domingo, setembro 18, 2016

REFLEXÃO PARA O XXV DOMINGO DO TEMPO COMUM – LUCAS 16,1-13 (ANO C)

Não são raras as ocasiões em que Jesus nos surpreende com o seu ensinamento. E, o texto que a liturgia deste XXV Domingo do Tempo Comum nos apresenta parece conter uma das maiores surpresas desse ensinamento, pois Ele apresenta um homem desonesto como modelo a ser imitado, pelo menos aparentemente. Trata-se da chamada “parábola do administrador desonesto”, a primeira do capítulo dezesseis (vv. 1-8), seguida de algumas máximas de caráter proverbial (vv. 9-13).

É importante destacar que o texto compõe o amplo conjunto do caminho catequético apresentado por Jesus em sua viagem para Jerusalém. No capítulo em questão, o décimo sexto do terceiro evangelho, o tema central é exatamente o uso dos bens materiais, ou melhor, da riqueza, especificamente. Esse tema é ilustrado por duas parábolas: a do administrador “desonesto” (vv. 1-8) e aquela do pobre Lázaro e o rico avarento (vv. 19-31), intercaladas por algumas máximas de efeito prático-exortativo em estilo proverbial, que funcionam como interpretação da primeira parábola, a de hoje, e preparação para a segunda. É importante também recordar que as duas parábolas são exclusivas de Lucas, o evangelista que mais combate a concentração de riquezas, propondo a partilha e a solidariedade.

Assim, tendo já identificado o contexto da parábola, a catequese sobre o uso dos bens e riquezas, podemos, logo de início, identificar os destinatários da mesma: os discípulos, como vem afirmado logo no início: “Jesus dizia aos discípulos” (v. 1a). Quando o evangelho diz que Jesus ensina diretamente aos seus discípulos, quer dizer que se trata de algo urgente e, portanto, inadiável. Quando Ele insiste com um mesmo tema, significa que se trata de algo muito importante e, ao mesmo tempo, que os discípulos estão sendo lentos demais na compreensão, a ponto de ser necessário repetir diversas vezes e de diferentes modos. Tudo isso se verifica quando se trata do cuidado com o uso dos bens e das riquezas.

Recordemos algumas ocasiões, ao longo do ‘caminho’, em que os discípulos foram advertidos sobre o uso dos bens materiais: no Pai Nosso, ao recomendar que se peça apenas o necessário para cada dia (cf. Lc 11,3), quando negou-se a interferir em questões relacionadas à divisão de herança, contando a parábola do homem rico insensato (cf. Lc 12,16-21), na apresentação das exigências para o seu seguimento, ao colocar a renúncia de todos os bens como condição para ser seu discípulo (cf. Lc 14,33). Como se vê, há uma insistência de Jesus ao apresentar o tema do uso da riqueza, e isso se deve à resistência dos discípulos, ou seja, faziam pouco caso com uma questão fundamental, a ponto de Jesus, por necessidade, tornar-se repetitivo.

Feitas as devidas considerações introdutórias, entramos diretamente no conteúdo da parábola, recordando a sua trama, como é sinteticamente apresentada logo no primeiro versículo: “Um homem rico tinha um administrador que foi acusado de esbanjar os seus bens” (v. 1b). É interessante que a parábola não diz como o administrador esbanjava os bens do seu patrão. Isso poderia acontecer de diversas maneiras, inclusive ajudando aos mais necessitados, o que na ótica da economia, ao contrário do Reino, seria um modo de esbanjar. Recordemos que Lucas é o único evangelista que usa o termo administrador, em grego oivkono,moj (oikonomos), cujo significado literal é “aquele que cuida dos bens da casa” como um supervisor, tendo total liberdade na gerência dos negócios do patrão.

Diante da acusação de esbanjar os bens que não lhe pertenciam, o destino do administrador não poderia ser outro, senão a demissão ao ser chamado pelo patrão (v. 2). Parece que o próprio administrador aceita ser tratado como desonesto, pois nem sequer pediu perdão ou desculpas ao patrão; na iminência da demissão, o que lhe vem em mente é a preocupação com o futuro. Isso o leva a uma profunda reflexão (v. 3-4). Trata-se de uma reflexão bem calculista, própria do ‘ecônomo’. Em outras ocasiões, Jesus tinha convidado seus discípulos também à reflexão até de modo calculista (cf. Lc 14,25-33), como refletimos no XXIII Domingo. A reflexão leva o administrador a tomar uma atitude, por sinal, bastante prudente, como fruto dos cuidadosos cálculos.

