O Evangelho deste décimo quarto
domingo do tempo comum (Mateus 11,25-30) nos apresenta a resposta de Jesus à
insensibilidade dos seus conterrâneos galileus aos seus ensinamentos, após
proferir o discurso missionário. É um texto pequeno, porém muito profundo e
significativo para a comunidade cristã de todos os tempos. Nele, Jesus faz
importantes revelações. Mais que qualquer outro, esse texto não pode ser compreendido
sem antes observarmos o seu contexto. E é partindo desse que iniciamos a nossa
reflexão.
Os discursos de Jesus sempre
foram seguidos de muito trabalho e ação em prol da implantação do Reino dos
céus na terra. Assim como aconteceu após o discurso da montanha (cf. 8,1ss),
também ao concluir o discurso missionário, Jesus mesmo saiu em missão,
conjugando discurso e práxis, como nos relata o evangelista Mateus: “Quando
Jesus terminou de dar instruções aos seus doze discípulos, partiu dali para
ensinar e pregar nas cidades deles” (cf. Mt 11,1). Essas instruções foram
dadas no décimo capítulo, em forma de discurso. Eram recomendações práticas
sobre o conteúdo e o modo de proceder no anúncio.
Jesus não se contentou em enviar
os discípulos, mas Ele mesmo, como enviado do Pai, foi o primeiro a sair
levando a mensagem libertadora do Reino. Porém, as respostas dos seus
destinatários não foram positivas. Pelo contrário, houve rejeição e
hostilidade, a começar pelo próprio João Batista que, já prisioneiro, desconfiou
da autenticidade do ministério de Jesus, a ponto de enviar seus discípulos para
tirar algumas dúvidas, afinal, o comportamento de Jesus não correspondia às
suas expectativas (cf. Mt 11,2-19). Ora, João tinha anunciado um messias juiz e
vingador, alguém que vinha ao mundo para premiar os bons e condenar os
pecadores (cf. Mt 3,7-12), enquanto Jesus se misturava com os pecadores,
bebendo e comendo com eles (cf. Mt 11,18).
Além das dúvidas de João, o
evangelista registra o desgosto de Jesus com as cidades que Ele escolheu como
destinatárias do seu anúncio: “Então começou a recriminar as cidades onde
tinha realizado a maioria dos seus milagres, porque elas não tinham se
convertido” (cf. Mt 11,20-24). Essas cidades eram Corazim, Betsaida e
Cafarnaum, escolhidas a dedo para o anúncio da chegada do Reino dos céus! Com a
sua reputação posta em dúvidas pelo seu próprio mentor, o Batista, e a rejeição
de seus compatriotas galileus, Jesus tinha tudo para decretar a falência do seu
projeto. É esse o contexto do Evangelho de hoje.
Feita a devida contextualização,
voltamos nossa atenção para o texto de hoje, que apresenta a resposta de Jesus
a tudo isso: “Naquele tempo, Jesus respondendo, disse: Eu te louvo, ó Pai,
Senhor do céu e da terra” (v. 25a). Antes de prosseguirmos na reflexão,
fazemos duas observações importantes: a expressão “Naquele tempo”, dessa
vez, faz parte mesmo do texto bíblico, e tem uma importância relevante. Como a
liturgia praticamente banalizou essa expressão, colocando-a sempre como
introdução ao Evangelho, corremos o risco de não perceber seu real significado
no texto de hoje. Ora, ao precisar temporalmente o episódio, “Naquele tempo” (em
grego VEn evkei,nw| tw/| kairw/| - En
ekeíno tô kairô), o evangelista praticamente obriga seu leitor a lê-lo dentro
do seu contexto. Isso quer dizer que se trata de uma continuidade entre o que o
diz o texto de hoje e o que lhe antecede. A outra observação diz respeito a uma
omissão grave no texto litúrgico: a omissão da expressão verbal “respondendo”
(em grego avpokriqei.j –
apocrithéis), presente no texto original e, por sinal, muito significativa,
porque nos dá a certeza de que as palavras de Jesus no texto de hoje são uma resposta
precisa a uma situação concreta de rejeição à sua mensagem.
E
qual foi a resposta de Jesus? Uma oração de louvor e ação de graças ao Pai: “Eu
te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondestes estas coisas aos
sábios e entendidos e as revelastes aos pequeninos” (v. 25)! Ao invés de
sentir-se falido em seu projeto, surpreendentemente, Jesus sente-se realizado
porque, de fato, os propósitos de Deus, o Pai, estão começando a
concretizar-se: o mundo novo só pode ser construído a partir da adesão dos
pequenos!
O
Reino dos céus, que é ameaça para os grandes, os detentores de poder político e
religioso, só tem sentido e só é possível se o programa de vida de Jesus for
abraçado. Esse programa consiste na vivência das bem-aventuranças” (cf. Mt
5,1-12). Os pequeninos que estão conhecendo “estas coisas” são: os pobres, os
mansos, os aflitos, os famintos e sedentos de justiça, os misericordiosos, os
puros de coração, os promotores da paz e os perseguidos, ou seja, os
bem-aventurados.
