Neste décimo domingo do tempo
comum, o texto evangélico proposto pela liturgia é Mc 3,20-35. Esse texto é bastante
significativo para a compreensão do ministério e do mistério de Jesus enquanto
messias e responsável por neutralizar as forças do mal com a sua mensagem e
práxis libertadoras. O texto retrata mais um momento da atuação de Jesus na
Galileia com as tradicionais características de adesão e contestação à sua
atividade messiânica, mostrando que nenhum esquema religioso, social e cultural
é capaz de contê-lo ou controlá-lo.
O episódio narrado faz parte
ainda do início do seu ministério na Galileia, embora sua fama já estivesse bem
espalhada, como o texto faz perceber. Após a última controvérsia com os fariseus,
quando curou um homem da mão seca na sinagoga em dia de sábado (cf. 3,1-6), a
multidão que o acompanhava em busca de milagres e prodígios, só crescia (cf.
3,7-12); isso o levou a constituir o grupo dos Doze (cf. 3,13-19), para que sua
ação libertadora se expandisse cada vez mais (cf. v. 14). À medida em que as
multidões sedentas de dignidade, de justiça e de amor, cansadas de tanta
opressão, aumentavam ao redor de Jesus, também aumentava a oposição daqueles
que não aceitavam o seu comportamento fora dos padrões estabelecidos pela
sociedade e a religião. É isso que o Evangelho de hoje mostra: Jesus rodeado
por uma multidão na casa e, ao mesmo tempo, sendo contestado e mal compreendido
pelos familiares e pelas autoridades religiosas.
Após a constituição do grupo
dos Doze, o evangelista diz que “Jesus voltou para casa com os seus
discípulos. E de novo se reuniu tanta gente que eles nem sequer podiam comer”
(v. 20). A casa (em grego: oivki,a
– oikia) tem um valor muito
significativo para o Evangelho segundo Marcos: é a alternativa proposta por Jesus para a realização do seu projeto em
sua dimensão espacial primeira, como oposição à sinagoga e a qualquer
instituição. A casa é o espaço eclesial por excelência; é na casa onde Jesus
fala abertamente com seus discípulos. A Igreja primitiva adotou a casa como o
lugar da liturgia, da catequese e do encontro. Se
é na casa onde acontece a vida, deve ser na casa o culto ao Deus da vida; um
culto não ritual, mas serviçal.
Aqui, não se trata da casa de Nazaré, mas da casa adotada por ele em Cafarnaum, provavelmente a casa dos irmãos André e Pedro. A multidão reunida ao seu redor demonstra o sucesso de sua pregação junta às camadas mais populares da sociedade. Com tanta gente ao redor, Jesus e seus discípulos “nem sequer podiam comer”, porque a prioridade era o serviço; com essa expressão o evangelista ressalta o aparente sucesso e, ao mesmo tempo, a dimensão do serviço na vida da comunidade: antes de tudo, o serviço e a atenção aos necessitados. O discípulo deve pensar mais no outro do que em si próprio; nada de egoísmo na comunidade de Jesus.
Aqui, não se trata da casa de Nazaré, mas da casa adotada por ele em Cafarnaum, provavelmente a casa dos irmãos André e Pedro. A multidão reunida ao seu redor demonstra o sucesso de sua pregação junta às camadas mais populares da sociedade. Com tanta gente ao redor, Jesus e seus discípulos “nem sequer podiam comer”, porque a prioridade era o serviço; com essa expressão o evangelista ressalta o aparente sucesso e, ao mesmo tempo, a dimensão do serviço na vida da comunidade: antes de tudo, o serviço e a atenção aos necessitados. O discípulo deve pensar mais no outro do que em si próprio; nada de egoísmo na comunidade de Jesus.
Como já acenamos, a acolhida da
mensagem de Jesus não era igual entre todos os grupos ou classes sociais. Ao
contrário da multidão que o buscava constantemente, havia quem o contestasse e
procurasse desqualificar a sua atuação libertadora, seja por incompreensão ou
mesmo por maldade e medo de perder privilégios. Entres os que não o compreendiam,
estavam os seus familiares: “Quando souberam disso, os parentes de Jesus
saíram para agarrá-lo, porque diziam que estava fora de si” (v. 21). Jesus
já tinha deixado a família em Nazaré a algum tempo, e adotado a cidade de
Cafarnaum como ponto de apoio para seu ministério itinerante. Porém, como sua
fama se espalhava com facilidade, também chegaram notícias suas em Nazaré e,
por sinal, não muito boas. Envergonhados pelo seu comportamento subversivo,
seus familiares chegaram à conclusão de que ele só podia estar louco, ou seja,
“fora de si”; diante disso, eles tomaram a decisão de procurá-lo para
prendê-lo, levá-lo para casa e, assim, evitar que ele continuasse a envergonhar
o nome da família com um comportamento fora dos padrões estabelecidos.
Com rapidez, a fama de Jesus
chegou também em Jerusalém, centro do poder religioso e político, onde estavam
as autoridades constituídas para manter a ordem e o controle social e
ideológico. Se na pequena Nazaré Jesus era considerado louco, na capital era
visto como “endemoniado”, provocando a ida de uma comitiva oficial a Cafarnaum,
para tentar impedir que ele continuasse o seu ministério. Assim atesta o
evangelista: “Os mestres da Lei, que tinham vindo de Jerusalém, diziam que
ele estava possuído por Beelzebu, e que pelo príncipe dos demônios ele expulsava
os demônios” (v. 22). A acusação é grave, considerando o teor e contexto.
