domingo, novembro 13, 2016

REFLEXÃO PARA O XXXIII DOMINGO DO TEMPO COMUM – LUCAS 21,5-19 (ANO C)


Ao longo de quase vinte domingos, do décimo segundo ao trigésimo primeiro do ano litúrgico em curso, acompanhamos o grande itinerário catequético, teológico e espiritual de Jesus, através do longo caminho para Jerusalém, apresentado pelo evangelista Lucas em dez capítulos (9 – 19). Eis que a meta foi alcançada e, no Evangelho de hoje (Lc 21,5-19), contemplamos uma importante etapa do curto ministério de Jesus em Jerusalém, mais precisamente nas dependências do imponente templo.

Trata-se de um texto longo e complexo devido, principalmente, ao uso do gênero literário apocalíptico, tão incompreendido e distorcido ao longo da história. É comum nos evangelhos, sobretudo nas partes finais, o uso desse gênero literário que não é indicativo de catástrofe, como tem sido equivocadamente concebido, mas quer dizer revelação, ‘tirar o véu’ de algo para torná-lo conhecido e, portanto, muito usado quando se fala das realidades últimas. Logo, se trata de um texto muito passível de distorções na interpretação, uma vez que faz parte do discurso escatológico do Evangelho de Lucas.

Inegavelmente, a mensagem desse texto de hoje está voltada para o fim; mas um fim como finalidade e não como extermínio. Infelizmente, a maioria das interpretações têm estimulado uma concepção de fim como extermínio, marcado por uma sequência de catástrofes, inculcando medo nas pessoas e levando-as a um fundamentalismo extremo. Na verdade, Jesus está anunciando a transição entre dois reinos: o reino dos homens e o reino de Deus. Obviamente, pelos contrastes entre um e outro reino, essa transição deverá ser marcada por conflitos inevitáveis, tendo em vista que o advento do Reino de Deus pressupõe a superação de tudo o que diz respeito ao reino dos homens. Por isso, Jesus previne e encoraja os seus discípulos para a inevitável tensão no período de transição e os consequentes perigos.

Voltemos, pois, a atenção para o complexo texto que nos é proposto. A cena transcorre nas dependências do templo, ambiente de decepção para Jesus, considerando que, de ‘casa de oração’, foi transformado em ‘covil de ladrões’, conforme ele denunciou anteriormente (cf. Lc 19,45-46). Para Ele, era muito doloroso contemplar todas as arbitrariedades que faziam naquele ambiente, em nome de seu Amado Pai! Na cena anterior ao episódio de hoje, ele tinha lamentado pela pobre viúva explorada (cf. Lc 21,1-4). Ele já estava bastante revoltado com tudo o que tinha visto ali; por isso, foi muito duro ao escutar elogios àquela construção (v. 5), que ao invés de revelar, escondia o verdadeiro rosto de Deus, o seu Pai; por isso, foi curto e grosso: “não restará pedra sobre pedra” (v. 6b). Com essa expressão, Ele externa seu total descontentamento com aquela instituição, dizendo que não há nada a se aproveitar dela: deve ser exterminada o quanto antes!

Considerando que o famoso templo de Jerusalém era uma das grandes maravilhas do mundo na época, pela sua imponência e beleza de seus adornos, uma previsão de sua destruição despertava muitas curiosidades e perguntas como, de fato, são feitas: “Quando acontecerá isso? Qual o sinal de que estas coisas estão para acontecer?” (v. 7). À perguntas desse gênero, Jesus responde com muita cautela e precisão, embora não diga quando, pois não é competência sua, nem se trata de algo relevante. Ele pede, na verdade, para que os discípulos não se apavorem com os acontecimentos que refletem os antigos sinais de fim dos tempos, preditos ao longo da história de Israel pelos antigos profetas: guerras, revoluções e fenômenos naturais como terremotos e pestes (vv. 9, 10, 11). A estes fenômenos e acontecimentos, ele aponta outro perigo: a manipulação de seu nome por falsos pregadores e espertalhões que predizem, sem fundamentação alguma, o final dos tempos e apresentam-se como sabedores das realidades futuras (v. 8b). Ele pede para não nos deixarmos enganar por esse tipo de gente (v. 8a), presente muitas vezes nas comunidades cristãs, infelizmente.