Quanto
aos “sábios e entendidos”, os valores do Reino permanecem ocultos devido à soberba,
orgulho, avareza, legalismo e uso da força e da violência da parte deles. Esses
são os dirigentes, a elite política e religiosa, principalmente. São aqueles
que não tem coragem de tornar-se pequenos e, por isso, não entrarão no Reino
dos céus (cf. Mt 18,3). Quem assume o poder como meio de dominação, seja
econômica ou ideológica, tende a rejeitar um projeto de sociedade igualitária,
como é o Reino dos céus.
Não
resta dúvida de que a crítica de Jesus aqui se aplica mais ao campo religioso:
os “sábios e entendidos” que não conhecem “as coisas do Pai” são os
representantes oficiais da doutrina e da lei, aqueles que passam a vida impondo
normas e vigiando quem está cumprindo ou não. Esses, como representantes de um
Deus juiz, severo e vingativo, não estão aptos a aceitar os propósitos de um
Deus-Pai, o Deus de Jesus, que não impõe nenhuma lei, senão aquela do amor.
Diante
disso, Jesus não se desespera, pois compreende que “assim foi do agrado do
Pai” (v. 26), ou seja, nos desígnios do Pai já estava a previsão de rechaço
à sua vontade, ao seu projeto. De fato, a serenidade com que Jesus lia os
acontecimentos da vida só se explica pela sua íntima comunhão com o Pai. Ora, é
do agrado do Pai que ninguém pode ter acesso ao Reino dos céus pela observância
das prescrições da lei. Ninguém pode conhecer o Pai e seus desígnios a partir
de códigos e doutrinas, mas somente amando e sentindo-se amado, fazendo-se
pequeno para sentir a grandeza do amor do Pai.
Jesus
fala do seu Deus-Pai com propriedade porque é o Filho. Por isso, Ele pode
dizer: “Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o
Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser
revelar” (v. 27). Essa declaração reforça sua intimidade com o Pai e ao
mesmo tempo denuncia a ilegitimidade da religião vivida pelos considerados
grandes da sua época, os fariseus, mestres da lei e sacerdotes. Aquela religião
era falsa porque anunciava sem conhecer, pois, se baseava em códigos legais e
doutrinais e, assim, ao invés de revelar, escondia o rosto do verdadeiro Deus.
Consciente
de que aquela religião só distanciava as pessoas do amor do Pai, e querendo que
esse amor se tornasse conhecido e experimentado por todos, principalmente os
explorados e marginalizados, Jesus faz um belo e ousado convite: “Vinde a
mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e
eu vos darei descanso” (v. 28). A ousadia de Jesus aqui consiste em
convidar à ruptura com todos os sistemas de negação da vida plena e da
liberdade. E era exatamente a religião quem mais deixava o povo cansado e
fatigado, impondo fardos que nem mesmo os chefes religiosos conseguiam carregar
(cf. Mt 23,4).
Além
da opressão do império romano, o povo ainda era submetido à coerção de uma
religião vazia e hipócrita. Daí o convite de Jesus para a verdadeira
libertação: “Vinde a mim... e eu vos darei descanso”. É claro que o
descanso que Jesus promete não é uma vida cômoda e fácil, mas sim uma vida
livre das prescrições da lei e do peso da doutrina. Em outras palavras, esse
descanso é a liberdade e a capacidade de amar e sentir-se amado, é sinal de
realização do Reino dos céus, pois evoca a perfeição e a completude de uma obra
boa, como a criação (cf. Gn 2,2).
O
convite é ampliado: “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque
sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso” (v. 29). Tomar
o jugo de Jesus é trocar a observância da lei pela prática das
bem-aventuranças. É preciso aprender de Jesus porque somente Ele, como Filho,
pode revelar plenamente o rosto amoroso do Pai, e somente fazendo uma
experiência profunda de amor-comunhão, é possível libertar-se do jugo imposto
pelos guardiões da lei e da doutrina.
Se as
bem-aventuranças em si resumem o perfil de Jesus, as duas que Ele cita aqui
constituem a síntese máxima da sua personalidade: manso e humilde de
coração! É importante ressaltar que a mansidão vivida por Jesus não pode
ser confundida com resignação, nem comodismo. Pelo contrário, essa consiste na
coragem de lutar pelo Reino mesmo na adversidade, sem, no entanto, recorrer aos
mecanismos do opressor, como a violência e o ódio. Obviamente, ninguém consegue
fazer isso se não aprender com Jesus.
Ao
contrário do peso das prescrições legais impostas pela religião do seu tempo,
Jesus dá uma garantia aos seus seguidores: “O meu jugo é suave e o meu fardo
é leve” (v. 30). É claro que Jesus não está prometendo facilidades na vida
para aqueles que abraçarem o seu projeto. O seu fardo consiste exatamente na
vivência das bem-aventuranças, o que implica muitas dificuldades e desafios. Inclusive,
o principal critério para reconhecer se alguém está vivendo as bem-aventuranças
é exatamente a perseguição (cf. Mt 5,11-12).
Portanto,
o jugo e o fardo de Jesus são suave e leve porque não consistem em regras a
cumprir, mas em um amor a ser experimentado. Esse amor só pode ser acolhido por
quem abrir mãos de todos os fardos impostos pela religião e por qualquer
sistema de dominação. Por isso, o Reino dos céus é uma proposta de mundo novo,
de uma sociedade alternativa fundada em relações de igualdade, justiça,
solidariedade... enfim, é uma sociedade guiada por uma única lei: o amor!
Pe.
Francisco Cornelio F. Rodrigues