sábado, outubro 28, 2017

REFLEXÃO PARA O XXX DOMINGO DO TEMPO COMUM – MATEUS 22,34-40 (ANO A)


A liturgia deste trigésimo domingo do tempo comum oferece Mateus 22,34-40 para o Evangelho. É mais uma controvérsia de Jesus com os seus tradicionais adversários, os fariseus, como parte da ofensiva final das autoridades religiosas de Jerusalém com o intuito de desmoralizá-lo e antecipar a sua condenação. O local da cena é, mais uma vez, o templo de Jerusalém, espaço bastante hostil a Jesus, uma vez que sua mensagem era de reprovação total à religião oficial sediada naquele templo.

Os administradores do sagrado – sacerdotes, doutores da lei, saduceus, anciãos, fariseus – sentiam-se ameaçados pela mensagem emancipadora e contestadora de Jesus e, por isso, procuravam incansavelmente uma maneira de deslegitimá-lo. Para isso, formaram uma coalizão de forças. A primeira tentativa foi encabeçada pelos próprios sumos sacerdotes e anciãos do povo, aos quais Jesus respondeu com uma série de três parábolas (cf. Mt 21,28 – 22,14).

Tendo fracassado a tentativa dos sumos sacerdotes e anciãos, entraram em cena os fariseus, com a pergunta sobre a legitimidade do imposto a César (cf. Mt 22,15-21), os saduceus, com a pergunta sobre a ressurreição (cf. Mt 22,23-33), e novamente os fariseus com a pergunta sobre o maior dos mandamentos, no Evangelho de hoje. Trata-se de uma série de tentativas para pôr Jesus em dificuldade e até levá-lo à morte, como de fato acontecerá.

A frase inicial é muito importante para a compreensão de todo o texto: “Os fariseus ouviram dizer que Jesus tinha feito calar os saduceus” (v. 34a). Ora, como Jesus tinha vencido a controvérsia com os fariseus sobre o imposto, os saduceus também entraram em cena com uma pergunta embaraçante sobre a ressurreição. Porém, também aos saduceus Jesus vencera, deixando-os calados, ou seja, sem argumentos. Como havia um verdadeiro consórcio de morte entre os grupos hegemônicos, intelectual e economicamente, à medida que um desses era vencido, outro apresentava a sua investida. Como Jesus já estava em Jerusalém e no templo, seus adversários não podiam mais esperar; a oportunidade de tirar-lhe a vida tinha chegado.

Como Jesus se sobressaíra na questão do imposto e da ressurreição, os fariseus armavam uma nova cilada, como atesta o texto: “Então eles se reuniram em grupo e um deles perguntou a Jesus, para experimentá-lo” (vv. 34b-35). A intenção é muito clara, conforme diz o texto. O objetivo é tentá-lo, pô-lo a prova, ação própria de inimigo. Inclusive, o evangelista emprega aqui o mesmo verbo empregado no episódio das tentações, para definir a ação de satanás (cf. Mt 4,1): peira,zw – peirazo = tentar. Assim, os religiosos assumem um papel satânico diante do medo de perderem seus privilégios com a mensagem libertadora de Jesus.

Um dos fariseus, escolhido pelo grupo, faz uma pergunta bastante maliciosa: “Mestre, qual é o maior mandamento da lei?” (v. 36). A maldade dos fariseus já é perceptível pela introdução da pergunta: chamam a Jesus de mestre (dida,skaloj – didáskalos) sem reconhecê-lo como tal. Por sinal, quem costuma chamar Jesus de mestre no Evangelho de Mateus são os seus adversários; seus discípulos nunca o chamam assim. Os adversários o chamam por agirem por pura conveniência. Também o conteúdo da pergunta demonstra ironia e malícia. A especialidade dos fariseus era exatamente o estudo minucioso da lei e dos mandamentos. Com essa pergunta eles não pretendem aprender, mas encontrar motivo para condená-lo, pois consideravam-se autossuficientes em matéria da lei.

