sábado, julho 11, 2020

REFLEXÃO PARA O DÉCIMO QUINTO DOMINGO DO TEMPO COMUM – MATEUS 13,1-23 (ANO A)


Neste décimo quinto domingo do tempo comum, iniciamos a leitura do “discurso em parábolas”, que é o terceiro dos cinco discursos de Jesus no Evangelho segundo Mateus. Nesse discurso, o Reino dos Céus é ilustrado a partir de sete parábolas, ocupando praticamente todo o capítulo treze do Evangelho. A liturgia propõe a leitura desse capítulo por três domingos consecutivos, começando hoje. texto proposto especificamente para esse domingo é Mt 13,1-23. Se trata de um texto bastante extenso, o qual contém a primeira parábola do discurso (vv. 1-9), as motivações do discurso em parábolas (vv. 10-17), e a explicação da parábola para os discípulos (vv. 18-23). Considerando a extensão do texto, não comentaremos versículo por versículo. Procuramos colher a mensagem central do texto em seu conjunto. Para uma compreensão mais adequada do texto, é necessário fazer uma pequena contextualização introdutória, sobretudo por se tratar de uma nova fase na vida e no ministério de Jesus, com uma nova metodologia, como veremos a seguir.

A mudança de metodologia e perspectiva que o texto reflete faz parte da reação de Jesus às rejeições sofridas pela sua mensagem em algumas cidades da Galileia após o discurso missionário e o envio dos discípulos (Mt 11 – 12). Ora, tinha ficado claro que nem todos se interessaram pelo anúncio da Boa Nova do Reino, tanto por Jesus quanto pelos discípulos por ele enviados. Diante disso, Jesus apresenta o Reino e seus mistérios a partir de uma série de sete parábolas, visando tornar a sua mensagem ainda mis acessível, especialmente para as pessoas simples e humildes (Mt 11,25), que já lhe tinham dado sinal de adesão, ao contrário dos sábios e entendidos que não se interessavam pela sua mensagem libertadora. Certamente, diante do aparente fracasso da missão de Jesus até então, seus discípulos lhe questionaram a respeito da eficácia e até mesmo da utilidade do seu anúncio: porque anunciar, se poucos escutam, e dos que escutam, poucos compreendem e acreditam? Por que o anúncio da Boa Nova do Reino não causa praticamente efeito algum? Vale a pena continuar? Não temos dúvidas de que as parábolas do capítulo treze, e principalmente a de hoje, são tentativas de Jesus responder a questionamentos desse tipo.

Por trás dos prováveis questionamentos dos discípulos estava também uma concepção distorcida de messianismo, já que o perfil de Jesus fugia dos padrões e das expectativas mais convencionais do judaísmo da época: ao invés de um messias potente e guerreiro, Jesus se apresenta simples, manso e humilde de coração (Mt 11,29); ao invés de reconstruir o antigo reino de Davi, Ele propõe o Reino dos Céus como alternativa de sociedade, cujas características principais são a igualdade, o amor fraterno, a justiça e a solidariedade. Com as parábolas, a dinâmica Reino poderia ser melhor compreendida pelos discípulos e pelas comunidades destinatárias de todos os tempos, desde que aceitem a condição de pequeninos/a (Mt 11,25), disposição essencial para conhecer a mensagem de Jesus e conduzir a existência a partir dela. Além dos mistérios do Reino em si, as parábolas também ajudam a compreender a dinâmica de aceitação e rejeição, o que mais inquietava os discípulos naquele momento de crise vivido pelo grupo. Por último, ainda a nível de contexto, convém recordar que o texto reflete mais a situação da comunidade do evangelista do que mesmo a do grupo dos primeiros discípulos de Jesus.

