domingo, julho 24, 2016

REFLEXÃO PARA O XVII DOMINGO DO TEMPO COMUM - LUCAS 11,1-13 (ANO C)



Após a acolhida de Jesus na casa das irmãs Marta e Maria, o evangelista Lucas nos apresenta uma verdadeira catequese sobre a oração, ainda no contexto do longo caminho para Jerusalém. O texto evangélico que a liturgia deste XVII Domingo do Tempo Comum nos oferece é exatamente essa catequese: Lc 11,1-13.

Convém mencionar que, além de Lucas, também Mateus apresenta a oração ensinada por Jesus aos seus discípulos, transmitida pela Igreja com o título de "Pai Nosso". Há uma pequena diferença entre as duas versões, como são diferentes também os contextos em que cada um a apresenta. Porém, a essência é a mesma em ambas as versões. A de Lucas é um pouco mais breve, por isso, considerada pela maioria dos estudiosos, a que corresponde melhor às palavras de Jesus.

Inciamos a nossa reflexão com uma constatação simples, mas muito significativa: Lucas faz referência a Jesus rezando/orando sete vezes do batismo à paixão, o que corresponde exatamente à totalidade do seu ministério (cf. 3,21; 5,16; 6,12; 9,18; 9,28-29; 11,1; 22,41). Obviamente, o evangelista quer mostrar que a oração foi o grande alimento de Jesus em sua vida pública. Foi pela força da oração que ele levou a cumprimento o projeto do Pai em sua vida.

Outro dado, não menos importante, é o fato de ser Lucas aquele que mais apresenta Jesus em relação de acolhida e atenção para com os pobres, as mulheres e os pecadores. É, por excelência, o Evangelho da misericórdia. Certamente, a explicação para tudo isso está no fato de Jesus rezar constantemente, e claro, a oração era determinante para o seu agir, como deve ser para cada cristão e cristã. Podemos dizer, então, que Lucas apresenta com o exemplo de Jesus, a oração conjugada às suas implicações concretas.

É comum, em Lucas, afirmar que "Jesus estava rezando num certo lugar" (v. 1a). Independente das circunstâncias, Jesus reservava sempre uma parte do seu tempo para a oração, seu colóquio com o Pai. Sabemos que o contexto em questão é o da viagem para Jerusalém. É muito interessante que "Quando terminou, um de seus discípulos pediu-lhe: Senhor, ensina-nos a rezar, como também João ensinou a seus discípulos" (v. 1b). Certamente, era bonito seu jeito de rezar. Pelas entrelinhas do texto, podemos afirmar que os discípulos estavam olhando-o, admirados. Tanto que não ousaram interrompê-lo, mas esperaram que terminasse. Impressionados, tiveram vontade de fazer o mesmo. Talvez, e muito provavelmente, estavam angustiados porque conviviam com Ele há tanto tempo e ainda não tinham aprendido muita coisa, nem mesmo a rezar como Ele. E, vale lembrar que o objetivo do discípulo é tornar-se parecido com o mestre, portanto, agir como ele.

Todo mestre ou rabino tinha um jeito próprio de conduzir o seu grupo, com seus ensinamentos e fórmulas, inclusive, de oração. Parece que Jesus tinha deixado seu grupo muito à vontade, nesse sentido. Seus discípulos poderiam sentir-se até inseguros por isso. Por isso, usam o exemplo de João Batista, o que mais se identificava com o movimento de Jesus, dos tantos existentes na época. A particularidade do jeito de Jesus exercer sua liderança era, exatamente, pelo exemplo. Por isso, não tinha preocupação de ensinar fórmulas para serem repetidas, como tinha outros mestres no seu tempo.

Do seu jeito pessoal de rezar, nasce a curiosidade e, da curiosidade, a necessidade nos seus discípulos. Por isso, pediram. Ao pedido dos discípulos, Jesus responde. Mas, não dá uma fórmula, como davam os outros rabinos. Pelo contrário, dá-lhes uma 'anti-fórmula', pois as primeiras palavras da verdadeira oração sugerem exatamente uma quebra de protocolos e paradigma. Aquelas expressões típicas das cerimônias e rituais litúrgicos de exaltação do nome de Deus, tipo "Altíssimo, Todo-Poderoso, Onipotente, Senhor, Santo", ensinadas pelos seus contemporâneos, são abolidas por Jesus. Seu jeito de rezar causa impacto porque ele ensina na oração a chamar a Deus de "Pai". Para nós, hoje, parece não ser algo impactante. Mas, para a sua época foi, de fato, algo revolucionário. 

Com o imperativo "Quando rezardes, dizei: Pai, santificado seja o teu nome" (v. 2a), Jesus quer dizer, antes de tudo, que o primeiro elemento necessário para uma oração autêntica é ter clareza do destinatário da oração. É claro que é a Deus que deve ser direcionada toda oração. E, esse Deus é, antes de tudo, Pai! Logo, Jesus não inaugura uma nova fórmula de oração, mas propõe um novo jeito de se relacionar com Deus. Dessa maneira nova de se relacionar com Deus, emerge a certeza de que Ele está próximo de nós, como se fosse um amigo e, portanto, pode ser invocado a qualquer hora e momento. Desse ponto, já adiantamos o sentido da pequena parábola do amigo inoportuno, contada por Jesus como explicação e complemento da oração (vv. 5-8). Além de Pai, esse Deus próximo é também amigo.

