A última ceia no Quarto Evangelho é muito mais que o consumo de
alimentos e confraternização. É um momento forte de auto revelação da parte de
Jesus. É o momento de apresentação de seu testamento; por isso, este episódio
ocupa nada menos que cinco capítulos (13 – 17), totalizando cento e cinquenta e
cinco versículos. Para este Quinto Domingo da Páscoa, a liturgia nos oferece
apenas cinco versículos, os quais podem ser considerados como a síntese geral
do testamento de Jesus (13,31 – 35).
Podemos dizer que estes poucos versículos são a síntese e o coração
do testamento de Jesus porque é aqui que Ele dá o mandamento por excelência, o
mandamento do amor (v. 34). Não deixa de ser interessante que os fatos que
precedem e sucedem à entrega do amor como mandamento, são bastante negativas
para a comunidade: o anúncio da traição de Judas (vv. 21 – 30) e o anúncio da
negação de Pedro (vv. 36 – 38). Essa pequena observação, por si só, já é muito
significativa: não obstante as traições e negações, a resposta de Jesus não
pode ser outra, senão o amor!
A mudança da terceira pessoa (vv. 31-32) para a primeira (vv.
33-35) mostra claramente que o pequeno trecho compreende dois momentos
distintos dentro do mesmo episódio. O primeiro versículo (v. 31) estabelece a
conexão com a cena anterior, o anúncio da traição de Judas e sua separação da
comunidade. Trair Jesus é, logicamente, separar-se da sua comunidade.
Jesus esperou muito que a sua ‘hora’ chegasse no Evangelho de João
(cf. 2,4; 7,30; 8,20). Finalmente, ela chegou (cf. 12,22.27; 13,1); é agora,
como diz o versículo 31: “Agora foi glorificado o Filho do homem”. A traição de
Judas não ofuscara o seu projeto, o qual era o projeto do Pai. Ora, antes da
traição, Jesus tinha lavado os pés dos discípulos e recomendado que os mesmos
seguissem seu exemplo. Ao cumprir tal gesto, não fez distinção, mesmo sabendo
quem o haveria de trair negar. Portanto, tinha feito tudo. Já não havia mais o
que esperar. Por isso, chegou, realmente o seu ‘agora’.
A partir do versículo 33, em primeira pessoa, Jesus dirige-se
diretamente aos discípulos, chamando-os carinhosamente de ‘filhinhos’ (tekni,on). É a primeira e única vez em que ele se
dirige aos discípulos dessa forma. Teknion é o diminutivo de teknon, ou seja, é filhinho ou filhinha. Nem
Maria, sua mãe, lhe tinha chamado dessa forma. Tudo isso evidencia o amor, a
atenção e o cuidado dEle para com os seus.
No versículo 34, uma nova nova surpresa! Há dois adjetivos em grego
que significam novo: ne,oj e kainoj. Ne,oj
quer dizer ‘o mais novo’, ou seja, algo
novo que surge entre coisas antigas, sem necessariamente substituí-las. Já
kainoj, quer dizer algo
absolutamente novo que supera tudo o que havia antes; é o novo que toma o lugar
dos demais, aquele que substitui. Os demais deixam de existir, perdem completamente a importância e a
razão de ser. E, Jesus usa exatamente kainoj ao referir-se ao novo mandamento. Com isso,
ele quer dizer que os outros mandamentos não existem mais! Não há mais uma
antiga e uma nova aliança. Há uma única aliança. A antiga não foi apenas
superada pela nova; foi completamente abolida.
Uma vez que Jesus quebrou todas as barreiras que separavam a
humanidade da divindade, ao chamar seus discípulos de filhinhos, não há mais
razão de se pensar na antiga lei. Tudo é novo. Outra grande novidade que surge
é a horizontalidade das relações: o novo mandamento nem sequer menciona o nome
de Deus. Pede apenas amor ao próximo, segundo uma medida: a medida de Jesus: “Como
eu vos amei, assim também deveis amar-vos uns outros”. Jesus não pede nem mesmo
amor a si. Apenas coloca seu amor como parâmetro. Cumprir o novo mandamento é
amar ao próximo segundo a sua própria medida de amor. No amor ao próximo, consequentemente, estará o amor ao Criador.
‘Nisto todos conhecerão que
sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (v. 35). Com essa última
afirmação, Jesus exclui a necessidade de qualquer outro distintivo para que
alguém seja reconhecido como seu seguidor. Brasões, crucifixos, roupas com
imagens estampadas e terços, assim como comida e bebida, não tem importância
alguma. Nenhum destes sinais é capaz de caracterizar alguém como cristão. Só o
amor, e o amor como o dele mesmo, é suficiente para alguém ser reconhecido como
discípulo de Jesus.
A única característica da Sua comunidade é um amor semelhante ao
Seu!
Francisco Cornelio Freire Rodrigues
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