sexta-feira, março 30, 2018

REFLEXÃO PARA O DOMINGO DA RESSURREIÇÃO – JOÃO 20,1-9




O evangelho que a liturgia propõe neste Domingo de Páscoa é João 20,1-9. Ao invés de ser um relato da ressurreição, esse é na verdade um relato do “sepulcro encontrado vazio”, pois a ressurreição é indescritível. Ao contrário da paixão e da morte de Jesus, as quais são descritas minuciosamente pelos evangelhos, nenhuma descrição da ressurreição é feita, o que pode parecer estranho, considerando que é a ressurreição o evento fundante do cristianismo e, por isso, o centro da fé cristã. Foi exatamente em função da ressurreição que os evangelhos foram escritos e, mesmo assim, seus autores não conseguiram descrevê-la.

O texto que a liturgia propõe para hoje, Jo 20,1-9, é apenas a introdução daquilo que o Quarto Evangelho dedica à ressurreição, sem no entanto descrevê-la: a descoberta do sepulcro vazio, o que pode significar muita coisa ou quase nada, a depender de quem faz a constatação. Três personagens entram em cena nesse texto: Maria Madalena, Simão Pedro e o Discípulo amado. O número três já é, por si, um grande e significativo sinal; se trata de um indicativo teológico: significa uma comunidade, a qual encontra-se profundamente abalada, devido ao final trágico de seu líder, mas que vai, aos poucos, sendo recomposta, à medida em que a esperança é recuperada.

O primeiro versículo é bastante significativo, pois apresenta o verdadeiro retrato da comunidade antes de vivenciar a experiência da ressurreição: “No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo de Jesus, bem de madrugada, quando ainda estava escuro, e viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo” (v. 1). O “primeiro dia” é o dia seguinte ao sábado, último dia; isso quer dizer que a comunidade ainda estava apegada à lei, cumprindo o repouso sabático. A observância da lei atrasa a experiência da ressurreição que é, na verdade, a nova criação que se instaura, por isso, a ênfase ao primeiro dia. Isso não significa que a ressurreição se deu exatamente no domingo, o primeiro dia da semana, mas foi nesse dia que a comunidade começou a despertar e a fazer a experiência de encontro com o Ressuscitado.

Após cumprir a lei do repouso sabático, em observância à lei, “Maria Madalena foi ao túmulo de Jesus, bem de madrugada, quando ainda estava escuro” (v. 1). Embora o texto de João registre apenas a ida de Maria Madalena ao sepulcro, é mais provável que tenha sido um grupo de mulheres, como consta nos evangelhos sinóticos (cf. Mt 28,1; Mc 16,1; Lc 24,1); João cita somente a Madalena para compor o número três com os dois discípulos (Pedro e o Discípulo Amado), dando uma ênfase teológica maior ao fato. Ir ao túmulo é a atitude de quem acredita que a morte triunfou, pois o túmulo é a morada dos mortos, é um depósito de cadáver. A comunidade vai ao túmulo por reverência a Jesus e para chorar a sua morte, sem nenhuma esperança na ressurreição.

O indicativo temporal “bem de madrugada” e seu complemento enfático “quando ainda estava escuro” significam muito mais que um dado cronológico; é na verdade o indício da mentalidade da comunidade naquelas circunstâncias. A ausência de Jesus e a procura pelo seu corpo na morada dos mortos reflete uma realidade de trevas na comunidade. Essa situação de trevas não se deve à ausência da luz física, mas significa que a vida não está triunfando na comunidade, ou seja, a morte está prevalecendo. Trevas é ausência de vida e de esperança.

Enquanto observa a lei, como o repouso sabático, a comunidade permanece cega e incapaz de perceber os sinais do ressuscitado. A cultura da morte está tão presente na mente dos discípulos que nem mesmo a pedra do túmulo removida é suficiente para animá-la. De fato, a remoção da pedra e a suposta ausência do corpo de Jesus causa, inicialmente, preocupação e espanto, ao invés de alegria e esperança. Por isso, Maria Madalena, certamente preocupada, correu para comunicar a Pedro e ao Discípulo Amado: “Retiraram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde o colocaram” (v. 2b). Nessa fala da Madalena vem expressa a completa falência da comunidade: sentem a falta de um cadáver; querem saber onde está o corpo morto para reverenciá-lo, provavelmente com os perfumes, e chorar junto dele.

Com o aviso de Maria Madalena, também Pedro e o Discípulo Amado tomam a iniciativa de ir ao túmulo para conferir a veracidade da informação (v. 3), uma vez que a palavra da mulher não era digna de credibilidade naquela sociedade. Afirma o texto que “Os dois corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa que Pedro e chegou primeiro ao túmulo” (v. 4), o que revela o grau de desânimo de Pedro após ter sido tão incoerente com o Mestre na fase final de sua vida: opôs-se a ele na ceia, no momento do lava-pés (cf. 13,6-8), e o negara durante o processo (cf. 18,15-27). A falta de motivação de Pedro foi, certamente, marcada pelo remorso da negação e outras incoerências, o que será recuperado quando experimentar o Ressuscitado em sua vida.

A pressa do Discípulo Amado revela sua fidelidade, testada e comprovada aos pés da cruz (cf. 19,25-27), característica da pessoa amada; somente quem fez uma autêntica e profunda experiência de amor com o Senhor é capaz de opor-se ao clima de morte reinante na comunidade, por isso, esse discípulo é anônimo; o evangelista não lhe dá um nome, mas apenas um adjetivo: amado. Os personagens anônimos no Evangelho segundo João tem a função de paradigmas para a comunidade e os leitores; assim, todo aquele que ler esse evangelho deve tornar-se um “discípulo amado” também. Ele, o Discípulo Amado chegou primeiro e comprovou que a informação da Madalena era verídica: “viu as faixas de linho no chão, mas não entrou” (v. 5).

O Discípulo Amado, embora tenha chegado primeiro, espera que Pedro também chegue e faça ele mesmo a sua experiência: “Chegou também Simão Pedro, que vinha correndo atrás, e entrou no túmulo. Viu as faixas de linho no chão” (v. 6). Tendo entrado no túmulo, Pedro comprova a ausência do corpo de Jesus e, certamente, faz uma longa reflexão a respeito de tudo o que tinha acontecido nos últimos dias. Embora a tradução litúrgica diga que ele “viu” as faixas de linho, o evangelista emprega um verbo de significado muito mais profundo: “contemplar” (em grego: qewrew – teorêo), o que significa mais que simplesmente ver; desse verbo grego deriva a palavra teoria, como consequência de uma observação profunda: um olhar contemplativo, processado na mente e no coração.

Depois de Pedro, entra também o Discípulo Amado no túmulo. Tendo chegado primeiro, poderia ter entrado logo, mas preferiu esperar que Pedro chegasse e entrasse logo. Não se trata de preeminência, uma vez que na comunidade joanina não havia espaço para hierarquia, o que Jesus deixou claro no lava-pés; era na verdade uma questão de necessidade: quem, de fato, necessitava de uma experiência mais forte era Pedro, pois, depois de Judas, foi aquele que mais fracassou. Já o Discípulo Amado tinha feito uma experiência autêntica com o Senhor durante toda a sua vida, por isso, “viu e acreditou” (v. 8); não se deixou vencer pelos sinais de morte vistos dentro do túmulo, mas reforçou ali a sua fé.