A "santificação do nome de Deus" (v. 2b) e o "advento de seu Reino" (v. 2c) estão intrinsecamente relacionados, a ponto de confundirem-se. Ora, o nome de Deus já é santificado, porque Ele é, essencialmente, santo. O pedido diz respeito ao reconhecimento dessa santidade. Reconhecer a santidade de Deus é saber que Ele é Pai, aceitar a condição de filhos e filhas e, portanto, é viver como irmãos e irmãs. Isso é permitir que o seu Reino seja instaurado entre nós. O Reino que já fora inaugurado por Jesus (cf. Lc 4,16-22), precisa ser difundido pelos discípulos até chegar a todos os lugares épocas. A construção do Reino é, pois, a constatação se o nome de Deus está sendo santificado ou não, ou seja, se Ele está sendo reconhecido como realmente é: Pai.

Na sequência da oração, Jesus vai recomendando o que é necessário pedir, ou seja, quais são as reais necessidades do ser humano. O pedido pelo "pão necessário para cada dia" (v. 3), além de expressar uma necessidade concreta, a alimentação, exprime, sobretudo, a condição existencial do ser humano: ele não pode ser auto-suficiente por um dia, sequer. Um elemento indispensável para que uma comunidade viva efetivamente segundo as características do Reino, é a confiança e a solidariedade. Obviamente, Jesus alude ao antigo maná (cf. Ex 16) com essa petição. Há, aqui, um verdadeiro combate à cultura do acúmulo, tema que será desenvolvido na sequência da viagem, principalmente com as parábolas do rico insensato (cf. 12,13-21) e do rico e o pobre Lázaro (cf. 16,19-31).

A menção ao perdão não poderia faltar na oração que deveria caracterizar a comunidade cristã. Por isso, Jesus recomenda que este pedido não pode faltar na oração autêntica: "Perdoa-nos os nossos pecados, pois nós perdoamos também a todos os nossos devedores" (v. 4ab). O pedido de perdão a Deus era comum nas orações dos diversos movimentos religiosos daquela época e de todos os tempos. Realmente, é somente Deus quem pode perdoar pecados. Assim como o pedido do pão cotidiano, também esse visa conscientizar o ser humano de sua necessidade diante de Deus. A grande novidade apresentada por Jesus é a condição para buscar o perdão de Deus: "nós também perdoamos aos nossos devedores". Com isso, Ele ensina que o perdão de Deus deve ser mediado pelo perdão fraterno. A abertura total a Deus deve traduzir-se em uma relação nova com o próximo, tema tão caro a Lucas. Isso implica que, mais que ser perdoado, é necessário viver reconciliado. Por isso, o perdão deve ser mútuo.

A última das petições da oração verdadeira é "não nos deixes cair em tentação" (v. 4c). A palavra tentação, em grego peirasmo,j (peirasmós), quando aplicada em relação aos discípulos, significa "desistir", "abandonar". Assim, a comunidade é convidada a pedir ao Pai o dom da perseverança. Em outras palavras, é um pedido de coragem para levar adiante um projeto tão audacioso como o de Jesus. É necessário resistência para lutar pelo Reino, contentar-se apenas com o necessário para cada dia e perdoar aos devedores. Por isso, deve-se pedir constantemente para não abandonar essa proposta de vida tão revolucionária. Isso significa ainda que a nossa continuação no seguimento de Jesus não depende apenas da nossa força ou vontade, mas da graça de Deus.

Na mentalidade hebraica, o filho é aquele que é parecido com o pai. Portanto, chamar a Deus de Pai era bastante comprometedor, pois exigia muitas implicações concretas. Era muito mais cômodo chamá-lo de Altíssimo, Onipotente, Santíssimo, pois estas expressões evocam a alguém distante e inacessível, aquele não está presente no cotidiano da comunidade para relacionar-se com ela. O Deus de Jesus, que é Pai, está presente. Os discípulos deveriam, assim como Jesus, viver como filhos. Diante das exigências, a tendência à desistência era muito comum. Por isso, Jesus pede que eles peçam, constantemente, a graça de não abandonarem o seu projeto.

Como explicação para o conteúdo da oração ensinada, Jesus conta duas pequenas parábolas: a do amigo inoportuno (vv. 5-8) e a do pai (v. 11). Ambas tem a função didática de explicitar a proximidade do Deus-Pai e a necessidade da perseverança da comunidade na oração. Esse Deus é muito mais disponível que um amigo, e muito melhor que um pai terrestre. Desse modo, Ele ressalta que a qualquer momento se pode invocar esse Deus-Pai e, pedindo o que é justo, jamais Ele deixará de atender. 

Mas, qual o critério para fazer o pedido justo? É exatamente pedindo, antes de tudo, o elemento imprescindível da oração, e este só pode ser dado pelo Pai: O Espírito Santo! (v.13). A comunidade que se deixa guiar pelo Espírito Santo, saberá discernir para pedir ao Pai o que é, de fato, essencial. E, pedindo o essencial, é claro que o Pai concederá. 



Pe. Francisco Cornelio Freire Rodrigues

3 comentários:

  1. Obrigada pela reflexão esclarecedora do Evangelho! Que o Pai te abençoe e te dê a graça da perseverança na missão de levar a boa nova de Jesus aos leigos!

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  2. Obrigada pela reflexão esclarecedora do Evangelho! Que o Pai te abençoe e te dê a graça da perseverança na missão de levar a boa nova de Jesus aos leigos!

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  3. Obrigada pela reflexão esclarecedora do Evangelho! Que o Pai te abençoe e te dê a graça da perseverança na missão de levar a boa nova de Jesus aos leigos!

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