Assim, voltamos a nossa atenção diretamente para o texto: “Naquele dia, Jesus saiu de casa para sentar-se às margens do mar da Galileia (v. 1). Jesus já estava radicado em Cafarnaum, cidade localizada às margens do lago da Galileia, chamado de mar pelo evangelista por motivos teológicos. O mar evoca perigo e hostilidade, é onde habitavam as forças do mal, segundo a mentalidade da época. As margens do mar significam lugar de movimento, fluxo de pessoas, abertura, contato com o diferente e exposição aos perigos. Permanecer em casa é sinal de segurança, fechamento e comodismo. Logo, o deslocamento de Jesus da casa para às margens do mar significa que, mesmo em um contexto de hostilidades à pregação do anúncio do Reino, a comunidade cristã não pode fechar-se em si nem buscar seguranças. Pelo contrário, deve lançar-se, colocar-se em saída e ir às margens. Com essa atitude de sair de casa e ir às margens do mar, Jesus convida a Igreja de todos os tempos a ser uma Igreja em saída.

Se permanecesse em casa, somente os discípulos ouviriam a pregação de Jesus. Uma vez que saiu de casa, “uma grande multidão reuniu-se em volta dele. Por isso, Jesus entrou numa barca e sentou-se, enquanto a multidão ficava de pé na praia. E disse muitas coisas em parábolas” (vv. 2-3). Para romper as bolhas e chegar às multidões é necessário colocar-se em saída e assumir os riscos de tal opção. Inclusive, o gesto de sentar-se na barca é a confirmação desses riscos; a mensagem libertadora de Jesus não é um mero conteúdo para ser explicado de cátedras ou púlpitos, mas um programa de vida que comporta riscos para quem se dispõe a vivê-lo. Embora já tivesse contado várias parábolas (Mt 7,24-27; 9,15; 12,43-45), essa é a primeira vez que o evangelista usa propriamente o termo “parábola” (em grego: παραβολή – parabolê), cujo significado é pôr lado a lado, ou seja, fazer uma comparação. Ele vai, portanto, apresentar o Reino a partir de comparações com elementos do cotidiano das pessoas, o que não significa que, necessariamente, será melhor compreendido por isso, mas pelo menos instigará a reflexão.

A primeira das parábolas que compõe o discurso é aquela que o Evangelho de hoje nos apresenta: “o semeador saiu para semear” (v. 3b). Conforme vem descrito, esse semeador lança a semente em quatro tipos diferentes de terrenos: caminho, pedra, espinho e terra boa (vv. 4-8), sem distinção. Certamente há, aqui, uma grande discrepância com as práticas agrícolas modernas. Na antiga Palestina, a terra não era preparada com antecedência para a plantação. Jogava-se a semente na terra e só se começava a prepará-la quando as plantas nasciam e cresciam, a ponto de distinguir a planta boa da árvore daninha (ver o exemplo da parábola do joio e do trigo, Mt 13,24-30). Perder sementes jogadas em terrenos duvidosos era visto como natural. O importante era a confiança e a certeza de que em algum lugar a semente haveria de nascer, crescer e frutificar em abundância.

É importante recordar que, mesmo tendo a multidão como auditório, o público alvo principal da parábola é o grupo dos discípulos de outrora e a comunidade cristã de todos os tempos. A comunidade anunciadora do Reino não pode escolher a quem anunciar, assim como o semeador não escolhe o terreno antes de lançar a semente. Inclusive, a maioria das interpretações fixam a atenção no significado da semente, fazendo passar despercebida a figura do semeador que, aqui na parábola, é o próprio Jesus ; é ele o semeador que espalha sementes de amor e esperança em todos os tipos de terreno, sem preocupar-se com os resultados e, por isso, é o modelo para os discípulos. Ora, diante dos fracassos recentes na missão evangelizadora de Jesus com os doze, a tendência nos discípulos era selecionar melhor os destinatários do anúncio e não perder mais tempo. Jesus está, com essa parábola, advertindo a Igreja de todos os tempos que na sua missão, estará mais presente o fracasso do que o sucesso, afinal, de quatro tipos de terreno, somente em um a semente frutificou. A comunidade deve confiar na eficácia da Palavra, e ao mesmo tempo conscientizar-se das diversas oposições que essa recebe e que podem impedir o seu crescimento.