Para Pedro, foi necessário um pouco mais de tempo, pelo menos algumas horas, para convencer-se de que o Senhor ressuscitou e vive. Mas, os sinais estão apontando para isso: interiormente, ele já estava “teorizando” sua fé, reconstruindo-a lentamente, uma vez que os acontecimentos do lava-pés ao julgamento de Jesus foram muito fortes e deixaram suas expectativas bastante comprometidas.

É o conhecimento da Escritura que, gradativamente, vai habilitando a comunidade a crer na ressurreição (v. 9). A fé de Pedro, de Maria Madalena e dos demais será reformulada aos poucos, a cada “primeiro dia” quando reunirem-se para a comunhão fraterna. Só crê num primeiro momento quem ama e sente-se amado, como aquele Discípulo sem nome, ao qual o evangelista quer que todos os seus leitores se assemelhem! Assim, concluímos voltando para o nosso início: a ressurreição não pode ser descrita, pode apenas ser experimentada. Para isso, é necessário fazer a experiência do amor profundo!


Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues – Diocese de Mossoró-RN

quarta-feira, março 28, 2018

REFLEXÃO PARA A QUINTA-FEIRA SANTA – JOÃO 13,1-15




Na Quinta-feira Santa, somos convidados pela liturgia, a refletir, meditar e compreender o rico texto joanino da cena do lava-pés: João 13,1-15. Não resta dúvidas de que essa é uma das passagens mais significativas de todo o Quarto Evangelho e que, certamente, tem marcado o cristianismo desde as suas origens. Por isso, é um texto comprometedor: não dá pra fazer de conta que Jesus não considerou o serviço, motivado pelo amor, como o maior sinal distintivo de pertença a si.

Apresentamos uma pequena contextualização para, em seguida, nos voltarmos diretamente para o texto. A princípio, pode nos causar espanto a distância entre João e os demais evangelhos quando se trata da última ceia de Jesus com seus discípulos. Ora, ao contrário dos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), que dedicam poucos versículos à ceia, João dedica nada menos que cinco capítulos: 13, 14, 15, 16 e 17. Ao longo desses capítulos, ele apresenta uma longa e profunda catequese de Jesus, ministrada com gestos e palavras, numa espécie de testamento, cujo tema central é amor e serviço, apresentados como únicos sinais distintivos da comunidade cristã.

No Evangelho de João, não há nenhum aceno à “consagração” do pão e do cálice, como nos demais; por sinal, o pão só é mencionado na descrição da traição de Judas (cf. 13.17.26.27.30). Essa ausência do tema do pão e sua “consagração” pode ser explicada pelo fato de que João já havia apresentado em outra ocasião: após o sinal da “multiplicação dos pães” (cf. 6,1-15), o evangelista apresentou um longo discurso de Jesus se auto apresentando como o “pão da vida” (cf. 6,26-66). Por isso, já não havia mais necessidade de fazer catequese sobre o pão, uma vez que essa já tinha sido feita. O texto que a liturgia propõe é a primeira parte do longo relato da ceia. Chama a atenção, logo de início, o fato de um momento tão marcante e solene não começar com um discurso ou convite, mas com um gesto surpreendente: o lava-pés.

O texto começa com um indicativo teológico-temporal importante: “Antes da festa da páscoa” (v. 1a). O evangelista não pretende negar o contexto pascal no qual Jesus ceou com seus discípulos, mas quer apenas diferenciar, ou seja, quer dizer que a páscoa celebrada por Jesus não é mais a mesma do templo; a páscoa de Jesus não exige ofertas e sacrifícios, não é instrumento de exploração como se praticava no templo. Celebrando antes, Jesus substitui: aquela que será celebrada um ou dois dias depois pelos praticantes da religião oficial já não vale mais nada, está caduca e vencida. Na páscoa do templo, o centro das atenções é a morte, a imolação dos cordeiros, enquanto a páscoa de Jesus com sua comunidade celebra o triunfo da vida em forma de serviço, a mais eficaz manifestação visível do amor.

Ao longo de todo o Evangelho, João criou um clima de suspense em relação à “hora de Jesus” (cf. 2,4; 12,23). Pois bem, essa hora chegou: “sabendo Jesus que tinha chegado a sua hora” (v. 1b). É a hora de glorificar ao Pai... o Pai que não se sentia glorificado pelo falso culto praticado no templo de Jerusalém, uma vez que esse fora transformado em casa de comércio (cf. 2,16ss), recebe de Jesus o verdadeiro culto: “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (v. 1c). O amor de Jesus é ilimitado e, por isso, é “até o fim” (em grego: eivj te,loj – eis télos); isso significa a intensidade do amor, e não o seu término. Quer dizer que Jesus amou de modo extremo, intenso, e continua amando, uma vez que, ressuscitado, vive entre os seus na comunidade.

Continuando, diz o evangelista: “Estavam tomando a ceia” (v. 2a), ou seja, no momento primordial da vivência do amor-comunhão, uma ceia alternativa ao ritual judaico. Nessa ceia de Jesus e da comunidade não há encenação, tudo é feito na maior sinceridade e transparência; por isso, o evangelista menciona o episódio lamentável da traição de Judas (v. 2b): nada é imposto. A comunidade é livre para acolher ou não o amor incondicional e extremo de Jesus e, portanto, no seio dessa comunidade é possível que alguns o rejeitem, como Judas e outrora, e tantos nas gerações sucessivas. No entanto, a oferta de amor não diminui diante do risco de rejeição. Mesmo traindo, Judas continuou entre os “amados até o fim”.

A oferta do amor gratuito e intenso de Jesus pelos seus começou a se materializar quando ele “levantou-se da mesa, tirou o manto, pegou uma toalha e amarrou-a na cintura” (v. 4). Certamente, foi grande o espanto e a curiosidade gerada nos discípulos com essa iniciativa de Jesus. Tirar o próprio manto em público é renunciar ao prestígio e à própria dignidade pessoal; amarrar uma toalha na cintura significa improvisar um avental e colocar-se em atitude de serviço; é assumir a condição de servo. Com isso, o evangelista deixa cada vez mais clara a oposição de Jesus à liturgia oficial do templo: a indumentária dos sacerdotes do templo é um impedimento ao serviço; na comunidade de Jesus não se usa paramentos, mas avental, não se cumpre ritos, mas se serve aos irmãos.

Na sequência, o texto diz o que Jesus fez após deixar de lado o manto e pôr-se em atitude de serviço: “Derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos, enxugando-os com a toalha com que estava cingido” (v. 5). Assim como os leitores ainda hoje ficam perplexos com essa cena, muito mais ficaram os discípulos que estavam com Jesus. Aqui devemos considerar o ambiente e a situação histórica na época: lavar os pés antes das refeições era uma regra básica de higiene, sobretudo, porque as estradas eram bastante precárias, as sandálias muito simples, o que deixava os pés sempre sujos, empoeirados.

