(AINDA EM CONSTRUÇÃO)
No Terceiro, Quarto e Quinto Domingo da Quaresma, deixamos de lado
o Evangelho segundo Mateus para nos dedicarmos ao Quarto Evangelho, ou seja,
João. Neste Terceiro, o texto proposto é Jo 4,5-42, o célebre episódio do
encontro de Jesus com a mulher Samaritana, uma verdadeira obra prima de João.
Antes de tudo, se trata de um texto catequético, usado desde os primórdios da
Igreja na preparação para o batismo dos catecúmenos. Porém, reduzi-lo a essa
função é menosprezar a ampla riqueza que o texto possui.
Esse é um episódio exclusivo do Evangelho de João e faz parte de
uma série de acontecimentos importantes da vida de Jesus, desde as bodas de
Caná (Jo 2,1-12), incluindo o desmascaramento do templo (Jo 2,13-22). Além, de
complexo teologicamente, esse é um texto bastante longo, o que nos
impossibilita de analisa-lo versículo por versículo; diante disso, procuramos
apresentar apenas seus aspectos principais.
Como sempre, é imprescindível conhecermos o contexto do tempo para
que possamos compreendê-lo de modo mais profundo; para isso, é necessário
recordar os primeiros versículos deste capítulo 4 de João: Jesus encontrava-se
na Judéia e, como sua fama já tinha se espalhado, aquele território tornava-se
perigoso para Ele (vv. 1-2), ainda mais depois da confusão por Ele criada ao
desmascarar os detentores do poder religioso no templo (cf. Jo 2,13-22). Diante
de tudo isso, Ele deveria retornar para a Galileia, sua terra (v. 3). Eis que
no seu itinerário estava a Samaria, região central entre a Judeia e a Galileia,
por onde deveria passar (v. 4).
Embora fosse uma necessidade frequente, atravessar a Samaria era
sempre motivo de tensão, tendo em vista a hostilidade histórica que reinava
entre os praticantes do verdadeiro judaísmo e os habitantes daquela região. A
rivalidade entre judeus e samaritanos tem sua origem no cisma que dividiu o
único Reino de Israel em dois. Para competir com o culto do templo de
Jerusalém, Jeroboão I, rei do Norte, cuja capital era Samaria, construiu
diversos santuários em seu reino, proibindo que sua população fosse até
Jerusalém para participar das liturgias no grande templo. O culto praticado
nestes santuários era, obviamente, considerado ilegítimo pelos judeus.
A ilegitimidade do culto no reino do Norte se acentua ainda mais
após a invasão assíria em 722 a.C.. Além de deportar a população local, a
Assíria trouxe as populações de suas outras colônias para repovoar a Samaria e
todo o reino do Norte, constituindo um povo mestiço e plural. As populações
estrangeiras levaram seus costumes e tradições para a Samaria, juntamente com
suas diversas práticas cultuais (2
Rs 17,24-28). Isso tudo levou o povo da Judéia a considerar os
habitantes do Norte como impuros e heréticos e, portanto, desprezíveis. Assim,
na mentalidade judaica o povo puro, eleito, raça santa, estava no Sul, ou seja,
na Judeia, e o povo herege e impuro estava no Norte.
Aos poucos, o povo da Galileia, extremo Norte, recuperou sua
condição de raça eleita, embora de segunda categoria, já que a pureza genuína
estava com os habitantes da Judeia, e o rótulo de impuro ficou exclusividade
dos habitantes da região central, a Samaria. É claro que foi a religião judaica
que criou e alimentou todas essas diferenças. É a partir desse contexto que
devemos ler o episódio de hoje.
O propósito de João ao narrar esse episódio é muito claro:
apresentar Jesus como aquele que elimina as barreiras e quebra os preconceitos
de raça e religião. Disso, evidenciamos que a “mulher samaritana” é uma
personalidade corporativa, ou seja, não se trata de uma síngula pessoa, mas de
uma comunidade por ela representada; é na verdade, o povo samaritano que é
chamado por Jesus a reintegrar a comunidade dos eleitos, uma vez que, de agora
em diante, não há mais distinção nem rótulos, mas todos e todas fazem parte de
um único povo, uma única família. Para fazer parte dessa família, a humanidade
renovada, basta adora em Espírito e Verdade (v. 24).
Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues
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