domingo, junho 12, 2016

REFLEXÃO PARA O XI DOMINGO COMUM - LUCAS 7,37 - 8,3

O texto evangélico proposto pela liturgia para o XI Domingo do Tempo Comum compreende uma das cenas mais belas de todo o Evangelho de Lucas: uma mulher de má fama invade a casa onde Jesus está participando de um banquete e rouba a cena. É desse encontro inesperado que se revela uma das principais novidades, senão a maior, de todo o programa de Jesus: Ele acolhe pecadores e perdoa os pecados (v. 48). Além dessa, o texto nos traz outra novidade: a presença de mulheres no discipulado de Jesus (8,1-3), algo escandaloso para a sua época.
O fato de que um fariseu convidou Jesus para uma refeição em sua casa (7,36) é algo que já nos traz alguns questionamentos, pelo menos, a respeito das motivações para tal convite. É certo que a fama de Jesus estava se espalhando cada vez mais, em virtude dos sinais realizados, principalmente os últimos: a cura do servo do centurião (7,1-10) e a reanimação do filho da viúva de Naim (7,11-17). Nesse último, o fato teve uma repercussão ainda maior, pois Jesus foi reconhecido como um grande profeta (7,16). 
É impossível que esses acontecimentos não tivessem causado curiosidade entre os fariseus. E, uma forma de estarem eles bem à vontade com Jesus para fazer-lhe perguntas, conhecer a sua maneira de interpretar a Lei, seria exatamente em um banquete, oportunidade em que estariam em clima descontraído e, portanto, poderiam fazer as mais variadas perguntas. Seria um momento para a classe farisaica tirar algumas conclusões daquilo que já escutavam sobre Jesus, inclusive sua má fama de comilão e beberrão, amigo de pecadores e publicanos (cf. 7,34-35).
Se eram essas as intenções do anfitrião e dos demais convidados, as mesmas foram contempladas, uma vez que, do nada, entrou uma mulher pecadora na sala onde faziam a festiva refeição (7,37). Era uma pecadora pública, cuja fama  era conhecida em toda a cidade. Daí, o fato de a tradição ter intitulada-lhe de prostituta, o que pode ser confirmado pelos seus gestos obscenos para a época: soltar os cabelos (7,38). De fato, o cabelo de uma mulher, no mundo bíblico, era considerado parte íntima, e portanto, tinha um valor erótico, por isso, devia estar sempre coberto.
Somente homens poderiam participar de um banquete como esse. A refeição era realizada na sala, onde ficavam somente o anfitrião com os convidados. A sala ficava aberta para rua, para que aqueles que passassem pudessem perceber que estava havendo festa e, assim, fazer algum juízo sobre a qualidade do banquete. As mulheres e as crianças permaneciam na cozinha ou em outros aposentos da casa; não poderiam participar, nem mesmo olhar para a sala. 
Foi, certamente, em momento de distração que a mulher pecadora entrou. Ela soube que Jesus estava à mesa na casa do fariseu (7,37) e para lá se dirigiu consciente de todos os perigos: ela poderia ser identificada logo na chegada e, até apedrejada. Portanto, sua decisão de ir até lá foi corajosa; ela queria encontrar-se com Jesus a qualquer custo, pois também ela tinha notícia da fama de Jesus, sabia que Ele acolhe pecadores (cf. 7,34-35).
Ao contemplar Jesus, a sua comoção é geral, não contendo-se, derrama muitas lágrimas, banhando, com as mesmas, os pés de Jesus e enxugando-os com os cabelos (7,38). Enquanto ela demonstrava sinceridade, arrependimento e alegria por, finalmente, ter encontrado um homem que não lhe tinha olhado com segundas intenções. Antes de seu encontro com Jesus, ela só tinha recebido dois tipos de tratamento: uns se aproximavam para possui-la e outros para julgá-la. Por isso, suas lágrimas são de alegria, não de remorso; alegria por ter recebido atenção de um homem que não a condenava nem a desejava, e isso foi decisivo para o seu arrependimento e mudança.
A cena é comovente e forte, a ponto de muitos biblistas considerarem um dos trechos mais belos e profundos de todo o Evangelho de Lucas. Para alguns, é a obra prima de todo o conjunto do terceiro Evangelho. 
O comportamento de Jesus diante dela levou o fariseu a tirar também uma conclusão, míope e mesquinha, é claro, como é típico de quem vive à sombra da lei: Se esse homem  fosse um profeta, saberia que tipo de mulher está tocando nele, pois é uma pecadora (7,39). Nem foi necessário que o anfitrião expressasse esse pensamento em alta voz, mas só no pensamento, e Jesus conhece o pensamento de cada um. O fariseu conclui que não passa de farsa a fama de Jesus como profeta. Isso porque ele também não sabia o que é ser profeta, pois os seus olhos voltados rigidamente para a Lei não permitiam.
Conhecendo seu pensamento, Jesus conta uma pequena parábola, e nessa, coloca em cena o próprio fariseu. Ao perceber que a parábola lhe fora dirigida, diante da pergunta de Jesus, sobre quem amará mais ao credor: aquele a quem pouco foi perdoado ou aquele a quem muito foi perdoado, a sua resposta é fria, própria de quem não absorveu o ensinamento de Jesus: Acho que é aquele ao qual perdoou mais (7,43).
A partir da resposta recebida, Jesus advoga em favor da mulher, mais uma vez, e elenca alguns aspectos dos quais sentiu falta ao ser acolhido na casa do fariseu. Esse faltou com elementos básicos de cordialidade no mundo judaico, enquanto a pecadora esbanjou amor, acolhida e arrependimento com seus gestos aos pés de Jesus.
Aos olhos do fariseu anfitrião, Simão, e demais convidados, as aberrações de Jesus continuam quando Ele diz à mulher: Os teus pecados estão perdoados (7,48). Ora, como pode, aquele que nem profeta é, perdoar pecados, se essa é prerrogativa de Deus, apenas? Com isso, Lucas, artisticamente, apresenta mais um paradoxo desconcertante: para quem dizia que Jesus nem profeta era, Ele mostra que é Deus, tendo autoridade para perdoar pecados e justificar. Certamente, tinha acabado o clima para o banquete continuar.
Para concluir, não podemos esquecer os três últimos versículos do trecho, já no capítulo seguinte (8,1-3): a presença de mulheres no discipulado de Jesus, andando com Ele e os doze, são a prova concreta de sua acolhida e abertura universal. Certamente, a pecadora do banquete tornou-se discípula também! E, com isso, mais uma vez, Ele tem sua reputação posta em questão pelos fiéis observadores da Lei, mas, ao mesmo tempo revela o rosto misericordioso do Pai, por tantos anos encoberto pelas cortinas da lei, do rigor e do fundamentalismo de outrora e de hoje. 


Pe. Francisco Cornelio Freire Rodrigues

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