Neste décimo segundo domingo do
tempo comum, continuamos a leitura do discurso missionário de Jesus no
Evangelho segundo Mateus, iniciada no domingo passado. Naquela ocasião, tivemos
a oportunidade de ler a parte inicial desse discurso (vv. 1-8), compreendendo a
convocação dos doze discípulos e o envio deles como apóstolos, após receberem
autoridade para fazer o mesmo que Jesus fazia, e ainda as primeiras instruções para
a missão. O texto lido hoje – Mt 10,26-33 – já se aproxima do final. O discurso
missionário é o segundo dos cinco discursos de Jesus no Evangelho segundo
Mateus, e ocupa todo o décimo capítulo. Ora, de todos os evangelistas, Mateus é
aquele que mais priorizou a dimensão do ensino e a função de mestre na vida de
Jesus, distribuindo os principais aspectos do seu ensinamento (em grego: διδασκαλία –
didascalía) em cinco grandes discursos que delineiam a estrutura de todo o
evangelho, a saber: o discurso da
montanha (Mt 5–7); o discurso missionário (Mt 10); o discurso em parábolas (Mt
13); o discurso comunitário (Mt 18) e o discurso escatológico (Mt 24–25).
Como indica o próprio título, o segundo discurso trata da missão,
e foi motivado pelo inconformismo de Jesus diante da situação das multidões que
estavam cansadas e abatidas como ovelhas sem pastor, ou seja, abandonadas e
exploradas pelos chefes dos poderes político, econômico e religioso da época.
Vendo isso, Jesus teve compaixão, ou seja, sentiu contorcerem-se as suas
entranhas (Mt 9,36) e, inconformado, tomou uma atitude: chamou os seus
discípulos e os enviou em missão, autorizando-os a fazer o mesmo que ele fazia:
restituir vida, dignidade e esperança, anunciando o Reino e denunciando tudo o
que impedia o ser humano de viver com dignidade. Isso indica que a missão
cristã é uma verdadeira intervenção no mundo; implica em ações transformadoras
em prol do bem do ser humano. Os discípulos-apóstolos de Jesus não são
portadores de uma doutrina estática ou de um código moral, mas de uma mensagem
transformadora e comprometedora. Assim como Jesus, também eles não podem
assistir passivamente às injustiças e sofrimentos do povo.
Anunciar que o “Reino dos Céus está próximo” exige a luta para que
tudo o que se opõe a ele seja abolido. Por Reino dos Céus, entende-se um mundo
solidário, justo e fraterno, sem violência e nem ódio. Quem luta por isso,
inevitavelmente, será vítima de perseguições hostilidades, como previu o
próprio Jesus (Mt 10,16-25). Após alertar os discípulos sobre a quase certeza
da perseguição, Jesus os encoraja para não desanimarem. E é isso o que compreende
o texto lido hoje: o convite à coragem e à confiança no Pai e no próprio Jesus.
Como última observação a nível de contexto, convém recordar que toda essa
lógica e estrutura do texto correspondem mais à época da redação do evangelho e
à situação da comunidade do evangelista, que já sofria perseguições, tanto do
judaísmo oficial quanto da administração imperial romana, do que mesmo à época
de Jesus. O evangelista recolheu os principais ensinamentos de Jesus e os
distribuiu conforme suas intenções teológicas, habilidades literárias e a necessidades
da sua comunidade, transmitindo-os como válidos para todos os tempos.
Tendo previsto a perseguição como inevitável na vida dos seus
discípulos missionários, Jesus procura encorajá-los. Por isso, o imperativo
negativo “Não tenhais medo” aparece três vezes no evangelho de hoje,
funcionando como uma espécie de refrão; essa expressão é muito significativa em
toda a Bíblia; nos dois testamentos, ela aparece com frequência nos contextos
de vocação e missão. Vejamos o texto: “Não tenhais medo dos homens,
pois nada há de encoberto que não seja revelado, e nada há de escondido que não
seja conhecido. (v. 26) O que vos digo na escuridão, dizei-o à
luz do dia; o que escutais ao pé do ouvido, proclamai-o sobre os telhados!” (v.
27). A primeira motivação à coragem diz respeito ao anúncio. Como a mensagem de
Jesus é transformadora e comprometedora, não pode ser anunciada por quem tem
medo, pois é certo que trará consequências. Ao invés do medo que paralisa e acomoda,
os discípulos devem proclamar o que Deus revela por meio de Jesus. Inclusive
com os mesmos sentimentos de inconformismo e compaixão, como Jesus, diante do
sofrimento e abandono das multidões.
O que havia de encoberto até
então, e que não poderia mais permanecer, era o que Jesus já tinha ensinado somente
aos discípulos. Não se trata de planos secretos e mistérios, mas da mensagem de
Jesus, até então pouco conhecida. Tinha chegada o momento de tornar público,
fazer espalhar o que os discípulos tinham aprendido do mestre, especialmente o seu
jeito de viver. Por isso, é um anúncio que não tem sentido se não for
acompanhado pelo testemunho. O estilo de vida de Jesus, retratado nas
bem-aventuranças (Mt 5,1-12), já é uma grande denúncia do sistema, e a única maneira
de anunciá-lo com credibilidade é vivendo à sua maneira. A expressão “o que vos
digo na escuridão” e “o que vos digo no pé do ouvido” significam tudo aquilo
que somente os discípulos ouviram e viram Jesus fazer; é o aprendizado que somente
a convivência favorece. Na verdade, tudo de Jesus deve ser anunciado sem medo,
com palavras e testemunho, de modo que se torne conhecido por todo o mundo. Por
isso, o imperativo “proclamai-o sobre os telhados”, que é um convite ao esforço
e à criatividade no anúncio. Na época da redação do evangelho, a comunidade de Mateus
já estava separada do judaísmo oficial; era um grupo marginalizado. Os discípulos
não tinham os púlpitos das sinagogas à disposição, como os rabinos da época tinham,
nem podiam acomodar-se a estruturas estáticas e cômodas, tampouco poderiam recuar
do anúncio por medo. Por isso, deveriam buscar alternativas para o anúncio, com
ousadia e criatividade, transformando até os telhados da casa em púlpitos, se
fosse necessário.