Enquanto Jesus anuncia a chegada do Reino de Deus, compreendido como um projeto
de sociedade marcada pela igualdade, justiça e amor, seus adversários tentam
desqualificá-lo, acusando-o de agir em nome do demônio; Beelzebu, cujo nome pode
significar “senhor da casa, senhor das moscas ou senhor do esterco”, era uma
divindade filisteia, considerado portador de doenças em Israel. Era a expressão
máxima do mal para os judeus mais devotos.
Além de perversa e hipócrita, a
acusação dos mestres da lei é também contraditória, por isso foram
desmascarados instantaneamente: “Então Jesus os chamou e falou-lhes em
parábolas: ‘Como é que Satanás pode expulsar Satanás?” (v. 23). Se toda a
atividade de Jesus, desde o início do seu ministério, consistia no anúncio do
Reino de Deus e, consequentemente, a eliminação do mal, a acusação dos mestres
da lei não tinha o mínimo fundamento. “Satanás” é a expressão do antagonista de
Deus, conforme a mentalidade bíblica e, por isso, era o opositor de Jesus,
aquele que precisava ser derrotado. Para deixar ainda mais claro o quanto os
mestres da lei estavam mal intencionados, Jesus aprofunda a contradição deles
com mais algumas pequenas parábolas: tanto um reino quanto uma casa não podem sobreviver
com divisões internas; as divisões são sempre causas de ruína e destruição (cf.
v. 24-27).
Jesus encerra a discussão com
os mestres da lei com uma declaração solene bastante impactante: “Em verdade
vos digo: tudo será perdoado aos homens, tanto os pecados, como qualquer
blasfêmia que tiverem dito. Mas quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca
será perdoado, mas culpado de um pecado eterno” (v. 28-29). A introdução
“em verdade vos digo” (em grego: VAmh.n le,gw
u`mi/n
– amén lêgo himin) significa que aquilo que está para ser anunciado é de
fundamental importância para o auditório: o pecado contra o Espírito Santo é
imperdoável. Mas, qual é mesmo o pecado contra o Espírito Santo? É aquilo que
os mestres da lei estavam fazendo: lúcida e voluntariamente, eles negavam a
ação de Deus em Jesus. É inadmissível que não se reconheça que tudo o que Jesus
fazia e faz é trazer Deus para a vida das pessoas, torna-lo acessível. Na
verdade, era essa acessibilidade a Deus, livre e gratuita, oferecida por Jesus
que irritava os mestre da lei e as demais autoridades religiosas do seu tempo,
pois isso significava para elas perda de poder e privilégios.
Conhecendo o Deus amoroso
revelado por Jesus, as pessoas deixavam de aceitar o Deus juiz, vingativo e
mercantilista do templo. A pregação de Jesus era uma ameaça à sobrevivência
daquela religião. Por isso, as autoridades faziam de tudo para impedi-lo de
continuar o seu ministério. Para Jesus, a tentativa de bloquear a ação de Deus
na história, revelada por ele com a mensagem e a práxis, é a verdadeira
blasfêmia, é o grande pecado. O pecado contra o Espírito Santo é, portanto, a
pretensão de todo sistema religioso que pretende determinar ou negar o agir de
Deus na história.
Após desmascarar as autoridades
religiosas, representadas no texto pelos mestres da lei, o evangelista volta a
atenção para o conflito de Jesus com os seus familiares que pretendiam
prendê-lo: “Nisto chegaram sua mãe e seus irmãos. Eles ficaram do lado de
fora e mandaram chamá-lo. Havia uma multidão sentada ao redor dele. Então lhe
disseram: ‘Tua mãe e teus irmãos estão lá fora à tua procura’” (vv. 31-32).
Jesus estava na casa e circundado por uma multidão que, certamente, o escutava
atentamente. De propósito, o evangelista enfatiza duas posturas opostas diante
de Jesus: ficar do lado de fora e apenas ouvir o que se diz a seu respeito, ou
entrar na casa e sentar-se ao seu redor, experimentando pessoalmente o amor e a
plenitude de vida que ele transmite.
O evangelista não pretende mostrar
nem criar oposição ou rivalidade entre os familiares de Jesus e a comunidade
dos discípulos; ele quer apenas ajudar a sua comunidade a compreender que, aceitar
a proposta de vida de Jesus implica assumir uma maneira diferente de viver, com
novos critérios de pertença e relação; é isso que fica claro com a resposta de
Jesus: “‘Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos?’ E olhando para os que
estavam sentados ao seu redor, disse: ‘Aqui estão minha mãe e meus irmãos. Quem
faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (v. 33-35).
Com essa afirmação, ao invés de menosprezar os seus familiares, ele está dando
a oportunidade de também eles entrarem na dinâmica do Reino de Deus e, ao mesmo
tempo, que qualquer pessoa, independente da origem, pode fazer parte da sua família.
Para fazer parte da comunidade
de Jesus, o único critério e exigência é tornar-se discípulo ou discípula; para
isso, é necessário ouvir a sua palavra e fazer a vontade de Deus. Se trata de
uma regra sem exceção. A adesão ao Reino exige uma conversão completa, ou seja,
mudança de mentalidade, inclusive na concepção de família. O seguimento a Jesus
não comporta meios termos. Seu projeto de vida exige tomada de decisão. As
notícias a seu respeito se espalhavam de Jerusalém a Nazaré; muitas
incompreensões surgiam com isso. Diante de isso, era e continua sendo
indispensável “entrar na casa” e sentar-se ao seu redor para escutá-lo; sem
essa experiência, qualquer juízo sobre a sua pessoa será distorcido ou parcial.
Pe. Francisco Cornelio
Freire Rodrigues – Diocese de Mossoró-RN
Nenhum comentário:
Postar um comentário