De uma coisa a comunidade não pode duvidar: a Palavra tem força transformadora incrível: quando a semente “cai em terra boa, é capaz de produzir à base de cem, sessenta e de trinta frutos por semente” (v. 8). Essa imagem exageradamente abundante dos frutos é importante: convencionalmente, o máximo que se esperava de um cacho (ou espiga) de trigo eram trinta grãos. Aqui está uma demonstração da vida em plenitude que receberão aqueles que aderirem ao projeto do Reino. O que parecia ser muito (trinta frutos) passa a ser mínimo diante da beleza que é a vida de quem se deixou conduzir pelos frutos do Reino. A colheita surpreendente (cem frutos por semente) só é possível para quem confia na Palavra e se abre completamente aos valores do Reino. O que parecia muito, fora da mentalidade nova proposta por Jesus, é o mínimo na dinâmica do Reino.

Após contar a primeira das sete parábolas, “os discípulos aproximaram-se e disseram a Jesus: porque falas ao povo em parábolas?” (v. 10). A resposta de Jesus é bastante longa e enigmática (vv. 11-17), usando, inclusive, o profeta Isaías (Is 6,9-10). Assim como havia níveis diferentes de adesão à pregação de Jesus e ao seu Evangelho, posteriormente, também havia diferenças no modo de compreender a sua Palavra. Nem toda a multidão estava apta a compreender por que isso não é possível sem uma experiência autêntica com Ele. Inclusive, ele deixa claro que não serve um conhecimento superficial da sua pessoa: ou se conhece profundamente ou não se conhece nada d’Ele. Por conhecimento de Jesus, compreende-se a experiência de amor que se faz com a sua pessoa, e não a abstração de ideias a seu respeito. No gesto dos discípulos aproximarem-se dele, está o modelo para o discipulado de todos os tempos: não basta ouvi-lo, é necessário aproximar-se dele, estar ao seu lado e vice-versa para a palavra, enquanto semente, enraizar no coração e frutificar.

A Palavra transforma, cria raízes no coração, por isso “aquele que tem será dado ainda mais, e terá em abundância; mas à pessoa que não tem, será tirado até o pouco que tem” (v. 12). É claro que Jesus não está falando de bens ou riquezas materiais, mas do conhecimento de si e dos mistérios do Reino. Quem o conhece superficialmente, na verdade não o conhece; quem o conhece verdadeiramente, o conhecerá ainda mais. No coração onde a Palavra apenas tocou sem criar raízes, ela logo desaparecerá. Mas, onde ela de fato enraíza  e frutifica, os frutos são cada vez mais abundantes. O desejo de Jesus é que a Palavra seja acolhida por todos e todas, mas a experiência estava mostrando que não era possível. Nem todos a acolhiam, uns faziam de conta, ou seja, ouviam, mas não se deixavam transformar por ela. A apresentação do Reino em parábolas é, portanto, um convite à reflexão: através das imagens usadas, as pessoas podem refletir com mais calma depois de ouvi-la e, assim, decidir aderir ou não.

A explicação da parábola aos discípulos (vv. 18-23) é um acréscimo posterior da comunidade mateana, como forma de manter a mensagem de Jesus sempre atualizada. Não basta recordar o que o Mestre falou, é necessário ler a realidade atual à luz da sua mensagem e aplicá-la. Nessa explicação, Mateus adverte sua comunidade e as comunidades de todos os tempos para a importância de saber lidar com as diferenças e a paciência no modo de anunciar e acolher a Palavra. O certo é que a escuta deve ser seguida do aproximar-se. Mais que descrever quatro categorias de pessoas, os quatro terrenos da parábola são advertências e indicações de que cada discípulo e discípula pode comportar em si as quatro situações de acolhida ou resistência à Palavra que é lançada a todas as pessoas, sem distinção. Por isso, os quatro tipos de terrenos evocam também a universalidade do evangelho

Estrada, pedra, espinhos e terra boa está no coração de um. Que a Igreja seja estimulada sair constantemente de si mesma para lançar as sementes do Reino, a Palavra, em todas as circunstâncias. O importante é ter coragem de deixar a casa e assumir as margens do mar, sem medo.

Pe. Francisco Cornélio F. Rodrigues – Diocese de Mossoró-RN

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