O medo do trabalho braçal e a vergonha de mendigar (v. 3) levo-o a uma decisão firme e corajosa (vv. 5-7), própria de quem fez uma ampla reflexão. Não sabemos se as medidas tomadas trouxeram ainda mais prejuízos para o patrão, mas parece que não, pois o próprio patrão o elogiará posteriormente (v. 8), por ter agido com “esperteza”. Na verdade, bem mais que esperteza, o termo que Lucas utiliza é froni,mwj (fronimos), que designa ‘aquele que está em pleno uso da razão’, o que é sábio, inteligente, prudente e sagaz, como deve ser a atitude do discípulo de Jesus.

O coração da parábola está nos vv. 5-7. O sistema tributário da época era bastante arbitrário, contrariando, inclusive, as leis do Antigo Testamento que proibiam a usura, ou seja, o empréstimo por juros (cf. Ex 22,19; 25,36-37; etc.). A reflexão do administrador parte de um dilema: agradar ao patrão ou aos devedores? Pensando no futuro, prefere a segunda opção e convida os devedores a uma revisão nas contas, por isso “chamou cada um dos que estavam devendo ao seu patrão” (v. 5). Embora a parábola apresente apenas dois devedores, supõe-se que havia um número muito grande, devido as proporções e consequências do caso, a ponto de causar a sua demissão. Os dois casos descritos, um devedor de azeite e outro de trigo, ajudam a compreender que, mesmo tratando-se de quantias exorbitantes, se trata de produtos de subsistência, embora de grande valor, mas eram necessidades primárias para a alimentação no dia-a-dia, o que vem a supor que os devedores eram pobres.

A revisão nas contas prova que o administrador fez uma opção clara: escolheu o lado dos mais fracos, os endividados, tornando-se amigo deles (v. 9), pois somente os fracos e pobres tem generosidade para partilhar o pouco que tem, dando acolhida ao próximo (v. 4), como visava o administrador. Muitos intérpretes, sem base alguma nas linhas e entrelinhas da parábola, dizem que o administrador com os supostos descontos de cinquenta por cento para um e vinte para o outro, estava apenas abrindo mão da sua desonesta comissão. Mas não há fundamentos claros nem na parábola nem nos versículos explicativos que a seguem (vv. 9-13).

Juntemos, mais uma vez, algumas peças na montagem do ‘quadro’ pintado por Lucas: o administrador foi “acusado de esbanjar os bens do patrão” (v. 1b) e chamado de desonesto somente pelo próprio patrão (v. 8a). Esse dado é muito importante para compreendermos a diferença dos pontos de vista. A visão do patrão era meramente acumulativa, pensava somente em lucros e, à medida que o administrador diminuísse seus lucros no repasse dos bens administrados, não poderia ser acusado de outra coisa senão de desonestidade. Mas, a lógica do patrão é exatamente o contrário da lógica do Reino. O projeto do Reino de Deus é antítese à ideologia do mercado. Enquanto o mercado incentiva o acúmulo, o Reino convida à partilha e à solidariedade.

O administrador foi solidário com os endividados, usando o dinheiro injusto para fazer amigos (v. 9), ou seja, preferiu bens que não passam, e a amizade é um destes bens eternos, ao aumento dos lucros do seu patrão. De fato, o dinheiro acumulado será sempre injusto, porque foi sugado de alguém, dos pobres. Estar em dia com as leis deste mundo não equivale a estar em dia com o Reino. Dos discípulos, Jesus pede fidelidade ao Reino, e por isso, muitas vezes, é necessário negar-se ao cumprimento das leis “deste mundo”, a maioria injustas.

Concluímos, então, com uma referência ao último versículo (v. 13), o qual convida o discípulo a cada vez mais amadurecer em suas opções, tendo clareza de que não se pode servir a dois senhores, ou seja, a Deus e ao dinheiro. Por incrível que pareça, o administrador, aparentemente, desonesto, acaba sendo o exemplo de quem levou a sério esse ensinamento e escolheu um único senhor, diante das duas opções: ajudando seu patrão no acúmulo, estaria servindo ao dinheiro; como preferiu ajudar aos pobres endividados, escolheu servir a Deus. Ele fez uma opção clara, típica de quem está em pleno estado de lucidez (v. 8) para perceber qual é o lado de Deus.


Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues

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