Além do estado permanente de sujeira dos pés, devido à simplicidade das sandálias e condições das estradas, as refeições não eram feitas em mesas altas como as de hoje, nem os comensais se sentavam em cadeiras, principalmente nos ambientes mais simples. A mesa, geralmente, era apenas um tapete estendido no chão e, ao seu redor, sentava-se em almofadas ou diretamente no chão. Por isso, lavar os pés antes das refeições era uma exigência básica. Portanto, com essa atitude Jesus não instituiu nenhum rito, mas ensinou aos discípulos de outrora e de sempre que eles devem estar dispostos a servir ao próximo em suas necessidades mais simples e básicas.

O lava-pés era também um gesto de hospitalidade e acolhida: ao receber uma visita, o dono da casa oferecia, imediatamente, a água para lavar os pés. A grande novidade do gesto de Jesus está na sua autoria: esse papel era próprio do escravo; às vezes, a mulher lavava os pés do marido. O homem livre fazia isso apenas se recebesse em sua casa a visita de alguém muito ilustre, em atitude de respeito e reverência. Ao fazer voluntariamente, Jesus inverte completamente os valores: sendo ele Mestre e Senhor (vv. 13-14), fez o que era típico do escravo. Com esse gesto, Jesus diz que fica abolida a hierarquia na comunidade cristã, e a liturgia, enquanto rito, é substituída pelo serviço.

É claro que houve reação dos discípulos à atitude de Jesus. O primeiro a protestar foi Simão Pedro: “Tu nunca me lavarás os pés” (v. 8). Ora, para quem tinha deixado tudo, imaginando seguir um “Rei de Israel”, deve mesmo ser chocante deparar-se com um “servo”. Por isso, o espanto e a negação; o que Jesus estava fazendo era inaceitável para quem tinha ambiciosas pretensões de poder. A reação de Pedro revela também a resistência dos oprimidos nos processos de libertação: as relações de igualdade parecem algo impossível para quem conheceu apenas um mundo dividido entre grandes e pequenos, súditos e chefes, e acabou naturalizando essas condições; Jesus com suas palavras e gestos quis exatamente mudar essa realidade e visão de mundo.

O outro motivo para a resistência de Pedro foi o medo das consequências do gesto de Jesus: se o mestre lava os pés dos outros, os seus discípulos deverão fazer o mesmo. Por isso, Pedro só aceitou a atitude de Jesus em última instância: se não aceitasse não poderia mais fazer parte da comunidade: “Jesus respondeu: Se eu não te lavar não terás parte comigo” (v. 8b). Aceitar um mestre servo e se fazer servo com ele e como ele é condição para fazer parte da comunidade cristã.

Após a insistência de Jesus, Pedro aceitou, mas não compreendeu: “Senhor, então lava não somente os meus pés, mas também as mãos e a cabeça” (v. 9). Com essa resposta, Pedro quis desviar o foco da proposta: quis transformar a atitude serviçal de Jesus em um novo rito de purificação, um a mais entre os muitos que os judeus já praticavam e que Jesus tanto combatia. Pedro não aceita a igualdade e não admite ter que servir ao próximo com a mesma intensidade com que Jesus servia. Ora, transformando a atitude do lava-pés em um novo rito de purificação, ele estaria se isentando do compromisso com o próximo e ganhando mais um mecanismo de dominação ideológica, contrariando o ensinamento de Jesus.

No final, certamente depois de muita insistência e resistência, o gesto de Jesus conclui por si mesmo a catequese do amor-serviço: “Depois de ter lavado os pés dos discípulos, Jesus sentou-se de novo” (v. 12). Sentar-se à mesa era um direito exclusivo da pessoa livre; sentar-se de novo após o serviço é a consolidação da revolução de valores instaurada: no banquete da vida, vivido e celebrado pela comunidade cristã, há espaço para todos, principalmente para o que serve. Não pode haver divisão de classes na comunidade, porque todos são iguais: o que senta à mesa, serve, e o que serve, senta à mesa. O que era papel do escravo, lavar os pés, é agora papel do homem livre que pode levantar-se e sentar-se conforme a necessidade. As divisões hierárquicas não tem espaço na comunidade cristã, porque nessa prevalece o movimento de sentar-levantar-sentar para que as necessidades do ser humano sejam atendidas, desde as mais simples, como tirar a poeira dos pés, até as mais complexas, como dar a própria vida por amor.

Jesus em sua liberdade fez o papel do escravo para mostrar que na sua comunidade não pode haver distinção de classe: não há mais espaço para a escravidão, todos e todas são livres. O medo de Pedro consistia em não aceitar essa mudança de paradigma, como hoje muitos ainda resistem, preferindo fechar-se a uma mentalidade mais alinhada à religião do templo, duramente combatido por Jesus, do que aos valores do Evangelho. Jesus celebrou a páscoa da subversão: substituiu o rito pelo serviço, criou uma comunidade alternativa igualitária, na qual tudo deve ser orientado a partir do amor-serviço.



Pe. Francisco Cornelio Freire Rodrigues, Diocese de Mossoró-RN

sábado, março 24, 2018

REFLEXÃO PARA O DOMINGO DE RAMOS DA PAIXÃO DO SENHOR – MARCOS 14,1 – 15,47 (ANO B)




O texto evangélico que a liturgia propõe para este domingo de ramos é a versão de Marcos da narrativa da paixão e morte de Jesus: Mc 14,1 – 15,47. São dois capítulos inteiros que narram os últimos momentos de Jesus com a comunidade de discípulos, a sua condenação, o flagelo, a morte e o sepultamento. A grande extensão do texto nos impede de construir uma reflexão mais detalhada e pontual; por isso, consideraremos apenas alguns aspectos específicos do longo relato, procurando colher a mensagem global do texto.

Como sempre, consideramos essencial o conhecimento do contexto para uma compreensão adequada do texto em si. Os relatos da paixão e morte de Jesus constituem o ápice dos evangelhos. É claro que o nosso foco nesse ano é especificamente o relato de Marcos, mas muitos aspectos introdutórios valem também para os demais evangelhos. Ora, as primeiras páginas escritas dos livros que hoje conhecemos como evangelhos, foi exatamente as narrativas da paixão e morte de Jesus e, por sinal, foi Marcos o primeiro evangelho.

Como a catequese e a vida litúrgica das primeiras comunidades priorizava a ressurreição, logo muitas dúvidas surgiram a respeito, tipo: como viveu e como morreu aquele que ressuscitou? A primeira necessidade, então, diante de tais questionamentos, foi contar como se deu a morte de Jesus, até porque as comunidades começavam a sofrer perseguições tanto da parte do poder político romano quanto da religião judaica. Inclusive a morte começava a se tornar uma realidade também para aqueles que insistiam em anunciar o Cristo Ressuscitado. Para quem não tinha convivido com Jesus, tornava-se cada vez difícil acreditar no seu nome. Para animar e fortalecer uma comunidade ameaçada pela perseguição, nada melhor que reconstruir a memória da perseguição e morte de Jesus, priorizando sua fidelidade aos propósitos do Pai e sua resistência. Os evangelhos surgem, portanto, como resposta às dúvidas e crises vividas pelas primeiras comunidades.