O convite à coragem é recordado
novamente: “Não tenhais medo daqueles que matam o corpo, mas não podem matar
a alma! Pelo contrário, temei aquele que pode destruir a alma e o corpo no
inferno!” (v. 28). Dessa vez, Jesus alerta para a real possibilidade do
martírio na vida dos seus discípulos missionários. Um pouco antes, tinha alertado
que eles sofreriam açoites, seriam entregues nas sinagogas e tribunais (10,17).
Agora, alerta que até a morte é provável, mas apesar disso eles não devem ter
medo, pois a vida em sua totalidade pertence somente a Deus. Aqueles que imaginam
matar, na verdade só podem destruir o corpo; eles não têm poder sobre a alma,
que significa a totalidade do ser da pessoa; é a vida mesma em sua inteireza. Aqui,
essa distinção não corresponde ao dualismo corpo–alma, típico do pensamento
grego. Para a mentalidade hebraica, a alma (em grego: ψυχή – psiquê)
é a totalidade do ser da pessoa, é a própria vida; o corpo não é o seu oposto,
mas um elemento integrante que, ao parecer, não torna menor a vida. Portanto, Jesus
está encorajando os discípulos a não terem medo e, ao mesmo tempo, garantindo
que a vida deles está nas mãos de Deus, o Pai. Os discípulos devem temer a
perda total da vida, o que não é um castigo, mas consequência das próprias
escolhas. O termo grego empregado pelo evangelista e traduzido por inferno (γέεννα – ghéena)
descreve o “lixão” de Jerusalém: o local onde era jogado e queimado todo o lixo
da cidade, incluindo os restos de animais, o qual aumentava consideravelmente
durante as festas religiosas; isso gerava um fogo permanente, com odor
desagradável, e passou a ser usado por muitos pregadores como imagem do
inferno, o destino dos pecadores. Mateus emprega com uma conotação mais amena:
não vê como castigo, mas como sinônimo do que não tem sentido, o que é inútil. E,
para ele, inútil e sem sentido é a vida de quem tem medo de anunciar o Evangelho
e assumir as suas consequências.
O encorajamento passa pela
confiança na providência do Pai, o que vem ilustrado pelo exemplo dos pardais e
dos fios de cabelo, elementos considerados insignificantes: “Não se vendem
dois pardais por algumas moedas? No entanto, nenhum deles cai no chão sem o
consentimento do vosso Pai. (v. 29) Quanto a vós, até os cabelos da
cabeça estão todos contados (v. 30) Não tenhais medo! Vós valeis mais do
que muitos pardais” (v. 31). De fato, só é possível superar o medo com a
confiança no Pai. Os pardais eram os pássaros de menor valor, inclusive considerados
nocivos para as plantações, pois comiam os grãos antes da colheita. Também serviam
de alimentação para os pobres, sendo comercializados como a carne mais barata. Não
obstante essa aparente insignificância, eles fazem parte da criação e estão
também sob os cuidados do Pai, por isso, são também importantes. O cabelo era
considerado o menor e mais inútil elemento do corpo humano e, mesmo assim, contato
pelo Pai. Ora, se até com coisas tão insignificantes Deus tem cuidados, muito
mais tem com a vida dos discípulos e discípulas do seu Filho, os anunciadores
do seu Reino e construtores de um mundo novo.
É preciso, portanto, coragem para
anunciar e testemunhar, declarando-se a favor de Jesus e do seu projeto de vida
e libertação: “Portanto, todo aquele que se declarar a meu favor diante dos
homens, também eu me declararei em favor dele. (v. 32) Aquele, porém,
que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante do meu Pai que está
nos céus” (v. 33). Declarar-se a favor de Jesus significa ser no mundo
sinal da sua própria presença; indignando-se ao contemplar pessoas abandonadas
e sofridas, e buscar soluções transformadoras; é agir com misericórdia diante
do sofrimento das pessoas, denunciando as injustiças e todos os impedimentos ao
florescer do Reino dos Céus. Negá-lo não é deixar de proclamar uma fórmula de fé,
mas deixar de viver seu programa de vida expresso nas bem-aventuranças. Tudo isso,
é claro, gera consequências, o que não deve ser interpretado como prêmio ou
castigo, mas apenas como fruto de escolhas e opções feitas.
Pela intimidade entre Jesus e o
Pai, obviamente, o declarar-se a seu favor é também receber o seu testemunho
diante do Pai. Quem tem intimidade com Jesus se torna íntimo do Pai que lhe enviou.
E essa intimidade se constrói fazendo as mesmas opções de Jesus e vivendo como
ele. Para isso, é preciso, acima de tudo, coragem, pois essas opções trazem, inevitavelmente,
consequências, como a doação da própria vida.
Pe. Francisco Cornélio Freire
Rodrigues – Diocese de Mossoró-RN
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