sábado, agosto 27, 2016

REFLEXÃO PARA O XXII DOMINGO DO TEMPO COMUM - LUCAS 14,1.7-14 (ANO C)

Continuamos a acompanhar Jesus em seu longo caminho para Jerusalém. Nesse caminho, o evangelista Lucas nos mostra muitas ‘paradas’, como se fossem estações, nas quais prevalece o ensinamento à ação de caminhar. Trata-se mais de um itinerário teológico-catequético que uma distância percorrida. O texto de hoje, Lc 14,1.1-7, apresenta Jesus em uma refeição na casa de um dos chefes dos fariseus. Por sinal, essa é a terceira vez que Lucas o apresenta comendo na casa de um fariseu (cf. 7,36; 11,37; 14,1). Esse dado é importante porque nos ajuda a reformular a imagem distorcida de que Jesus e os fariseus eram inimigos.

É verdade que sempre há muitas discórdias nesses encontros, mas o fato de eles convidarem Jesus para comer em suas casas é sinal de que havia uma certa estima e curiosidade. E, por outro lado, o fato de Jesus aceitar tais convites mostra que, de fato, não fazia distinção de pessoas: comia com os pecadores e publicanos, para o murmúrio dos próprios fariseus (cf. Lc 5,30), e também aceitava o convite dos partidários desse grupo religioso tão observante e zeloso para com os preceitos da Lei.

Jesus aceitava convite de todos. O que não combinava com Ele era o isolamento, o fechamento egoísta e solitário. É inegável que o encontro de Jesus com os fariseus sempre terminava em conflito. Havia, sem dúvidas, uma forte oposição entre a mensagem libertadora de Jesus e a mentalidade conservadora e legalista dos fariseus. Mas, pelo menos segundo Lucas, eles conseguiam conviver.

Como afirma logo o primeiro versículo, “Num dia de sábado, Jesus foi comer na casa de um dos chefes dos fariseus” (v. 1a). Essa é uma informação muito importante para a compreensão de todo o texto, porque nos dá as indicações de tempo (dia de sábado) e de espaço (casa de um fariseu). Esses dados são indicativos de que vem confusão pela frente! A refeição tinha um sentido muito forte para o povo judeu. Nos dias de sábado, após o culto matinal na sinagoga, as famílias almoçavam festivamente; a comida tinha sido preparada na véspera, a sexta-feira, o “dia da preparação”, como eles chamavam, uma vez que nenhum trabalho poderia ser feito no sábado, dia de culto e repouso.

Nos povoados, os judeus mais influentes costumavam oferecer verdadeiros banquetes, convidando com frequência o pregador daquele dia na sinagoga, de modo que o almoço fosse uma extensão do culto. Assim, à mesa se discutia o assunto da pregação, tirando as dúvidas suscitadas. Isso nos faz supor que, naquele sábado, Jesus pregou na sinagoga e após o culto, recebeu o convite para uma refeição na casa de um chefe dos fariseus, alguém importante do lugar. Como a fama de Jesus já tinha se espalhado bastante, os primeiros interessados em conferir o teor de sua mensagem eram os fariseus, verdadeiros guardiães da sã doutrina na época.

A continuação do versículo diz que “os fariseus observavam Jesus” (v. 1b). Essa é também uma informação de grande importância, porque mostra qual era a intenção deles ao convidarem Jesus: observar cuidadosamente seus gestos e palavras e o acusarem de blasfemo e transgressor da Lei de Deus, uma vez que a interpretação de Jesus lhes contradizia. Podemos dizer que havia uma dupla malícia: os fariseus convidavam Jesus para observá-lo e depois acusá-lo, e Jesus aceitava tais convites para desmascará-los, muito mais que para degustar da fartura do banquete. Infelizmente, o texto litúrgico nos priva de conhecer a origem da controvérsia, ao omitir o trecho que vai do segundo ao sexto versículo: a cura de um hidrópico em dia de sábado (vv. 2-6). Foi aí que o conflito teve início.

Considerando aquilo que o texto litúrgico propõe, percebemos que Jesus também os observava com muita atenção. E dessa observação, Ele fez duas importantes advertências, muito duras, por sinal: aos convidados (vv. 7-11), e ao dono da casa (vv. 12-15). Destas advertências a pessoas específicas, surge um ensinamento universal, direcionado, inicialmente, aos discípulos, mas estendido aos cristãos de todos os tempos: o cultivo da humildade e da gratuidade nas relações, ou seja, um estilo de vida baseado em novos critérios, em discordância com os valores defendidos pelas tradições ultrapassadas, como o judaísmo oficial da época.