É claro que toda a vida de Jesus, desde o início com a pregação do Batista, é edificante para as comunidades cristãs. Mas, a memória da sua paixão foi a primeira necessidade para dar credibilidade ao anúncio da ressurreição. Embora seja o mais breve e sóbrio, o relato da paixão em Marcos pode ser considerado, paradoxalmente, o mais completo dos quatro. Não se trata de um anexo do Evangelho, como alguns consideram, mas de uma conclusão preciosa de uma vida que não poderia ter um fim diferente. Ora, desde o início, a vida de Jesus foi uma alternativa a todos os sistemas vigentes, político e religioso. Logo, seu desfecho final foi o rechaço da parte desses sistemas.

Durante toda a sua trajetória terrena Jesus praticou e pregou o que a religião e o sistema político da época não aceitavam: o amor ao próximo, a justiça, o cuidado com os mais necessitados, a solidariedade e o bem acima de tudo. Uma vida marcada por estas características não poderia ter outro fim, senão a condenação e morte precoces. É importante perceber que a cruz, a pior das penas aplicadas na época, não foi opção nem acidente, mas consequência de uma trajetória marcada pelo inconformismo diante das atrocidades do sistema.

Jesus não se adequou aos padrões de comportamento da época: não foi um cidadão exemplar, nem um devoto fiel. Foi nessa perspectiva que Marcos construiu o seu relato da paixão e morte de Jesus, evidenciado, melhor que qualquer outro evangelista, a humanidade de Jesus e o fracasso de uma comunidade quando não persevera ao lado do mestre, mesmo no sofrimento. Dito isto, procuremos destacar alguns elementos pontuais do texto, considerados essenciais.

Um primeiro aspecto que destacamos, por sinal negativo, é a dispersão da comunidade: “Então todos o abandonaram e fugiram” (14,50). Os discípulos, também sedentos por mudanças, sentem-se frustrados à medida em que percebem que o projeto de Jesus não corresponde às suas expectativas. No início do evangelho, Marcos tinha afirmado que, diante do chamado de Jesus ao seguimento, “os discípulos abandonaram tudo e seguiram Jesus” (1,18.20). Agora, é a Jesus que eles abandonam. Judas tinha acabado entregá-lo, Jesus está sendo preso, e os discípulos lhe faltam com a mínima solidariedade. O mais resistente, o último a fugir, é um jovem anônimo (cf. 14,51-52) que não fazia parte do seleto grupo dos doze. A fuga dos discípulos é sinônimo de medo e covardia, mas também de decepção com o pretenso messias.

Além da traição de Judas e da fuga dos demais, outros aspectos negativos dos discípulos também são evidenciados por Marcos. Tendo já denunciado a falta de perseverança na oração (cf. 14,32-42), o evangelista denuncia também a superficialidade no seguimento: “Pedro seguiu Jesus de longe” (14,54a). Seguir de longe é não comprometer-se. Embora os demais nem de longe estivessem mais seguindo, não é admissível na comunidade um discipulado superficial. Quem segue de longe não suporta a pressão nem a perseguição, por isso está fadado à renegação, como de fato aconteceu com Pedro: “Nem conheço esse homem de quem estais falando” (14,71b). O evangelista deixa claro, com isso, que não pretende denunciar com seu relato somente as forças externas que perseguem a comunidade; também de dentro da comunidade podem surgir muitas forças tão danosas ao seu crescimento quanto os poderes externos.

O duplo julgamento de Jesus, um político e outro religioso, ou seja, diante do sinédrio e de Pilatos (cf. 14,53-65; 15,1-15), mostra a união das forças hostis, pois judeus e romanos não se suportavam, quando tem um inimigo em comum. O sinédrio, órgão jurídico máximo do judaísmo, o acusa de blasfêmia, e ao poder romano ele será denunciado como subversivo e agitador, alguém que pretende ser rei (15,2). Esses dois poderes estavam viciados na corrupção, no suborno e na mentira; mantinham um relacionamento de conveniência, tendo o povo pobre como alvo de suas cobiças. O movimento de Jesus surgiu como alternativa a tudo isso; logo, a repressão seria inevitável.

A cruz é decretada como pena exemplar para Jesus. Em plena páscoa, sua festa máxima, a religião judaica não hesita em condenar quem lhe ameaça. Não obstante tanto sofrimento, Jesus manteve-se firme em seus propósitos e na confiança no Pai. Não hesitou, mesmo não escondendo sua humanidade. Gritou de dor, lamentou-se, mas não abriu mão de suas convicções. Em meio ao suplício e ao abandono dos seus, Jesus faz prevalecer as convicções de seguir até o fim. Aquele projeto de vida nova, com justiça, igualdade e amor sem distinção não poderia ser jogado fora de repente. O rosto amoroso do Pai que ele veio revelar não poderia ser escondido.

A cruz veio, portanto, como consequência de uma vida toda marcada pelo amor. E, nele, ao invés de ser simplesmente sinal de condenação, a cruz se tornou sinal de salvação e de reconhecimento do seu amor e de sua pertença a Deus. Na cruz ele foi escarnecido e humilhado, mas também reconhecido em sua mais profunda identidade: “Na verdade, este homem era Filho de Deus!” (15,9c). Surpreende que essa declaração não saiu de nenhum discípulo, mas de um soldado romano. Isso é significativo em dois aspectos, principalmente: primeiro, porque é na morte de cruz que a identidade de Jesus é plenamente revelada; segundo, porque daquele momento em diante, todos, independentemente da etnia e da religião, podem conhecer o rosto verdadeiro de Deus revelado no seu filho amado.

O reconhecimento do centurião é mencionado após o evangelista dizer que “a cortina do santuário rasgou-se de alto a baixo, em duas partes” (15,38). Esse dado simbólico significa a falência completa da religião que tinha acabado de matar Jesus. A cortina ou véu do santuário marcava a divisória do espaço sagrado do templo. Jesus, mesmo morrendo, mostra sua força; consegue abolir as divisões e rótulos impostos pela religião. De agora em diante, conhece a Deus quem segue o seu filho até as últimas consequências, quem vê na cruz instrumento de libertação e não mais quem frequenta o templo e pratica a lei.

A comunidade de Marcos foi edificada e fortalecida a partir deste relato. Compreendendo a fidelidade com que Jesus abraçou o projeto de tornar o Reino de Deus acessível a todos, é possível perceber que a morte não é capaz de destruir a vida de quem se dedica dessa maneira ao bem de todos. A presença do Ressuscitado se tornou certeza na comunidade porque percebeu-se que Deus não abandona jamais um projeto quando esse é conduzido pelo amor. Também as comunidades de hoje são chamadas a fazer experiência semelhante àquela de Marcos: perseverar com os crucificados de hoje, todos os que lutam por um mundo de justiça, igualdade e amor, para que o Ressuscitado de ontem continue a ressuscitar em cada coração hoje e sempre.


Roma, 25/03/2018, Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues

sábado, março 17, 2018

REFLEXÃO PARA O V DOMINGO DA QUARESMA – JOÃO 12,20-33 (ANO B)




Neste quinto domingo da quaresma, a liturgia propõe novamente um texto do Quarto Evangelho: João,12,20-33. Se trata de um trecho bastante longo, o que nos impede de comentá-lo versículo por versículo, além de muito rico e complexo, tanto do ponto de vista teológico quanto literário. Procuraremos, em nossa reflexão, colher a mensagem central, destacando alguns versículos específicos, após uma indispensável contextualização.

