ficaram como mortos», o evangelista ressalta, paradoxalmente, o triunfo da vida: o projeto de morte foi derrotado, mesmo que insistam em negar a ressurreição, mediante o suborno.

Enquanto mensageiro de Deus, o anjo se dirige às mulheres, e começa encorajando-as, diante da novidade de todos estes acontecimentos: «Não tenhais medo! Sei que procurais Jesus, que foi crucificado» (v. 5). O convite ao encorajamento, mediante o imperativo «não tenhais medo», é típico da comunicação de Deus com as pessoas escolhidas para desempenharem uma missão especial na história da salvação. Inclusive, nos relatos da anunciação do nascimento de Jesus, tanto a José quanto a Maria, o anjo disse a mesma coisa (Mt 1,20; Lc 1,30). Isso indica a importância do evento e da missão tratados aqui: a ressurreição de Jesus e a mandato das mulheres como primeiras mensageiras e apóstolas da ressurreição. O anjo sabia que as mulheres procuravam Jesus que foi crucificado. Ora, ninguém pode esquecer que Jesus foi crucificado. No anúncio do Ressuscitado não se pode omitir que ele foi crucificado. O Ressuscitado e o crucificado são a mesma pessoa: Jesus de Nazaré, o Messias e Filho de Deus. Recordar essa continuidade é essencial, pois representa a perenidade da sua mensagem libertadora e atualidade do seu jeito de viver como único paradigma para a comunidade. Tudo o que ele ensinou e viveu continua válido e sempre será. Inclusive, o Ressuscitado carregará as marcas da cruz, porque elas são provas de um amor infinito, mais do que lembranças de um acontecimento (Lc 24,39; Jo 20,27). A cruz de Jesus é um atestado de amor, por isso, a comunidade não pode esquecer que ele foi crucificado.

Finalmente, o anjo faz o grande anúncio: «Ele não está aqui! Ressuscitou, como havia dito! Vinde ver o lugar em que ele estava» (v. 6). Jesus ressuscitou! As mulheres são as primeiras a ouvir esse anúncio e, por consequência, serão as primeiras anunciadoras. A referência ao que ele «havia dito» é uma alusão aos três anúncios da paixão, que visavam preparar os seus seguidores, homens e mulheres, para a realidade da paixão e ressurreição (Mt 16,21; 17, 22; 20,17-19). O convite para as mulheres olharem o lugar que em que ele estava é, mais do que uma prova da ressurreição em si, uma demonstração do fracasso dos projetos de morte que os poderosos investiram contra a ele. O complô medíocre entre o sinédrio e o poder romano fracassaram. Jesus ressuscitou e, por isso, a vida venceu, o amou triunfou. Diante disso, as mulheres recebem uma importante missão, confiada inicialmente pelo anjo: «Ide depressa contar aos discípulos que ele ressuscitou dos mortos, e que vai à vossa frente para a Galiléia. Lá o vereis. É o que tenho a dizer-vos» (v. 7). Temos aqui um verdadeiro mandato apostólico, missionário. As mulheres são as primeiras a receber a ordem “Ide anunciar”! E devem anunciar com pressa, com agilidade, o que reforça ainda mais a importância deste primeiro anúncio. Ora, ao fugir com medo, após a prisão de Jesus (Mt 26,56), os discípulos se dispersaram, obviamente. O anúncio das mulheres, portanto, tem a função também de reconstituir a comunidade que tinha ficado dispersa e fragmentada. A comunidade vai se recompor a partir do anúncio das mulheres, e não será uma tarefa fácil, pois o testemunho de mulheres não era válido nem aceito nas sociedades patriarcais como Israel. Aceitar o testemunho das mulheres era uma atitude subversiva, e mais subversivo ainda era delegá-las como testemunhas. Isso mostra o quanto Jesus e seu Deus, que é Pai, são surpreendentes! Para anunciar a mais bela das notícias ele escolhe as mensageiras menos credíveis, conforme a mentalidade da época. É a subversão do Evangelho rompendo barreiras com todo o vigor!

Mesmo sabendo que corriam o risco de não ser acreditadas, «as mulheres partiram depressa do sepulcro. Estavam com medo, mas correram com grande alegria, para dar a notícia aos discípulos» (v. 8). A pressa, num caso como esse, é uma necessidade. Era necessário o quanto antes encontrar os discípulos dispersos e transmitir essa notícia maravilhosa. O medo, numa situação dessa, também é compreensível. Elas tiveram medo, mas não ficaram paralisadas, e isso faz a diferença. Ainda mais porque dosaram o medo com alegria. O anúncio cristão tem de ser alegre, mesmo que as situações da vida provoquem medo, às vezes. Certamente, a missão destas mulheres foi a mais difícil de toda a história do cristianismo. o fato de serem mulheres já constituía a primeira dificuldade, depois por ser o primeiro anúncio da ressurreição, um dos aspectos mais difíceis de aceitação na doutrina cristã, em todos os tempos. Porém, a submissão das mulheres fazia parte do mundo velho, que acabou com o terremoto na hora da morte de Jesus. No mundo novo, inaugurado com a ressurreição, todos são iguais, não há espaço para discriminação ou preconceito de nenhum tipo; quem não tinha voz passa a ter, e a designação das mulheres como primeiras anunciadoras demonstra isso. Enquanto primeiras missionárias de Jesus Cristo, elas são a prova mais concreta de que um mundo novo surgiu, ratificando a mensagem do Evangelho, desde o início.

