Com a liturgia deste sexto
domingo do tempo comum, concluímos a leitura do primeiro capítulo do Evangelho
segundo Marcos. Estamos acompanhando ainda os primeiros passos do ministério de
Jesus. O texto evangélico proposto, Mc 1,40-45, apresenta continuidade com o
episódio anterior e, ao mesmo tempo, novidade, de modo que podemos perceber uma
certa evolução na atuação de Jesus, com uma abertura cada vez maior em relação
aos destinatários da sua ação libertadora.
Até então, a atuação de Jesus tinha
se desenvolvido no âmbito do espaço urbano, ou seja, dentro da cidade de
Cafarnaum: pregação na sinagoga (cf. 1,21-28) e cura na casa de Simão (cf.
1,29-34). Isso levou os discípulos à tentação do comodismo, propondo a
centralização e a fixação da atividade de Jesus em um espaço delimitado, devido
o aparente sucesso inicial (cf. 1,28.37). Diante da proposta ridícula dos
discípulos, Jesus propôs o contrário: “Vamos a outros lugares, às aldeias da
redondeza! Devo pregar também ali, pois foi para isso que eu vim” (cf. Mc
1,38). O evangelho de hoje mostra, portanto, a ação de Jesus “em outros lugares”,
comunicando vida e libertando, já que era impossível encontrar-se com um
leproso dentro da cidade, uma vez que a lei determinava o seu isolamento: “Enquanto
durar a sua enfermidade, o leproso ficará impuro e, estando impuro, morará à
parte: sua habitação será fora do acampamento” (Lv 13,46). Podemos, então,
perceber como a ação libertadora de Jesus vai ganhando novas dimensões:
sinagoga – casa – terreiro da casa – outros lugares; assim, o universalismo do
Reino já pode ser sentido.
Dizendo não ao comodismo dos
discípulos, Jesus propõe a coragem para arriscar-se e a disposição para
conviver com as diferenças e viver ao revés das regras de comportamento
convencionais impostas pela religião e adotadas pela sociedade como normas. O
evangelho de hoje deixa isso muito claro, ao narrar o encontro de Jesus com o
leproso.
Olhemos para o texto: “Um
leproso chegou perto de Jesus, e de joelhos pediu: “Se queres, tens o poder de
curar-me” (v. 40). De acordo com esse primeiro versículo, já percebemos um
encontro de duas pessoas rebeldes. Ora, de acordo com a lei, tanto Jesus quanto
o leproso deveriam evitar-se mutuamente, cada um se distanciando o máximo
possível do outro. Nem o leproso deveria se aproximar, nem Jesus deveria
permitir que o leproso chegasse perto. Porém, os dois resolveram transgredir,
praticando ambos um gesto de grande rebeldia.
Ao permitir que o leproso se
aproximasse de si, Jesus conquista a sua confiança. Com muita liberdade, o
leproso faz um pedido em forma de confissão. Na verdade, ele nem sequer pede a
cura, apenas sugere que Jesus pode purificá-lo. Infelizmente, a tradução
litúrgica distorce um pouco o sentido do texto trocando o verbo purificar por
curar. O que o leproso deseja é ser purificado. A melhor tradução seria: “Se
queres, podes me purificar”. Como se vê, não é propriamente um pedido, mas
um reconhecimento da força de Jesus. Assim, o leproso se torna modelo do
verdadeiro crente: aquele que expressa a sua necessidade, sem forçar, sem
querer determinar o agir de Deus, mas respeitando a sua liberdade: “se
queres”. Ser purificado, naquele contexto, significava voltar a ser
reconhecido como gente; era se libertar de todos os estigmas excludentes e
segregadores que a lepra comportava; era ser admitido novamente na convivência
e na vida da comunidade.
Jesus não resiste ao
necessitado que vai ao seu encontro. Por isso, diz o texto que “cheio de
compaixão, estendeu a mão, tocou nele, e disse: “Eu quero: fica purificado!” (v.
42). Jesus quer que o homem seja “purificado”, ou seja, readmitido à
convivência humana, que ele saia da situação de morte em que se encontra. Compaixão
é a resposta de Deus às situações de negação do seu projeto de vida; é um amor
tão profundo, a ponto de fazer “contorcer as vísceras”, quer dizer um
amor que mexe com o mais profundo do ser. Essa resposta nunca é apenas
sentimental, mas é ação. É interessante a descrição da ação: “estendeu a
mão, tocou nele”. O gesto de estender a mão significa o cumprimento de uma
ação salvífica por excelência: é Deus doando sua força em benefício do seu
povo, tirando-o da opressão, de acordo com a linguagem do Antigo Testamento
(cf. Ex 13,16; Is 41,13; Sl 136,12; etc.); é prova do amor e cuidado de Deus
para com a humanidade.
Tocar num leproso era um gesto
extremamente proibido pela lei. Com esse gesto, Jesus transgride com muita
liberdade, ensinando que o bem do ser humano está acima de qualquer preceito e
doutrina. Movido por compaixão, tendo tocado com a mão, Jesus sentiu de fato a
necessidade daquele homem, e expressou em palavras: “Eu quero: fica
purificado”. E como as palavras de Jesus são cheias de vida e de amor, eis
que “no mesmo instante, a lepra desapareceu e ele ficou purificado” (v. 43).