O nosso texto está inserido em uma posição privilegiada do Quarto Evangelho: entre o final da vida pública de Jesus e o início da narrativa da sua paixão, ou seja, entre o “livro dos sinais” e o “livro da glória” como os estudiosos costumam dividir o Evangelho segundo João. O importante é que se trata de um episódio de transição entre as duas fases da vida de Jesus.
Junto com seus discípulos, Jesus já se encontra em Jerusalém para participar de mais uma “páscoa dos judeus” (cf. 11,55), a última. Como sabemos, com a expressão “páscoa dos judeus” o evangelista denuncia que aquela festa já não pertencia mais a Deus, uma vez que, ao invés de ser celebração de libertação, transformou-se em instrumento de exploração, com o templo sendo transformado em “casa de comércio” (cf. Jo 2,13-22). É importante perceber a relação entre o evangelho de hoje com aquele da denúncia dos vendedores no templo, refletido no terceiro domingo.

Ao denunciar a mercantilização de Deus, Jesus propôs a destruição do templo-edifício de pedras e se auto-apresentou como o novo, verdadeiro e definitivo templo, decretando a completa falência da instituição religiosa judaica. Do primeiro versículo do evangelho de hoje, percebemos o início da realização daquela proposta profética: “Havia alguns gregos entre os que tinham subido a Jerusalém para adorar durante a festa” (v. 20). Com a expressão “alguns gregos” (em grego: {Ellhne,j tinej – Helenés tines) o evangelista se refere  aos prosélitos ou simpatizantes do judaísmo, mas de origem não judaica, os estrangeiros; participavam da vida religiosa judaica, observavam a lei e sentiam-se atraídos pelo Deus de Israel, por isso iam a Jerusalém para adorá-lo, mesmo não sendo admitidos oficialmente na religião.

Com o templo transformado em casa de comércio, a adoração a Deus tinha se tornado algo impossível naquela estrutura. Por isso, os gregos “Aproximaram-se de Filipe, que era de Betsaida da Galileia, e disseram: ‘Senhor, gostaríamos de ver Jesus’” (v. 21). O desejo dos gregos de ver Jesus significa que a religião do templo já não favorecia mais o encontro das pessoas com Deus. Ver, aqui, significa conhecer, contemplar, ver em profundidade. Os gregos não queriam conhecer os traços físicos de Jesus, mas fazer uma experiência de vida com ele. Os pagãos são os primeiros a reconhecer Jesus como o templo verdadeiro, antes mesmo da destruição do edifício (cf. Jo 2,19-22); esse é um dado de grande importância. Além da falência da instituição religiosa, o evangelista apresenta, ao mesmo tempo, o alcance universal da mensagem de Jesus: não estando preso a uma estrutura fixa e rígida, ele se torna acessível as pessoas de todos os povos e culturas.

Os gregos que queriam ver Jesus procuraram um discípulo, Filipe, esse por sua vez, procurou outro discípulo: “Filipe combinou com André, e os dois foram falar com Jesus” (v. 22). O evangelista não está “burocratizando” Jesus, mas enfatizando o papel essencial da comunidade cristã de favorecer o encontro com o Senhor. É na comunidade que se conhece e se faz verdadeiramente encontro com Jesus. E quem já o conheceu, obviamente, não mede esforços para que outras pessoas também o conheçam. Na comunidade, todos devem ser acolhidos, independente da origem, das características ou da identidade; a comunidade cristã não pode negar a ninguém o direito de encontrar-se com Jesus.

A princípio, a resposta de Jesus aos discípulos que lhe levaram o pleito dos gregos parece não atender às expectativas: “Jesus respondeu-lhes: ‘Chegou a hora em que o Filho do Homem vai ser glorificado” (v. 23). Porém, não só atende, como vai além: a glorificação de Jesus é o alcance universal da sua mensagem, até então muito concentrada e destinada a um pequeno grupo. A “chegada da hora” é um tema central do Evangelho segundo João; tudo o que Jesus vivenciou até então, foi preparação para a sua “hora”: hora de entregar-se definitivamente, mas sobretudo, hora de demonstrar que os sistemas vigentes, político e religioso, não toleram que alguém viva somente para o amor! Foi por causa do seu excesso de amor que lhe levaram para o tribunal e, em seguida, para a cruz. Essa glorificação não significa uma entronização ou coroamento; é a explosão do amor que se torna acessível a todos, sendo capaz de contagiar o mundo inteiro. Esse amor não pode mais ser contido, será revelado plenamente e todos poderão acolhê-lo: gregos e judeus, bons e maus, justos e pecadores.

Como uma declaração solene, e fazendo uso da imagem do grão de trigo, Jesus anuncia sua morte e, ao mesmo tempo, o seu efeito: “Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas se morre, então produz muito fruto” (v. 24). “Em verdade, em verdade” (em grego: avmh.n avmh.n – amém, amém) é uma expressão que sempre introduz um ensinamento solene e irrenunciável; significa a importância do que está sendo proclamado. A entrega, a capacidade de morrer por amor é irrenunciável para a comunidade cristã. Não se trata de uma simples entrega passiva, mas é a coragem de lutar pela vida até as últimas consequências; essa luta não pode ser feita, senão movida pelo amor. Uma morte assim será sempre sinal de vida e de frutos abundantes, à semelhança do grão de trigo enterrado no chão.

Recordando que todo esse discurso faz parte de uma resposta ou apresentação de Jesus aos gregos que queriam vê-lo, podemos perceber a preocupação do evangelista com a sua comunidade e com as comunidades de todos tempos: ver ou conhecer Jesus é envolver-se com o seu projeto de vida. E esse projeto exige renúncias, decisões e tomadas de posição. A primeira e decisiva posição diz respeito à própria vida! Para seguir Jesus é necessário compreender e aceitar que o sentido da vida está na capacidade de doá-la por amor, torná-la fecunda, como ele mesmo diz: “Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna” (v. 25). Jesus não está convidando seus seguidores a menosprezarem suas vidas ou suas existências terrenas; pede que lhe dêem sentido; esse sentido passa pela capacidade de não apegar-se tanto a ela, para que dela outras vidas também venham a ter sentido.

O convite ao seguimento é reforçado: “Se alguém me quer servir, siga-me, e onde eu estou estará também o meu servo. Se alguém me serve, meu Pai o honrará” (v. 26). Muitos querem ver Jesus ou receber explicações a seu respeito. Mas o próprio Jesus deixa claro que ele é inexplicável; para conhecê-lo e servi-lo é indispensável o seu seguimento. É importante essa responsabilidade: deve haver uma simbiose entre a comunidade e Jesus. Aqui o evangelista faz uma advertência muito séria: a comunidade tem a missão de, onde ela estiver, tornar presente Jesus e o Pai. Isso só é possível onde o servir e o seguir são de fato prioridades, tendo o amor por motivação.