Enquanto iam com pressa, seguindo à risca o mandato conferido pelo anjo, «de repente, Jesus foi ao encontro delas, e disse: ‘Alegrai-vos!’. As mulheres aproximaram-se, e prostraram-se diante de Jesus, abraçando seus pés» (v. 9). Aqui, novamente, Mateus se sobressai em relação aos demais evangelhos, pois é no seu relato que as mulheres fazem mais cedo a experiência do encontro com o Ressuscitado. E elas reconhecem Jesus imediatamente. Os discípulos homens serão mais lentos também em reconhecer e acreditar, quando Jesus se manifestar a eles, na Galileia (Mt 28,17). Essa manifestação tão cedo às mulheres indica que elas estavam no caminho certo e que Jesus está sempre presente na vida e no caminho de quem segue a sua mensagem. Funciona como uma espécie de confirmação. O evangelista diz que Jesus «foi ao encontro delas». Perceber isso é importante, pois significa que a iniciativa é dele; é ele quem deseja primeiro caminhar com conosco. Ele foi, vai e vem sempre ao encontro da humanidade. As mulheres se aproximaram e se prostraram, em adoração. A atitude delas aqui é a mesma dos magos, quando encontraram Jesus recém-nascido e logo o reconheceram como o rei dos judeus (Mt 2,11). Ao se prostrarem em adoração (verbo grego: προσεκύνησαν – prossekunêssan), as mulheres mostram plena convicção na ressurreição de Jesus e total adesão ao seu anúncio. Elas já tinham acreditado no anjo, pois saíram com pressa conforme ele tinha ordenado; o reconhecerem Jesus imediatamente, elas confirmam a veracidade do anúncio do anjo e renovam as convicções da fé e do sentido da vida, tudo agora ressignificado pela ressurreição. Certamente, após o encontro com o Ressuscitado elas ficaram ainda mais entusiasmadas com tudo o que estava acontecendo e isso deve ter repercutido na qualidade do anúncio.

As palavras de Jesus às mulheres praticamente ratificam o que o anjo já tinha anunciado: «Então Jesus disse a elas: ‘Não tenhais medo. Ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galileia. Lás eles me verão’» (v. 10). As primeiras palavras de Jesus são também um convite à coragem. De fato, elas precisavam, pois sabiam que encontrariam resistência no anúncio. Quem ainda não tinha aderido ao mundo novo que estava surgindo, certamente, resistiria ao anúncio delas. Por isso, Jesus as encoraja e repete o mandato: «Ide anunciar!». E os primeiros destinatários do anúncio da ressurreição feito pelas mulheres são os discípulos homens, a quem Jesus chama de irmãos, mostrando que não desiste do ser humano. Isso também indica o seu projeto de fraternidade para a comunidade cristã. De fato, a fraternidade é um projeto de vida que deve nortear o mundo novo inaugurado pela ressurreição de Jesus. Confessar que ele ressuscitou e celebrar sua ressurreição implica em compromisso e disposição de viver em fraternidade. Podemos dizer, portanto, que a fraternidade está entre os primeiros frutos da ressurreição, pois é condição para a participação no Reino de Deus, que corresponde ao mundo novo inaugurado pela ressurreição. Jesus especifica às mulheres a natureza do anúncio primordial aos discípulos: dirigir-se à Galileia, para lá se encontrarem com ele. O retorno à Galileia significa o reencontro com os fundamentos da vocação e da missão, sobretudo para os discípulos que se dispersaram. Eles precisavam se reencontrar com Jesus e se reencantarem com o seu Evangelho. Precisavam recomeçar, por isso, era necessário um encontro na Galileia, onde tudo começou. A Galileia como lugar de encontro com o ressuscitado significa também uma denúncia à Jerusalém, sede do poder e, por isso, lugar de morte, na perspectiva de Mateus.

Que a Páscoa imprima em nós o desejo de participar do mundo novo oferecido pela ressurreição de Jesus e renove nosso compromisso de lutar pela edificação do seu Reino vivendo a fraternidade, a justiça e o amor. No mundo novo, os últimos se tornam primeiros, como se vê pelo protagonismo das mulheres no primeiro anúncio. A vida venceu. Que possamos manifestar essa vitória vivendo à maneira de Jesus, o crucificado que ressuscitou e, por isso, não está mais no sepulcro. Ele quer estar na vida de cada pessoa, humanizando e libertando. Que nossas comunidades sejam pequenas Galileias, para onde possamos retornar quantas vezes for necessário para nos reecontrarmos com ele e recomeçarmos.

Pe. Francisco Cornélio F. Rodrigues – Diocese de Mossoró-RN

REFLEXÃO PARA A FESTA DA EXALTAÇÃO DA SANTA CRUZ – JOÃO 3,13-17

  Neste ano, a liturgia do vigésimo quarto domingo do tempo comum é substituída pela Festa da exaltação da Santa Cruz, cujo evangelho é Jo...