Jesus anuncia palavras de vida e libertação. Dizer que o leproso ficou
purificado é o mesmo que dizer que ele ficou apto para a convivência, foi
reintegrado à comunidade, teve sua dignidade restituída. Livrou-se de um
estigma condenatório. Aqui, mais uma vez, o evangelista usa o verbo “purificar”
(em grego: καταριζω - katarízo); aliás, de acordo com
o original, em nenhum momento vem mencionada a palavra “cura”, nem o verbo “curar”
nesse texto. Isso evidencia ainda mais o interesse do evangelista pela dimensão
social e comunitária da ação de Jesus. O mais importante é despertar na
comunidade do evangelista e na comunidade cristã de todos os tempos a
necessidade de promover ações de restauração, inclusão e promoção da dignidade
humana.
Ao transgredir a lei de maneira tão escancarada, Jesus passa a
correr riscos, mas não se intimida com isso. Na verdade, ele pede silêncio ao
homem que fora purificado por precaução de má compreensão na sua mensagem: “Então Jesus
o mandou logo embora, falando com firmeza: “Não contes nada disso a ninguém!” (v. 44a).
Jesus tem pressa com a libertação das pessoas, por isso mandou logo o homem ir
embora; ora, certamente aquele homem já havia perdido muito tempo segregado,
excluído da convivência. Por isso, devia voltar o quanto antes para a
comunidade.
Jesus também não queria ser
confundido com um milagreiro. Queria evitar concepções triunfalistas a respeito
da sua imagem e do seu messianismo. Por isso, pediu que o homem não contasse
nada a ninguém. Aliás, o chamado “segredo messiânico” é uma das principais
características de Marcos; a comunidade deve esforçar-se o máximo possível para
não apresentar uma imagem equivocada de Jesus.
Além do silêncio, Jesus dá uma
segunda ordem ou homem recém-purificado: “Vai, mostra-te ao sacerdote e
oferece, pela tua purificação, o que Moisés ordenou, como prova contra eles!” (v.
44b). Ora, alguns comentadores vêem aqui uma certa obediência de Jesus aos
preceitos da lei, mas isso é um grande equívoco. O sacerdote tinha o papel de atestar
se a pessoa estava purificada ou não; porém, a lepra era considerado um mal sem
cura, era praticamente impossível alguém livrar-se dela, de modo que o leproso
era um “morto vivo”. Com essa ordem, Jesus está, na verdade, provocando os
sacerdotes e a religião da época, mostrando que a palavra final sobre a vida
das pessoas já não é mais a deles, mas a sua! Portanto, Jesus está
ridicularizando aquela religião ultrapassada; inclusive, o próprio texto deixa
muito clara essa ironia: “como prova contra eles!”. Jesus quer que eles
mesmos, os sacerdotes, reconheçam que já não tem mais autoridade sobre a vida;
o poder daquele sistema começava a desmoronar.
O pedido de silêncio que Jesus
faz nunca é atendido: “Ele foi e começou a contar e a divulgar muito o fato”
(v. 45a). Jesus pede algo quase impossível: como silenciar diante de
maravilhas tão grandes, coisas nunca antes vistas? Como não irradiar a
felicidade de contemplar o Reino de Deus sendo instaurado? Apesar do risco de
distorção, o anúncio fluía com facilidade: “Por isso Jesus não podia mais
entrar publicamente numa cidade: ficava fora, em lugares desertos. E de toda
parte vinham procurá-lo” (v. 45b). Sobre essa parte conclusiva do texto,
alguns comentadores, também de modo equivocado, vêem mais uma ação de
obediência à lei da parte de Jesus; segundo eles, Jesus não entrava mais nas
cidades porque tinha ficado impuro por ter se aproximado do leproso. Essa interpretação
é absurdo, considerando a capacidade, a necessidade e a liberdade que Jesus tinha
de transgredir a lei.
É verdade que a lei declarava
que quem tocasse num leproso também ficava impuro, mas Jesus não se prendia aos
pormenores da lei, pelo contrário, fazia questão de transgredir. Ele evitava as
cidades e procurava lugares desertos porque sua fama aumentava cada vez mais, o
que ele não queria; e sua vida começava a correr perigo. Esse afastamento se
tornava providencial: quanto mais longe dos centros de poder, mais pessoas
impuras poderiam aproximar-se dele. Quanto mais afastado das pessoas
consideradas puras, mais os considerados impuros chegariam perto. A religião
segregadora expulsava os impuros para os lugares desertos e afastados.
Propositadamente Jesus ia a estes lugares levando vida, amor, acolhimento,
justiça e libertação.
Assim como a comunidade de
Marcos, também nós, cristãos de hoje, somos interpelados pelo evangelho a
promover libertação, a colocar o bem do ser humano acima de qualquer norma e
doutrina. Para isso, é necessário ir sempre aos outros lugares, aos desertos de
hoje, as periferias existenciais, onde estão aqueles e aquelas a quem a
religião e a sociedade disseram que não tem mais jeito, já não servem mais para
nada. São essas pessoas que mais precisam conhecer o Deus amoroso que Jesus
revelou, e somente quem tem intimidade com esse Deus pode acolher e compreender
essas pessoas.
Mossoró-RN, 10/02/2018, Pe. Francisco
Cornelio F. Rodrigues
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