Como o nosso texto antecede de imediato a narrativa da paixão, é muito oportuno que o evangelista ressalte a humanidade de Jesus: “Agora sinto-me angustiado! E que direi? ‘Pai, livra-me desta hora!’? Mas foi precisamente para esta hora que eu vim” (v. 27). Dar a própria vida custa dor e sangue. Porém, mais forte que a dor e angústia foi a confiança no Pai e a certeza de que, daquele amor transbordante, muitas vidas novas surgiriam, muitos frutos brotariam. Foi de fato, para “esta hora” que ele veio; não para morrer tragicamente como aconteceu, mas para testemunhar o amor até as últimas consequências. Como o(s) príncipe(s) deste mundo (cf. v. 31) não o suportaram a irradiação do seu amor em demasia, eis que a “hora” se transformou em dor. O(s) príncipe(s) deste mundo: todas as forças de morte, toda oposição ao amor e à justiça; tudo o que se opõe ao Reino de Deus. Porém, o Pai deu a resposta definitiva: na mesma cruz em que morreu um corpo, dela irradiou-se amor como nunca antes visto.

No momento da angústia, a esperança e a confiança no Pai são reforçados: “Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim” (v. 32). É claro que “ser elevado” diz respeito à crucifixão; àquela hora, já estava clara qual seria a sua pena: a cruz, como era para quem ousava desmascarar o sistema da época, comandado pelo(s) príncipe(s) deste mundo, na época os chefes religiosos e políticos, hoje em dia com muitas outras formas de expressão. Jesus sabia que o seu elevar-se na cruz seria tão frutífero quanto o enterrar um grão de trigo no chão: sementes haveriam de germinar; sementes de amor, justiça, solidariedade, inconformismo e fé. 

Não obstante a dor e angústia, assim como Jesus, o cristão é convidado a crer que o sangue derramado por amor faz germinar; o amor tem uma força de atração indescritível. Como comunidade cristã, somos convidados a tornar Jesus conhecido e acessível através do nosso modo de viver, pelas nossas atitudes e pelo amor partilhamos. Só vê Jesus quem o segue e vive verdadeiramente o mandamento do amor.


Roma, 18/03/2018, Pe. Francisco Cornelio Freire Rodrigues



sábado, março 10, 2018

REFLEXÃO PARA O IV DOMINGO DA QUARESMA – JOÃO 3,14-21 (ANO B)




A liturgia deste quarto domingo da quaresma nos oferece mais um texto do Evangelho segundo João. Após contemplar o gesto profético de Jesus denunciando o templo transformado em comércio, no domingo passado (cf. Jo 2,13-25), o texto proposto para hoje faz parte dos desdobramentos daquele acontecimento: Jo 3,14-21; é a parte final do episódio conhecido como o “diálogo com Nicodemos” (cf. Jo 3,1-21).

A enérgica denúncia de Jesus contra a corrupção da elite religiosa de Jerusalém deve ter gerado diversos questionamentos a respeito da sua pessoa. Muitos, certamente, o condenaram imediatamente, outros refletiram a respeito do acontecido. Não resta dúvidas de que entre os fariseus e mestres da época, também havia aqueles que sonhavam com uma religião mais autêntica e menos comercial. Certamente, Nicodemos era um destes; ao invés de condenar, preferiu ir ao encontro de Jesus e escutá-lo, motivado por muitos questionamentos.

Embora o episódio seja chamado de “diálogo”, o que se lê está mais para monólogo, pois o evangelista concede totalmente a palavra a Jesus, a ponto de Nicodemos pouco falar. Como o texto escolhido pela liturgia é apenas a parte final do episódio, nele não há palavras de Nicodemos, mas apenas de Jesus; por isso, é necessário recordar alguns aspectos importantes do que o antecede.

Nicodemos era um homem notável entre os judeus, um fariseu (cf. 3,1), estudioso e bom conhecedor da doutrina judaica, sobretudo da lei. Procurou Jesus na “calada da noite” (cf. 3,2). Sua curiosidade ao falar com Jesus revela sinceridade, respeito e desejo de conhecê-lo melhor. Era alguém que desejava uma boa reforma naquela estéril religião. Mesmo assim não estava pronto para aderir ao projeto de Jesus, pelo menos de imediato. Porém, se distinguia da maioria dos fariseus com quem Jesus se confrontou ao longo do evangelho.

Por precaução e medo de ser repreendido pelos seus colegas de doutrina, Nicodemos não quis ser visto com Jesus, por isso o procurou à noite. Afinal, Jesus tinha, há pouco tempo, desmascarado a religião judaica, ao denunciar o comércio e a hipocrisia praticados na casa que deveria ser do seu Pai (cf. 2,13-22). As primeiras palavras de Nicodemos a Jesus foram de reconhecimento: “Rabi, sabemos que vens da parte de Deus como mestre, pois ninguém pode fazer os sinais que fazes, se Deus não estiver com ele” (3,2).

As poucas palavras de Nicodemos abriram caminho para uma longa catequese de Jesus a respeito da sua identidade, sua relação com o Pai e sobre como participar da vida em plenitude que Ele veio comunicar. O texto escolhido pela liturgia começa com um dado escriturístico: “Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado” (v. 14).

Sabendo que Nicodemos conhecia bem a Escritura, o evangelista faz Jesus citar explicitamente uma passagem do livro dos Números (cf. Nm 21,4-9), para ilustrar o movimento de descida e subida ao céu praticado por Ele mesmo (cf. Jo 3,13) e, ao mesmo tempo, para ajudar seu interlocutor a compreender a forma contraditória como Jesus será elevado: através da cruz, cujo mistério é aqui antecipado. A citação do livro dos Números é, portanto, apenas ilustrativa. Na verdade, é o próprio evangelista insistindo com sua comunidade para que aceite a cruz com suas consequências, pois ela é necessária para a vivência plena do amor de Deus em seu meio.

Ser levantado se torna necessidade para Jesus, pois o seu projeto de comunicar vida em plenitude à humanidade é irrenunciável. Ele não escolheu a cruz; escolheu ser fiel ao Pai, por amor, até as últimas consequências, e isso implicou passar pela cruz. Por isso, “ser levantado” se tornou necessário “Para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna” (v. 15). O importante é a doação do dom da vida em plenitude, por isso, eterna. Essa é a primeira vez que é mencionada a “vida eterna” (em grego: zwh. aivw,nioj – zoé aionios) no Quarto Evangelho. Crer nele não significa expressar uma fórmula, mas deixar-se guiar pelo seu ensinamento e assumir a sua forma de vida.

Jesus apresenta Deus como aquele que ama incondicionalmente e, ao mesmo tempo, se auto apresenta como a prova desse amor incondicional de Deus, já que é, Ele mesmo, o Filho doado: “Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna” (v. 16). O mundo é o destinatário do amor de Deus. Esse mundo é a humanidade inteira. Ao apresentar essa novidade, Jesus estava destruindo um dos principais pilares de sustentação da ortodoxa religião judaica: o privilégio da eleição exclusiva de Israel como povo de Deus e destinatário único de suas promessas.

Com Jesus, a pertença a Deus deixa de ser privilégio de um povo e passa a ser um direito da humanidade. Jesus praticamente inverte o primeiro mandamento: foi Deus quem amou a humanidade sobre todas as coisas! A afirmação “Deus amou o mundo” é única em toda a Bíblia. É uma exclusividade do Quarto Evangelho. A prova maior desse amor da parte de Deus é o seu dom: o Filho unigênito doado ao mundo para que, ao ser acolhido, se estabeleça na humanidade a vida eterna.

