Neste XXIII Domingo do Tempo Comum, o Evangelho apresenta Jesus
retomando o caminho, após uma breve pausa em certo povoado, onde fez até uma
refeição na casa de um fariseu, após o culto sabático da sinagoga. Foi isso o
que nos apresentou o texto evangélico do domingo passado, enfatizando o tom polêmico
e controverso que sempre marcou os encontros de Jesus com os grupos mais
observantes da religião judaica.
Hoje, nós o contemplamos novamente caminhando rumo a Jerusalém. Como
já conhecemos a natureza desse caminho, podemos dizer que Ele continua ‘ensinando’,
já que o objetivo desse itinerário é catequético-teológico, muito mais que
geográfico. À medida que avança no percurso, aprofunda o conteúdo da sua
catequese e, consequentemente, as exigências para o seu seguimento vão
tornando-se mais claras. Pois, quanto mais se aproximam do destino, mais
necessárias se tornam as convicções para tal seguimento. Por isso, Ele
apresenta três exigências muito fortes, que exigem uma tomada de decisão
bastante radical.
O texto diz, logo no início, que “Grandes multidões acompanhavam
Jesus” (v. 25a). Com essa afirmação podemos concluir que a pregação de Jesus
estava fazendo sucesso, impressionando as pessoas por onde Ele passava. E, como
a busca pelo sucesso não era seu objetivo, Ele até estranha a presença de
multidões atrás de si. Por isso, Ele “voltou-se” (v. 25b) e fez uma chamada de
atenção, pois, consciente da radicalidade de suas próprias exigências, Ele
percebia que havia, ali, um mal-entendido.
No início do caminho, Jesus tinha tratado seu grupo como “pequeno
rebanho” (cf. Lc 12,32). Quanto mais caminhava, mais exigia coragem e
convicção. Seria, então, mais lógico que diminuísse o número dos que o
acompanhavam, ao invés de aumentar. Se aumentavam as multidões, era porque
havia equívoco no modo de acolher a sua mensagem. Jesus sabia que o interesse
de muitos era o triunfalismo. Muitos o acompanhavam imaginando que Ele fosse o
messias davídico, o restaurador do poder político, aquele que combateria com os
romanos até retomar o poder e restaurar o reino de Israel. Foi a essa
mentalidade que Ele percebeu e quis combater, ao esclarecer as exigências
necessárias para o seu discipulado, no Evangelho de hoje.
Como bom mestre, Jesus costumava começar seus discursos com
expressões muito fortes e impactantes. Recordemos o Evangelho de três domingos
atrás, o qual, logo na sua primeira expressão, Jesus dizia: “Eu vim trazer o
fogo sobre a terra” (cf. Lc 12,49). É uma técnica retórica comum nos ambientes
semitas e gregos, muito usada pelos rabinos, com a finalidade de despertar a
atenção logo no início, causando impacto. Assim, Ele o faz ao expor a primeira
exigência para o seu seguimento: o rompimento com os laços familiares (v. 26). Infelizmente,
a tradução do texto litúrgico não consegue expressar bem o sentido da afirmação
de Jesus. No texto original não aparece o verbo ‘desapegar’; aparece um muito
mais forte: odiar, em grego misei/ - misei.
Portanto, a tradução mais justa seria: “Se alguém vem a mim e não
odeia seu pai e sua mãe, a mulher e os filhos, os irmãos e até sua própria
vida, não pode ser meu discípulo”; e essa é muito mais impactante.
Certamente, aqueles que o escutaram ficaram
perplexos. A princípio, parece um convite a abandonar o quarto mandamento da
Torá, “honrar pai e mãe” (cf. Ex 20,12). Claro que não se trata disso. Jamais
Jesus pregaria a disseminação do ódio entre as pessoas, até porque seria
contradizer a sua própria natureza. O que Ele pede é uma adesão incondicional,
que nada nem ninguém ocupe um lugar acima do seu, na vida de seus discípulos.
Ele pede coragem para romper com os laços mais íntimos, representados pela
família. Além disso, a família enquanto instituição representava a tradição, e
o seu anúncio do Reino exigia uma ruptura com as antigas tradições. Há também
nessa afirmação, sinais de continuidade com as observações dirigidas aos
fariseus durante a refeição (cf. Lc 14,1-14), conforme refletimos no domingo
passado: os critérios para convidar alguém para uma refeição em casa não pode
ser o laço familiar. Enfim, na proposta de vida nova apresentada por Jesus, as
relações familiares não são mais centrais.