Ao advertir os convidados (vv. 7-11), Jesus recorre à tradição sapiencial e constrói uma pequena parábola, baseada em uma citação do livros dos Provérbios: “Não te vanglories na frente do rei, nem ocupes o lugar dos grandes; pois é melhor que te digam: ‘Sobe aqui!’ do que seres humilhado na frente de um nobre” (Pr 25,6-7). Tendo notado que os convidados escolhiam os primeiros lugares, foi muito oportuna a chamada de atenção. A princípio, parece um convite à esperteza: como lograr de sucesso na frente dos demais ao ser promovido, passando do último para o primeiro lugar (v. 10). Era essa a mentalidade do autor sapiencial. Mas, Jesus usou o texto de Provérbios apenas como ilustração. O que, de fato, Ele quer apresentar é a dinâmica do Reino de Deus e, ao mesmo tempo, prevenir seus discípulos para não imitarem o comportamento dos fariseus. Por isso mesmo, Ele continuará essa observação em outras ocasiões: na parábola do fariseu e o publicano (cf. Lc 18,9-14) e, já em Jerusalém, no discurso contra os escribas (cf. Lc 20,45-47). Portanto, o contexto é o da formação dos discípulos.

Ora, a busca pelos primeiros lugares, característica do grupo dos fariseus, não pode fazer parte do discipulado de Jesus. A atitude do cristão deve ser sempre a do serviço, e quem serve não pensa nos lugares de honra. Certamente, esse texto reflete também a preocupação de Lucas com a uma tendência hierarquizante na Igreja primitiva. O banquete dos fariseus é, aqui, apresentado como o anti-modelo do banquete cristão, o qual deve prefigurar o banquete do Reino. Assim, renunciar aos lugares de destaque é, mais que humildade, um gesto de amor. É dar espaço para o outro, optando por uma modelo de sociedade alternativa, renunciando a qualquer indício de concorrência e egoísmo. É uma atitude inclusiva, como será desenvolvido na sequência do texto.

Assim, a segunda advertência completa a primeira: “dirigindo-se a quem o tinha convidado” (v. 12a). Tendo “observado como os convidados escolhiam os primeiros lugares” (v. 7a), Ele percebeu também as características destes convidados, e os critérios usados pelo dono da casa para convidá-los. Estava muito clara a política da retribuição naquele ambiente. Aqui, Ele retoma o discurso das bem-aventuranças: “fazei o bem e emprestai sem esperar nada em troca” (cf. Lc 6,35). Esse conselho dado ao dono da casa é completamente contrário aos costumes da época. Trata-se de algo revolucionário. O convite à gratuidade nas relações é, aqui, apenas um dos ricos significados desse trecho. Fazer o bem sem esperar recompensa é, de fato, uma atitude necessária para a comunidade dos discípulos. Mas a proposta apresentada aqui vai muito além disso!

Há um forte apelo a uma revolução social, ao conceber as novas relações, além de um convite para uma luta da qual nenhum cristão pode fugir: a superação de todas as formas de exclusão e marginalização. Ele observou, naquele ambiente, quatro categorias de convidados: “amigos, irmãos, parentes e vizinhos ricos” (v. 12), e todas com capacidade de retribuir. Para reverter essa situação, Ele propõe outros critérios, sendo o primeiro a impossibilidade de retribuição. Por isso, sugere também quatro categorias: “os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos” (v. 13). Para aquele fariseu, isso foi apenas sugestão. Para os cristãos, isso é compromisso e condição: não há cristianismo sem luta pela inclusão. É interessante observar a fórmula “quatro por quatro”: tirar os privilégios de quatro grupos específicos, e incluir quatro grupos que representam todas as categorias de excluídos, inclusive da vida religiosa, uma vez que os aleijados, os coxos e os cegos nem entrar no templo podiam. Assim, o projeto do Reino, anunciado já no cântico de Maria, prevendo a ascensão dos humildes e a queda dos poderosos (cf. Lc 1,52), vai ficando cada vez mais claro. Não podemos deixar de perceber aqui uma antecipação da Eucaristia e seu sentido mais profundo: banquete para todos, motivado por amor-doação, sem exclusão alguma.

Na conclusão, novamente Ele retoma o tema das bem-aventuranças, completando-o: “Tu serás feliz!” (v. 14a). Já tendo dito que “Felizes são os pobres porque deles é o Reino de Deus” (cf. Lc 6,20), agora Ele diz que é feliz também quem fica do lado dos pobres. Essa conclusão tem um significado muito relevante para a teologia de Lucas: além de bem-aventurado, o pobre é também fonte de bem-aventurança, portanto, um lugar teológico privilegiado.

Pe. Francisco Cornelio Freire Rodrigues

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