É importante recordar e jamais esquecer que “Deus deu o seu Filho” para a humanidade. O mundo inteiro é convidado a receber esse dom do Pai. Quem o acolhe ou crê, recebe a vida eterna. Essa, a vida eterna, não significa uma vida no além. “Eterna” aqui não é a duração, mas é a qualidade da vida de quem acolhe Jesus e seu evangelho. A “vida eterna” não é um prêmio que os bons receberão no futuro, como pensavam os fariseus e ainda pensam muitos cristãos. A vida se torna eterna quando se faz opção por Jesus e seu projeto. Essa vida é eterna porque é tão plena, a ponto de nem a morte poder destruí-la. Ela começa aqui na terra. À medida que o ser humano encontra sentido para a sua existência, ele eterniza a sua vida. E o sentido pleno da vida só pode ser encontrado quando se consegue viver bem como imagem e semelhança do Criador.

O versículo seguinte reforça o anterior: “De fato, Deus não enviou o seu Filho para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele” (v. 17). Se o anterior (v. 16) declarava o que o Filho de Deus veio fazer entre nós, esse segundo diz o que não veio fazer: não veio julgar (condenar)! Aqui é necessário fazer uma pequena observação a respeito da tradução do texto litúrgico: ao invés do verbo “condenar”, é mais apropriado usar a expressão “dar sentença” ou o verbo “julgar”, conforme a língua original do texto, uma vez que a condenação seria o efeito do julgamento. Portanto, Deus não enviou seu Filho nem mesmo para julgar. Só condena quem antes julga. Como Deus só sabe amar, não julga e, portanto, não condena ninguém.

Mais uma vez Jesus contradiz a ortodoxia judaica, ao excluir a ideia de Deus como um juiz. Obviamente, quem esperava um messias juiz que viesse ao mundo para separar os bons dos maus, os puros dos impuros e, assim, salvar os primeiros e condenar os segundos, não poderia acreditar no Deus que Jesus veio revelar: um Pai louco de amor, apaixonado pela humanidade, a ponto de dar o próprio Filho. Quem julga e condena são os próprios seres humanos com suas convicções e crenças falsamente fundadas em nome de Deus. O Deus de Jesus nem a juízo leva. Enquanto os homens julgam, Deus apenas justifica, ou seja, apenas salva, porque de quem é amor só pode sair amor.

O mesmo Deus que doou livremente o seu Filho, deu também liberdade à humanidade, de modo que essa pode acolher ou não o seu Filho, Jesus. A acolhida se dá pela fé, uma adesão profunda capaz de deixar-se conduzir pelo seu amor.  Por isso, Jesus disse: “Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho unigênito” (v. 18). O ser humano que rejeita a oferta de vida em plenitude que é Jesus, fica privado da qualidade de eternidade em sua vida e, portanto, estará condenado. Isso não depende de um juízo divino, é escolha do ser humano. Deixar de acreditar no nome do Filho unigênito é se recusar a fazer comunhão com ele.

A parte mais importante do texto e talvez até de todo o Evangelho segundo João está nos versículos 16-18. Os versículo seguintes (vv. 19-21) apenas ilustram e constatam uma triste realidade: a tendência da humanidade em preferir as trevas à luz, retomando o que o evangelista já tinha anunciado no prólogo (cf. Jo 1,9-10). Quem rejeitou a luz foi a própria religião; foram as pessoas religiosas que mais se sentiram sufocadas pela luz verdadeira que é Jesus. A elite religiosa preferiu as trevas, odiou a luz por ter ódio da verdade.

Não obstante a rejeição, a luz como sinônimo de vida em plenitude não deixa de ser ofertada. Aceitar o dom do Pai, Jesus, não significa abraçar uma doutrina, repeti-la e até impô-la, como muito se fez ao longo da história, e ainda se faz até hoje. A oferta que Deus fez e faz é livre, como livre deve ser a resposta. A imposição é falta de segurança e de consistência no anúncio. O Pai simplesmente enviou, doou.... Sua proposta é sempre positiva. Ele não julga, nem condena.

O Evangelho não diz se Jesus conseguiu convencer Nicodemos. Provavelmente sim, pois ele aparecerá em mais dois episódios, sempre tomando partido por Jesus: defendendo-o da ira dos fariseus quando tinha se apresentado como fonte de água viva (cf. 7,50) e ajudando no seu sepultamento (cf. 19,39). Certamente, o diálogo com Jesus lhe comoveu. Mesmo que não tenda aderido completamente a Jesus, passou a ver com outros olhos aquela rígida doutrina judaica.

Assim como serviu para Nicodemos, que a face do Pai louco de amor que Jesus apresenta hoje sirva para, pelo menos, compararmos se o Deus em quem acreditamos parece com o Deus de Jesus ou se é apenas aquele das religiões: juiz e soberano, aplicador de castigos ou prêmios. Aceitar que o Deus de Jesus é somente amor pode ser o maior fruto de conversão de uma quaresma!

ROMA, 10/03/2018, Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues

sábado, março 03, 2018

REFLEXÃO PARA O III DOMINGO DA QUARESMA – JOÃO 2,13-25 (ANO B)



  

Iniciamos hoje uma série de três domingos seguidos em que a liturgia quaresmal adota como texto evangélico um trecho do Quarto Evangelho, ou seja, do Evangelho segundo João. O texto proposto para hoje, o primeiro domingo da série e terceiro da quaresma, é Jo 2,13-25, o relato de um episódio célebre, narrado pelos quatro evangelhos, e equivocadamente intitulado de “purificação do templo”. Esse título não se sustenta mais, uma vez que o texto deixa muito claro que a intenção de Jesus não era purificar, mas destruir, abolir completamente aquele templo de pedras, tendo em vista a edificação de uma morada permanente para Deus na terra: o próprio ser humano em sua integridade e dignidade recuperadas. Isso é garantido pelo próprio Jesus com a sua doação plena, passando pela cruz e ressurreição, tornando a vida em abundância acessível a todo o gênero humano.

Alguns elementos do contexto são essenciais para uma boa compreensão do texto. Antes de tudo, chama a atenção o fato de João colocar esse episódio logo no início do seu evangelho, enquanto os sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) o colocam já na parte final de seus respectivos relatos (cf. Mt 21,12-16; Mc 11,15-19; Lc 19,45-46). Ora, João apresenta Jesus participando de três festas de páscoa em Jerusalém, enquanto nos sinóticos registra-se apenas uma participação, na qual ele fora condenado e morto. A nível de contexto, o mais importante, porém, é associar o nosso texto ao episódio que lhe precede no evangelho: as bodas de Caná (cf. 2,1-12). A transformação da água em vinho representou a passagem da lei para o amor, da letra para o Espírito; foi a substituição da antiga pela nova aliança.

Assim como não combina “vinho novo em odres velhos” (cf. Mt 9,14-17; Mc 2,18-22; Lc 5,33-39), também não combina aliança nova e culto antigo. Por isso, após inaugurar a nova aliança, Jesus parte para instaurar um novo culto, e isso exigia a destruição do antigo em sua máxima expressão visível: o famoso templo de Jerusalém. O episódio narrado pelo evangelho de hoje é, portanto, o complemento das bodas de Caná. Aquele culto mercantilizado e separado da vida não permitia que se sentisse o sabor do novo vinho: o amor do Pai manifestado no Filho. É muito importante perceber isto: logo no início do seu ministério, Jesus propõe duas grandes mudanças estruturantes: a substituição da lei e do culto.