Os fariseus consideravam a observância do sábado como o maior dos mandamentos, e já tinham assistido Jesus relativizá-lo, ao colocar o homem e suas necessidades acima do preceito sabático (cf. Mt 12,1-13). A alegação para a primazia do sábado sobre os demais mandamentos na concepção dos fariseus era fundamentada no fato de que até Deus observava o sábado (cf. Gn 2,2-3; Ex 20,8-11; Dt 5,12-15). Eram muito comuns as perguntas sobre uma certa hierarquia entre os mandamentos, uma vez que esses eram muitos: 613, divididos entre 365 proibições e 248 preceitos. Sendo tantos assim, os fariseus tinham a necessidade distinguir quais eram os mais importantes e, portanto, inegociáveis.

Até então, Jesus tinha demonstrado muita liberdade ao interpretar os mandamentos, por isso, os fariseus imaginavam que com essa pergunta teriam argumentos para eliminá-lo por completo. Como sempre, ao invés de incompleta, a resposta de Jesus vai muito além do que fora pedido: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento!” (v. 37). Jesus encontra uma resposta que transcende o decálogo. De fato, a fórmula do primeiro mandamento como nos foi ensinado “amar a Deus sobre todas coisas” não faz parte de nenhuma das versões do decálogo (cf. Ex 19,3-17; Dt 5,6-21), mas é apenas uma adaptação das tradições cristãs.

A resposta de Jesus encontra seu fundamento no credo de Israel, o Shemá: “Ouve ó Israel: O senhor é nosso Deus e único Senhor! Por isso, amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua força” (cf. Dt 6,4-5). Com pequenas modificações, Jesus confirma que o ser humano deve amar a Deus com o máximo de si. Como Ele mesmo diz, “esse é o maior e o primeiro mandamento” (v. 38), qualificando-o com dois adjetivos absolutizantes: maior (em grego: mega,lh – megále) e primeiro (em grego: prw,toj – protos),  significando aquilo que é essencial e irrenunciável. Porém, a resposta de Jesus não visa uma hierarquização dos mandamentos, mas uma denúncia: enquanto os fariseus buscavam classificar os mandamentos, Jesus diz que basta viver a genuína fé israelita. O Shemá era proclamado duas vezes ao dia, ao amanhecer e ao anoitecer pelos fariseus, mas na verdade eles não viviam aquilo que proclamavam. Se vivessem em comunhão com Deus, não ficariam preso a preceitos.

Como é praxe, Jesus responde mais do que lhe é perguntado: “o segundo é semelhante a esse: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (v. 39). Também aqui Jesus ignora o decálogo e faz uma citação do livro do Levítico (cf. Lv 19,18b), do contexto das recomendações morais. É importante perceber a introdução: é semelhante (em grego: o`moi,oj homoíos), quer dizer, é equivalente, está no mesmo nível. Para Jesus, o amor a Deus não pode ser separado do amor às pessoas; aqui está a singularidade do seu ensinamento.

Enquanto os fariseus procuravam classificar os mandamentos, focando em minuciosidades, Jesus toma o todo da lei e dos profetas e faz a sua própria síntese, conforme relata o evangelista: “Toda a lei e os profetas dependem desses dois mandamentos” (v. 40). Os fariseus queriam distinguir preceitos, e Jesus mostrou a unidade e coerência da lei e dos profetas. Sem essa visão de conjunto, a religião excluía e até matava. Ao mostrar que o amor a Deus é inseparável do amor ao próximo, Jesus prega a unidade, coesão e coerência na comunidade.

Jesus dá um passo muito importante com essa resposta. Ele conhecia bem a devoção que seus compatriotas tinham por esses duas partes da Escritura, a lei e os profetas. Ao mesmo tempo, conhecia a exterioridade e esterilidade com que se aproximavam delas. Por isso, respondeu de modo tão enfático, sobretudo, no que diz respeito ao próximo: o ser humano é colocado em uma tríade, cujo centro é o próximo, conforme a ordem da resposta: Deus – Próximo – Eu. Essa relação tríade deve ser guiada por um amor semelhante, para ser verdadeiro. Com isso, Jesus deixa claro que só há uma maneira de demonstrar que amamos a Deus e a nós mesmos: quando o próximo ocupa o centro da nossa vida!


Mossoró-RN, 28/10/2017, Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues

REFLEXÃO PARA O 4º DOMINGO DA PÁSCOA – JOÃO 10,11-18 (ANO B)

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