Na sequência, Jesus chama ainda mais a atenção dos seus discípulos para as consequências da fidelidade ao seu projeto de construção de um mundo novo: uma sociedade alternativa baseada em novos valores e princípios. Obviamente, o advento de um mundo novo requer a superação de um mundo antigo, o que exige a substituição dos valores tradicionais cultivados pela sociedade e religião do tempo de Jesus, pelos valores que compõem o seu Evangelho. Eis porque os conflitos se tornam inevitáveis: quem aceitar o Evangelho com seus valores, rejeitará os princípios da antiga ordem estabelecida, mantida pela aparelhagem ideológica da religião e do estado. Tais consequências culminam com as perseguições nos mais diversos âmbitos: religioso, político e familiar.

Quanto às perseguições, que muitos viam como fim dos tempos, Jesus as apresenta como meios que conduzirão o mundo ao seu verdadeiro fim: são sinais de que o Reino de Deus se aproxima. De fato, a fidelidade de seus discípulos será medida pela reação de três instituições a eles: a religião, o estado e a família tradicional. Por isso, Jesus diz que os seguidores do seu Evangelho serão perseguidos e entregues às sinagogas (v. 12), prova de que sua mensagem desmascarava a religião institucional de seu tempo; serão conduzidos diante de reis e governadores (v. 12), sinal da oposição radical entre o Reino de Deus e os reinos dos homens, o estado; e serão entregues e mortos até mesmo pelos próprios familiares (v. 16), o sinal de que até mesmo a instituição familiar é abalada pela mensagem renovadora e libertadora de Jesus.

Diante de uma proposta tão exigente e ousada, Jesus faz um forte apelo à fidelidade e perseverança dos seus discípulos, encorajando-os a não desanimarem diante das adversidades. Antes de tudo, Ele garante que quando estas coisas começarem a acontecer, os discípulos terão a oportunidade de dar testemunho da fé nEle (v. 13). Ora, testemunho, em grego martu,rion – martyrion, significa testemunhar e assumir as consequências desse testemunho, dando a vida se for preciso, como Jesus mesmo prevê (v. 16b). Aconselha-os também a confiarem plenamente nEle, sem preocupações com o que dizer e o jeito de se defenderem diante das acusações e calúnias (vv. 14-15). Basta confiar e testemunhar.

É inevitável que, testemunhando Jesus, os discípulos estarão alimentando o ódio daqueles que querem permanecer ligados às antigas instituições e fechados à novidade do Evangelho. Porém, Jesus garante que o mais importante, a vida, será preservada em sua integridade: “não perdereis um só fio de cabelo de vossa cabeça” (v. 18). Ora, o fio de cabelo significava a menor parte da vida de uma pessoa na mentalidade hebraica; assim, Jesus diz que a vida do discípulo e discípula que perseverar no testemunho corajoso do seu Evangelho, será ganha em sua totalidade e abundância (v. 19).

É, portanto, urgente e necessário conceber a adesão ao ensinamento de Jesus como ruptura total com todas as estruturas e instituições tradicionais para, de fato, testemunhar, de modo livre e novo, os valores presentes em seu Evangelho. É urgente que abracemos um mundo novo, caracterizado por novas relações em todos os âmbitos da vida, motivadas única e exclusivamente pelo amor, deixando para trás todas as experiências ultrapassadas, mesmo que usem o nome de Deus, como usava o esplêndido templo de Jerusalém, o qual não merecia outro destino, senão a destruição completa. Por isso, temos a certeza de que Jesus pregava o fim de um mundo antigo insustentável, tendo como finalidade a construção de um mundo novo baseado nos valores do seus Evangelho.


Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues

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