Como diz o texto: Estava próxima a Páscoa dos judeus e Jesus subiu a Jerusalém” (v. 13).  Com a expressão “páscoa dos judeus” (em grego: pa,sca tw/n VIoudai,wn – páska ton iudaion) o evangelista já faz uma grande denúncia: aquela páscoa já não pertencia mais a Deus, tinha perdido a sua sacralidade. Ao longo do seu evangelho, João usa o termo “judeus” para designar a hierarquia religiosa, e não o povo todo. Com isso ele diz que a classe dirigente da religião sediada no templo tinha se apoderado do que é de Deus e, portanto, a comunidade cristã deve manter distância daquela prática religiosa. A páscoa do Senhor tinha sido desvirtuada, transformada em páscoa dos sacerdotes, dos vendedores e não era mais de Deus.

Jesus se enfurece porque no espaço mais sagrado de Israel não encontrou o que deveria encontrar: “No Templo, encontrou os vendedores de bois, ovelhas e pombas e os cambistas que estavam aí sentados” (v. 14). O que deveria ser encontrado no templo era pessoas de coração sincero, adoradores e adoradoras de Deus. Nesse versículo está o retrato de uma religião degenerada, transformada em mercado. Os animais mencionados, bois, ovelhas e pombas, eram comercializados no recinto sagrado para serem oferecidos em sacrifícios pelos pecados que a própria religião determinava; a variedade de animais, de bois a pombas, quer dizer que nenhuma classe social escapava, ou seja, ricos e pobres, aproximando-se do templo, eram praticamente obrigados a compactuar com o sistema. A presença dos cambistas evidencia o completo desvirtuamento do templo: o sistema econômico funcionava sob as bênçãos da religião; banco e altar conviviam em harmonia no mesmo lugar.

A situação encontrada por Jesus no templo era inaceitável. Por isso, sua atitude foi bastante drástica: “Fez então um chicote de cordas e expulsou todos do Templo, junto com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas e derrubou as mesas dos cambistas” (v. 15). Mais que a descrição de um gesto, o evangelista quer evidenciar a postura e o sentimento de Jesus diante de uma religião exploradora. A comercialização do sagrado, independente da época, deixa Jesus enfurecido, inconformado. Com esse gesto ele propõe que toda estrutura de exploração deve ser desestabilizada, destruída, ainda mais quando essa se apoia no nome de Deus. Esse gesto se configura também como uma ação simbólica típica dos profetas do Antigo Testamento. Porém, em relação ao culto, os profetas ousaram denunciar com palavras (cf. Is 1,10-20; Am 5,21-23), enquanto Jesus com foi muito além, passando das palavras à ação.

Das categorias de vendedores, o evangelista faz questão de destacar uma delas: “E disse aos que vendiam pombas: “Tirai isso daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!”  (v. 16). Ora, as pombas eram a matéria do sacrifício que os pobres ofereciam; por isso, a ordem é severa “tirai isso daqui!”; como em qualquer sistema injusto, eram os pobres os mais afetados pela exploração. Pesava ver a casa do Pai transformada em comércio e, consequentemente, Deus transformado em mercadoria e, mais ainda, os pobres sendo as verdadeiras vítimas sacrificadas. Por isso, a solução ali não seria purificar o templo, mas destruí-lo.

A motivação para Jesus agir dessa forma é muito clara: o zelo pela casa do Pai (cf. v. 17), como diz o evangelista, e que seus discípulos se recordaram. De fato, toda a ação de Jesus em seu ministério será motivada pelo incansável zelo pelas coisas do Pai, sobretudo pelo ser humano que tinha sua dignidade roubada por um sistema injusto e explorador. O “zelo pela casa” significa muito mais que uma preocupação cultual; expressa seu amor pelo ser humano, morada privilegiada de Deus. Ele foi tão “consumido” por esse zelo, a ponto de sido condenado por isso. De fato, o processo que será movido contra ele pelas autoridades políticas e religiosas da época, será consequência de suas opções radicais em favor daquilo que o Pai deseja: amor, justiça, fraternidade, dignidade, misericórdia e paz para todo o gênero humano.

Diante do que viam, e inconformados, “os judeus perguntaram a Jesus: “Que sinal nos mostras para agir assim?” (v.18). Aqui novamente a expressão “os judeus” significa os dirigentes, os quais não aceitavam ser questionados. Pedem sinais, ou seja, credenciais que autorizem Jesus a agir daquela maneira. Jesus poderia reivindicar a seu favor o pensamento de tantos profetas que ao longo da história já tinham identificado aquele culto como obstáculo para o encontro com o Pai (cf. Is 1,10-20, etc); mas, prefere falar do futuro, das realidades novas que estava para inaugurar: a supressão definitiva daquele falso culto, o qual estava com os dias contados, e sua ressurreição como instauração definitivo do novo culto verdadeiro e sincero: “Destruí este Templo, e em três dias eu o levantarei” (v. 19).

O culto autêntico, compatível com a nova aliança celebrada no amor, já não necessita de templo de pedras, mas apenas de corações sinceros que busquem e adorem a Deus em espírito e em verdade (cf. 4,23). Aquele templo de pedras, imponente e faraônico, ao invés de aproximar, distanciava as pessoas de Deus; por isso, deveria ser destruído. Enquanto isso, um templo novo e definitivo estava para ser inaugurado, graças à ressurreição (vv. 21-22), como vitória definitiva da vida sobre a morte. A vida em plenitude, o culto por excelência agradável a Deus, se tornaria acessível a todos, sem mais a necessidade de sangue de animais e ofertas, mas a partir do coração de cada um.

Os sinais e gestos proféticos de Jesus chamavam a atenção, obviamente, afinal muitos em Israel esperavam por um messias corajoso para reformar a religião e a vida social do país. Por isso, muitos “creram nele” (v. 23); porém, não basta crer, é necessário viver à sua maneira, e como Jesus conhecia o ser humano por dentro, percebia quando havia conversão verdadeira ou não (vv. 24-25). Pelas exigências radicais para o seguimento de Jesus, o cristianismo não comporta uma adesão superficial. Por isso, a comunidade não deve se entusiasmar com multidões: “muitos creram no seu nome, mas Jesus nãos lhes dava crédito, pois ele conhecia a todos” (vv. 23-24). A religião da superficialidade era aquela que Jesus quis abolir.

A comunidade joanina compreendeu a novidade de Jesus porque soube associar as palavras aos fatos, os sinais às Escrituras, lendo os acontecimentos do dia-a-dia à luz do que Jesus disse (vv. 21-22), tornando-se modelo para as comunidades de todos os tempos. Como cristãos de hoje, somos chamados a olhar o exemplo daquela comunidade em busca do devido equilíbrio entre a liturgia e a vida, de modo que reine o amor e, no amor entre os irmãos, seja revelado o corpo do Ressuscitado e o rosto do Pai.


Roma, 04/03/2018, Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues

REFLEXÃO PARA O 4º DOMINGO DA PÁSCOA – JOÃO 10,11-18 (ANO B)

O evangelho do quarto domingo da páscoa é sempre tirado do capítulo décimo do Evangelho de João, no qual Jesus se auto apresenta como o ún...