Jesus não está abolindo o quarto mandamento. Está
apenas inaugurando novos critérios de relação. Indo mais além, exige que o
Reino esteja acima da própria vida do discípulo. Enfim, a opção pelo seu
seguimento requer tomadas de decisões firmes e corajosas, as quais não podem
ser feitas de improviso. É necessário refletir e discernir se vale a pena mesmo
seguí-lo. O convite à reflexão, Ele faz após expor a segunda exigência, com as
duas pequenas parábolas (vv. 28-32).
A segunda exigência é ainda mais impactante, se conseguirmos captar
bem o sentido da cruz aqui empregado: “Quem não carrega a sua cruz e não
caminha atrás de mim não pode ser meu discípulo” (v. 27). No tempo de Jesus a
cruz não era um sinal sagrado. Pelo contrário, era sinal de maldição, de
desgraça. Mais que de tortura, era sinal de crime, de subversão, já que era a
pena aplicada aos agitadores sociais, àqueles que, como Jesus, ousavam
questionar a ‘pax romana’ (cf. Lc 12,51). Muitos, erroneamente, tem
interpretado essa afirmação como um convite de Jesus a suportar, com paciência
e passividade, os sofrimentos e obstáculos, dores e perdas do dia-a-dia. Não se
trata disso! Jesus não está pedindo conformismo. É exatamente o contrário
disso! Com essa expressão, Ele está se opondo radicalmente à doutrina dos
rabinos de sua época, os quais exigiam dos seus discípulos o cumprimento e à
obediência às leis. Jesus pede a subversão! Se a cruz era uma modalidade de
pena, e Jesus pede que seus discípulos a carreguem a cada dia, com isso Ele
pedia que eles fossem desobedientes e subversivos, questionadores da ordem
estabelecida, inconformados com as injustiças presentes no mundo. Ele, não
apenas pede, mas exige, que seus discípulos tenham a coragem que Ele teve.
Certamente, Ele percebeu que estava sendo muito exigente. Por isso,
antes de apresentar a terceira exigência, Ele conta duas pequenas parábolas,
com a intenção de ‘suavizar’ um pouco e, ao mesmo tempo, fazê-los pensar sobre
o que estavam fazendo. Assim, está claro que o objetivo das parábolas, da torre
(vv. 28-30) e da guerra (vv. 31-32) é chamar os que o acompanham à reflexão:
estando convictos de que o seu caminho não é um caminho de sucessos, não há
nenhuma garantia ou segurança material, querem ainda continuar acompanhando-o? É
um caminho marcado por desafios e renúncias, com muitas exigências. É como se
Jesus perguntasse: “vocês já pararam para pensar sobre isso? Estão prontos para
morrer como bandidos? É isso mesmo que vocês querem?”. É isso que está por trás
da imagem do cálculo a ser feito pelo construtor (v. 28) e pelo rei (v. 31). Para
evitar futuras decepções, é aconselhável que reflita-se antes, para que a
decisão tomada seja séria, como é sério o projeto do Reino de Deus.
Por fim, Ele apresenta a terceira exigência: “Quem
não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo!” (v. 33b). Ora,
Jesus quer pessoas completamente livres no seu seguimento. O apego aos bens era
um dos grandes obstáculos. Em outras palavras, não colocar a segurança nas coisas que se possui e sim
pôr a própria segurança no que se doa, a própria vida. Tudo isso porque Jesus
quer ao seu seguimento somente pessoas livres. De fato, as três condições para
o seguimento são todas escolhas de liberdade e para a liberdade. Ele pede
decisões que não podem ser tomadas no improviso. É, sem dúvidas o máximo de
radicalidade. O apego aos bens materiais parecia tão forte, a ponto de prevalecer até mesmo sobre o apego aos familiares. É isso que explica o fato de ser a última exigência apresentada, e ter sido preparada pelas parábolas.
Chama-nos a atenção, a
fórmula de conclusão de cada exigência apresentada: “não pode ser meu
discípulo!” (vv. 26. 27. 33). Nossa reflexão pessoal deve partir exatamente
dessa pergunta: podemos ser discípulos de Jesus do jeito que somos e estamos? A
positividade ou negatividade da resposta depende das renúncias e opções que
fazemos!
Pe. Francisco Cornelio
Freire Rodrigues
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